Domingo, 15 de dezembro de 2013
Da Revista Veja — 15/12/2013
Empresas usaram o CNPJ de sociedades montadas para erguer seus empreendimentos na cidade de São Paulo para injetar recursos em candidatos de diversos partidos nas eleições de 2010 e 2012
Felipe Frazão
Roberto Victor
Anelli Bodini, promotor de justiça do GEDC, e Cesar Dario Mariano da
Silva , promotor de justiça de patrimônio social, durante entrevista
coletiva a respeito do caso da corrupção dos fiscais da prefeitura de
São Paulo, realizada na sede da Promotoria Pública de São Paulo -
(14/11/2013) - JF Diorio/AE
“Podemos interpretar isso como sociedades ‘laranjas’, que
entraram para fazer doações das empresas que as constituem e dos sócios,
para encobrir o nome do real doador”, Sandra Cureau
Empresas constituídas por construtoras que integram a "lista da propina"
da máfia do Imposto Sobre Serviços (ISS) na cidade de São Paulo
destinaram pelo menos 1,6 milhão de reais para campanhas nas duas
últimas eleições. Levantamento do site de VEJA mostra que oito
Sociedades de Propósito Específico (SPEs) apontadas pelos auditores fiscais
da prefeitura de São Paulo como pagadoras de propina doaram para
dezenove candidatos de diferentes partidos – PSDB, DEM, PT, PDT, PPS e
PR. Todas as doações foram declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) em 2010 e 2012.
Uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) é um mecanismo no meio
imobiliário utilizado por empresas com a finalidade de erguer um único
empreendimento – cada empresa possui determinada cota nessa sociedade,
que corresponderá ao tamanho de sua parte quando a construção estiver
concluída. Em geral, essa figura jurídica tem prazo determinado para
encerrar a atividade: ou seja, quando o empreendimento é entregue aos
compradores.
As SPEs abasteceram campanhas ao Legislativo e ao Executivo nas três
esferas de governo: federal, estadual e municipal. A maior parte das
doações foi direcionada a candidatos a deputado federal e estadual
em São Paulo. Mas até os comitês das campanhas presidenciais da então
candidata Dilma Rousseff (PT) e do seu adversário José Serra (PSDB)
também receberam – respectivamente, 83.333 reais e 150.000 reais cada.
“Podemos interpretar isso como sociedades ‘laranjas’, que entraram
para fazer doações das empresas que as constituem e dos sócios, para
encobrir o nome do real doador", disse a subprocuradora-geral da
República Sandra Cureau, ex-vice-procuradora-geral eleitoral. “Elas
também podem estar funcionando para que o real doador não estoure o
limite legal de doações. Isso também torna eventual punição mais
difícil, porque as sociedades são encerradas, aí são os sócios que têm
de ser responsabilizados.”
Não é novidade que empreiteiras apareçam como um dos principais
financiadores de campanhas eleitorais. Mas o uso de uma SPE, constituída
para atuar em um empreendimento determinado, chamou a atenção do
Ministério Público (MP) Estadual. A suspeita é que as construtoras
usaram o mecanismo para ocultar o real doador/interessado na eleição de
determinado político. Os promotores também avaliam quebrar os sigilos
bancários das empresas citadas na "lista da propina" – foram 410 empreendimentos.
As oito SPEs identificadas pela reportagem são controladas por quatro
construtoras: PDG/Goldfarb, Lucio Engenharia, Trisul e Brookfield. No
caso da PDG/Goldfarb, as sociedades Gold Beige, Gold Marília, Gold
Marrocos e Gold Mônaco distribuíram 1.030.333,34 de reais para nove
candidatos, em 2010, e para o Diretório Nacional do PSDB, em 2012. É a
maior parcela do total de 1.688.333,34 reais pagos pelas SPEs.
De acordo com as investigações do MP, a Gold Marília, por exemplo,
pagou 12.358,77 reais de ISS à prefeitura de São Paulo em novembro de
2010. Porém, a empresa devia 704.717,54 reais de imposto. A suposta
propina paga à quadrilha de fiscais para obter o desconto, conforme a planilha obtida pelos promotores, foi de 247.000 reais.
Na última segunda-feira, o TSE negou um recurso da Gold Mônaco, que
foi multada em 500.000 reais pela Justiça Eleitoral paulista, por ter
doado em 2010 acima do limite legal fixado. “Não há como afastar a
condenação da sociedade empresarial recorrente ao pagamento de multa no
presente caso, pois, conforme consignado no acórdão regional, ela
realizou doação na importância de 376.000 reais, e seu faturamento bruto
declarado à Receita Federal no ano anterior à doação foi de
2.291.713,09 reais, tendo sido ultrapassado o limite [de 2% do
faturamento]”, escreveu o ministro relator do TSE, Henrique Neves da
Silva.
