Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Esquenta a Segunda Guerra Fria

Sexta, 13 de dezembro de2013
Por Ivan de Carvalho
      As crises pipocam em série. O contexto global aponta para um aquecimento gradual da Segunda Guerra Fria, que já começou. Esse aquecimento tanto pode ser lento quanto bem rápido, a depender de um grande número de fatores. Uma breve síntese das situações mais notórias do contexto geopolítico-militar global:
1. Na Síria, começou em 2011 o que nada fica a dever a uma guerra civil e a crise continua, sem previsão de termo, embora pareça que as fracionadas oposições perdem terreno rapidamente para a ditadura dos Assad, instalada há quatro décadas. Nações Ocidentais, mais ativamente Estados Unidos e França, estão de um lado, mas sem ingerência militar, a Rússia, com fornecimento de material militar, e a China, do outro. O Irã  interfere com armas e soldados na guerra civil apoiando o governo Assad, a Turquia e quase todas as nações árabes se opõem ao regime de Assad, mas sem ingerência militar. Antes da Síria houve aquele vira-e-mexe da Primavera Árabe, que criou situações críticas ainda não resolvidas, entre elas destacando-se as do Egito e Líbia. A Síria veio na sequência.
2. O Irã e a Coréia do Norte desenvolvem programas nucleares e programas de mísseis e criam crises regionais com extensões globais. Os analistas estão convictos de que a Coréia do Norte já produziu bombas nucleares rudimentares e o Irã tem, além do que é conhecido, um complexo nuclear secreto para a produção de plutônio e/ou enriquecimento de urânio no nível necessário para o fabrico de armas nucleares. Os Estados Unidos e a União Européia pressionam para o país desistir do programa nuclear, que o Irã diz ter fins “pacíficos”, mas o mundo todo sabe que não é. Mais uma vez, a Rússia (e mais discretamente a China) protegem o Irã de resoluções do Conselho de Segurança da ONU que poderiam obrigar os iranianos a recuar.
3. Quanto tudo parecia quieto lá onde o Sol nasce, a China ativou uma antiga disputa com o Japão em torno de umas ilhas que são apenas rochedos nos quais não mora uma só pessoas e impôs uma ampla área de “exclusão aérea” na região delas. Descobriu-se que a região marinha é rica, sobretudo em petróleo. Aliado do Japão, cuja Constituição proíbe-o de ter armas nucleares e se julga protegido pelo guarda-chuva nuclear norte-americano, os Estados Unidos mostraram seu apoio aos japoneses enviando aviões militares para sobrevoar a região de “exclusão área” declarada pela China. Esta é uma situação de impasse que persiste.
4. Mas apesar dos fatores citados e de tantos outros que podem influir, mais ou menos intensamente, para o aquecimento da Segunda Guerra Fria, cumpre assinalar que esta, não igual, mas semelhante à primeira. Ela tem como os dois contendores principais os Estados Unidos (que ao terminar a Primeira Guerra Fria tornou-se, por algum tempo, a única superpotência, hegemônica em âmbito global). Mas isso já acabou. Os EUA são, ainda, a mais poderosa das superpotências, mas a Rússia voltou a ser superpotência, com seu imenso arsenal nuclear que mesmo nos tempos de crise foi mantido quase intacto, a organização de sua economia, após o colapso a que a levara a desastrada experiência comunista (o tal socialismo real, tão irreal) e o maciço investimento que Vladimir Putin vem fazendo. O poderio militar tem sido a maior prioridade dele, acompanhada de algumas outras, como a redução, gradual, mas firme, do nível de liberdade da sociedade e de democracia, da recuperação da influência diplomática russa, e da formação de uma União Euroasiática.
5. Esta é a outra grande prioridade, que desencadeou uma profunda e ainda irresoluta crise na Ucrânia, uma das três mais importantes repúblicas da extinta União Soviética, ao lado da Rússia e do Casaquistão. A União Euroasiática, articulada e liderada pela Rússia, já conta com a Belarus, Armênia e Casaquistão. Falta principalmente a Ucrânia, com seus 46 milhões de habitantes e cujo governo, às vésperas de assinar um acordo que culminaria na adesão do país à União Européia, pulou para o lado russo e dispõe-se, sobre grandes protestos populares de rua, a aderir à União Euroasiática. Nas ruas de Kiev, esta semana, está sendo aquecida a Segunda Guerra Fria.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.