Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

HÔ, HÔ, HÔ!

Terça, 24 de dezembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
      Amanhã, 25 de dezembro, é Natal, escolhido por convenção como o dia em que, mesmo tendo sido gerado em Nazaré da Galiléia, nasceu, em Belém da Judéia, Jeoshua, com nome traduzido para o latim de Iesus, posteriormente chamado mundialmente de Jesus ou Jesus Cristo, o fundador da igreja cristã. Por muitos outros nomes ele é também conhecido – e muito conhecido, sem dúvida a pessoa mais conhecida do mundo e da história, ainda que relativa e espantosamente pouco compreendido – mas esta não pretende ser uma nota religiosa.
      Em verdade, a data de 25 de dezembro foi fixada por convenção quando o cristianismo, após pesadas e prolongadas perseguições, não parava de ampliar o número de seus adeptos, o que levou o imperador Constantino a torná-lo a religião oficial do Império Romano. No entanto, não há registro e nem um cálculo preciso a respeito da data em que Jesus nasceu. Os autores dos Evangelhos não se preocuparam (ou preferiram evitar) a data exata, embora citando circunstâncias que certamente balizam um período.
      Não existe um Ano Zero da Era Cristã, ela começa com o Ano I. E hoje a grande maioria dos estudiosos do cristianismo e especialmente do nascimento de Jesus está convicta de que o Filho do Homem (denominação que ele mais gostava de aplicar a si mesmo) nasceu pelo menos quatro anos antes do Ano I e no máximo, sete anos antes. Assim, ao ser crucificado, Jesus não teria apenas 33 anos, mas 37 a 40 anos. (40, na Bíblia, é um dos números repetitivos, ligado a sacrifício, expiação, penitência, preparação; mas não estou tentando relacionar isso com a crucificação de Jesus à eventual idade de 40 anos, coisa que é, hoje, mera hipótese, entre outras).
      O nascimento de Jesus e o cálculo de que teria nascido no Ano I dividiu o tempo de existência da atual civilização. Em quase todo o Ocidente e partes expressivas do Oriente, o tempo da civilização foi divido em duas partes, segunda a segunda a Era Cristã.
A datação convencional do nascimento de Jesus Cristo também estabeleceu outras maneiras de divisão do tempo anterior e posterior a este evento. Antes de Cristo e Depois de Cristo (AC e DC). O tempo depois do nascimento de Cristo também recebe a denominação de Anno Domini (AD).
De algum tempo para cá, muitos (entidades jurídicas e pessoas) vêm substituindo a expressão Era Cristã por Era Comum, por preferirem evitar referências que poderiam ser consideradas religiosas, mas também poderiam ser consideradas apenas tradicionais.
Curioso é que com essa preocupação de importar o laicismo do Estado (onde ele é correto) para instituições privadas e até manifestações pessoais públicas (a manifestação de um apresentador de televisão, por exemplo), passa-se a usar não somente a inexpressiva e vaga expressão “Era Comum” e adota-se como proibição não escrita expressões até não muito tempo tão usadas quando “se Deus quiser”, “fiquem com Deus”, “esteja em paz” ou “Deus o acompanhe”, trocando-as pela anódina e insensível “boa sorte”, que nada acrescenta, nem mesmo sorte.
Bem, voltando mais especificamente ao Natal e passando a outros aspectos a ele relacionados. Nas últimas semanas e muito mais intensamente nos últimos dias as emissoras de televisão (principalmente), mas também outros veículos, divulgaram propaganda ligada ao Natal, quase que exclusivamente com o objetivo de levar o público consumidor a comprar produtos. Presentes para a família toda e tantos amigos quanto possível, além de “árvores de Natal” e produtos para a “ceia de Natal”.
Não vi nestes anúncios, uma vez sequer, referência alguma ao dono da festa. As agências de propaganda poderiam ter sido até menos monótonas, lembrando que ao nascer, Jesus ganhou presentes, ouro, incenso e mirra, levados pelos “reis magos” do Oriente e deixando ao público a especulação de que essa tradição de dar presentes no Natal tem algo a ver com isso, ou se é uma manifestação de alegria com o nascimento do Salvador ou, afinal, mera exploração comercial. Como está, elas fazem parecer que a alternativa acertada é a última, pois Jesus tem sido o personagem ocultado no Natal, substituído por um tal de Papai Noel.
Que saco! Hô, Hô, Hô.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.