A Gold Mônaco alegou que o tribunal deveria considerar o faturamento
global de todo o grupo empresarial do qual faz parte (superior a 700
milhões de reais, em 2009), mas o TSE não acatou a tese. Os defensores
da SPE chegaram a argumentar que o teto estipulado para contribuições
de campanha "viola o direito à igualdade na luta por representação
política". Outras SPEs da PDG/Goldfarb, como a Gold Marrocos e a Gold
Marília, também foram autuadas por abuso de poder econômico.
Um dos parlamentares apoiados pela PDG/Goldfarb foi o deputado
estadual Antônio de Sousa Ramalho (PSDB), líder sindical que atua
politicamente no setor da construção civil. Ele recebeu 48.000 reais,
sendo 30.000 reais da Gold Marília e mais 18.000 reais da Topázio Brasil
– que pertence à Lúcio Engenharia. “Houve solicitações pelos meus
assessores de doações para campanha e, nesse caso, foram atendidas. Tudo
feito dentro das formalidades legais”, disse Ramalho.
Empresas – A Lúcio Engenharia, dona da Topázio
Brasil, disse que a doação a Ramalho foi “perfeitamente legal e
contabilizada”. A empresa afirmou também que sua SPE, citada na "lista
da propina", “cumpre com as obrigações fiscais e legais”. A assessoria
de imprensa da PDG/Goldfarb não respondeu aos questionamentos do site de
VEJA.
A Brookfied, que admitiu em depoimento ao Ministério Público de São Paulo ter pagado pelo menos 4 milhões de
reais em propina aos auditores fiscais da prefeitura, doou 630.000
reais a políticos por meios de duas SPEs: a Rubi e a Aquamarine. As
doações foram destinadas a políticos de São Paulo, Goiás, Distrito
Federal, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina.
Procurada, a Brookfiled não respondeu.
O ex-senador Adelmir Santana, que disputou a eleição de 2010 para
deputado pelo DEM do Distrito Federal, disse que desconhecia a Rubi e
que acertou a colaboração com a Brookfiled: "Nunca vi essa empresa. Na
verdade, quando eu saí candidato, eu busquei alguns contatos e uma das
empresas que doaram foi a Brookfield. E ela o fez através dessa Rubi –
que eu não sei de onde é porque nunca tive nenhum contato com ela".
A Trisul, controladora da SPE Sugaya, disse que “em relação às
eleições de 2010, a situação encontra-se resolvida e encerrada junto ao
Tribunal Regional Eleitoral [TRE]”. A Sugaya também foi questionada por
doação acima do limite pelo Ministério Público Eleitoral e punida pelo
TRE-SP. A Trisul assegurou que as doações "não tem qualquer relação" com
o fato de a empresa estar envolvida com os auditores fiscais
investigados.
Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Theodorico Ferraço (DEM-ES), presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, e o secretário do Governo de São Paulo Ricardo Salles, que concorreu a uma cadeira de deputado estadual pelo DEM-SP, afirmaram apenas que as doações foram legais e estão registradas na Justiça Eleitoral.
Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Theodorico Ferraço (DEM-ES), presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, e o secretário do Governo de São Paulo Ricardo Salles, que concorreu a uma cadeira de deputado estadual pelo DEM-SP, afirmaram apenas que as doações foram legais e estão registradas na Justiça Eleitoral.
(Com reportagem de Gabriel Castro)
Valores doados pelas empresas a campanhas políticas
SPE | VALOR* | CANDIDATO/COMITÊ | PARTIDO |
---|---|---|---|
Aquamarine | 50 mil | Luiz Eduardo Cherem | PSDB |
Aquamarine | 50 mil | Carlos Alberto Richa | PSDB |
Gold Beige | 150 mil | Direção Nacional do PSDB | PSDB |
Gold Marília | 30 mil | Antonio de Sousa Ramalho | PSDB |
Gold Marília | 11 mil | Iraja Silvestre Filho | DEM |
Gold Marília | 83,3 mil | Comitê Dilma Rouseff | PT |
Gold Marrocos | 320 mil | Guilherme Campos | DEM (PSD**) |
Gold Marrocos | 45 mil | Renato Fauvel Amary | PSDB (PMDB**) |
Gold Marrocos | 15 mil | Davi Zaia | PPS |
Gold Mônaco | 15 mil | Ricardo de Aquino Salles | DEM (PSDB**) |
Gold Mônaco | 350 mil | Jorge de Faria Maluly | DEM |
Gold Mônaco | 11 mil | Luiz Antônio de Medeiros Neto | PDT |
Rubi | 50 mil | Guilherme Antonio Maluf | PSDB |
Rubi | 30 mil | Rosângela de Oliveria Zeidan | PT |
Rubi | 100 mil | Adelmir Araújo Santana | DEM |
Rubi | 50 mil | Theodorico de Assis Ferraço | DEM |
Rubi | 50 mil | Vanderlan Vieira Cardoso | PR |
Rubi | 100 mil | Marco Ferreira Perillo Júnior | PSDB |
Rubi | 150 mil | Comitê José Serra | PSDB |
Sugaya | 10 mil | Paulo Teixeira | PT |
Topázio Brasil | 18 mil | Antonio de Sousa Ramalho | PSDB |
*em reais / **atual partido