Da Ponte — Segurança, Justiça e Direitos Humanos
Rafael Bonifácio e Claudia Belfort — 12/02/15
Manifestantes de movimentos sociais e moradores da comunidade caminharam até o local onde 12 rapazes foram mortos pela polícia. No trajeto, dor, choro e intimidações da Polícia Militar
Cruzes
pretas que foram depositadas no local dos assassinatos, em homenagem às
vítimas. Foto: Rafael Bonifácio/Ponte Jornalismo
Parecia uma marcha fúnebre. Mas era um ato de protesto dos moradores que
vinham da Vila Moisés, no bairro
Cabula, em Salvador, onde
policiais militares mataram12 pessoas, na sexta-feira, 06/02.
Eles traziam dor, medo e indignação contra a polícia que ainda tentou,
segundo relatos dos manifestantes, impedir que participassem do ato,
abordando-os e dizendo para que voltassem para suas casas.
Ações intimidadoras da PM aconteceram durante toda a caminhada, que partiu
da entrada da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) até o local das mortes. O
ato ocorreu nesta quarta-feira, dia 11, às 14h.
Os policiais que acompanhavam o ato aceleravam suas motos em direção aos
participantes, xingando-os de “vagabundas” e “viados”. De seu lado,
manifestantes bradavam gritos de ordem, chamavam a polícia e o governador de
racistas e pediam o fim da Polícia Militar.
“Eu defendo os humanos direitos. Vou pedir promoção para os policiais que participaram da ação por ato de bravura. Corroboro com o discurso do governador do estado, ação foi legítima.”
Deputado Soldado Marcos Prisco (PSDB), vice-presidente da comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa da Bahia
“Achei estranho que a moto não estava mais ao lado, mas no meio dos
manifestantes e começou a acelerar atrás de mim. Quando o policial passou do
meu lado, me olhou e disse: O que você, tão branco, está fazendo aqui?”,
relatou Alexandre Ciconello, assessor de direitos humanos da Anistia
Internacional. “Esse mesmo policial ficou intimidando as outras pessoas, tanto
verbalmente quanto com a moto”.
Durante
o trajeto manifestantes foram xingados pelos policiais. Foto: Rafael
Bonifácio/ Ponte Jornalismo
Portando pistolas, os policiais saíam das suas viaturas com as armas em
punho, enquanto outros gravavam vídeos dos manifestantes em seus celulares.
Manifestantes
e moradores cobrem o rosto com os cartazes, para não serem identificados. Foto:
Rafael Bonifácio /Ponte Jornalismo
O medo era tamanho que os moradores que participaram do ato, na grande
maioria crianças e mulheres, não puderam ser filmados ou fotografados pela
imprensa por determinação dos organizadores da manifestação, que temiam pela
segurança deles.
Já na segunda-feira, dia 9/2, segundo relatos de um morador que não será
identificado por segurança, moradores foram reprimidos ao tentarem fechar
a Estrada das Barreiras, via principal de acesso à comunidade, sofrendo ameaças
e represálias dos PMs durante toda a noite.
“Eu defendo muito a vida dos meus policiais e isso é o que importa: a vida dos policiais e a vida da sociedade, que está sofrendo com essas ações delituosas.”
Maurício Barbosa, secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia
As janelas entreabertas das estreitas vielas da Vila Moisés guardavam
aqueles que não se atreveram a expor a voz ou o rosto em apoio ao protesto.
Tinham medo.
Nenhum morador comenta mais o caso. Ao chegar no campinho rodeado por
um matagal onde a chacina ocorreu, ouvia-se o choro das mães e parentes por
todos os cantos. Estavam inconformados de encontrar ainda no local, roupas
perfuradas por tiros, chinelos e cápsulas de balas espalhadas pelo chão de
areia. A existência de cápsulas no local indica que a perícia pode não ter sido
feita corretamente. Todos os objetos de uma cena de crime devem ser levados e
etiquetados, pois funcionam como prova numa investigação.
Cápsula
.40, encontrada no chão do campinho. Foto: Rafael Bonifácio/Ponte Jornalismo
Foi a primeira vez que uma manifestação organizada pelo movimento Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta conseguiu chegar ao local das mortes. Um outro morador, que
também não será identificado, questionou: “esse caminho que a gente fez [por
vielas estreitas] foi o mesmo que eles [vítimas] fizeram com os PMs, se teve
tiroteio, como que não tem marca de balas por lá, só aqui [no campinho]?”.
Ameaças
“Se alguém do Reaja morrer, se eu morrer, vocês já sabem o que aconteceu”,
comentou Hamilton Borges Walê, coordenador do movimento Reaja ou Será Morto,
Reaja ou Será Morta, sobre as ameaças de morte que vêm sofrendo constantemente.
“Nós viemos fortalecer a comunidade que estava impedida de fazer manifestação,
na segunda a polícia bateu, hoje tiveram só que acompanhar o ato”, acrescentou.
Manifestantes
em direção à Vila Moisés. Foto: Rafael Bonifacio /Ponte Jornalismo
O movimento cobra uma retratação da fala do governador Rui Costa (PT), que
comparou o caso com um jogo de futebol dizendo que a “morte nossa [negros] é um
gol, praticamente dando uma carta aberta para os policiais saírem matando”,
comentou Hamilton. Cobram ainda a garantia da proteção das testemunhas do caso,
investigação e perícia independentes e que investiguem as ameaças que tanto os
moradores quanto os membros da reaja vêm sofrendo.
“Nós defendemos, assim como um bom artilheiro, acertar mais do que errar. E vocês terão sempre um governador disposto a não medir esforços, a defender desde o praça ao oficial, a todos que agirem com a energia necessária, mas dentro da lei”
Rui Costa, governador da Bahia (PT)
Chinelos,
supostamente de uma das vítimas, encontrados no local dos assassinatos. Foto:
Rafael Bonifácio /Ponte Jornalismo
“Agora nós vamos continuar na comunidade, criar um memorial, fazer ações
políticas e culturais, criar um espaço de fraternidade e solidariedade para que
a comunidade não sofra mais com esses problemas“, disse Hamilton sobre a
continuidade do caso.
Após o ato, todos andaram juntos, para que os moradores da comunidade
voltassem para suas casas em segurança. Hamilton trocou sua camisa por uma pólo
de outra cor e colocou um boné, para não ser tão facilmente reconhecido.
Ninguém foi embora desacompanhado. O medo, agora, é que durante os dias de
carnaval a comunidade não tem tanta visibilidade, o que os deixa mais
vulneráveis.
Outro lado
Em nota enviada por email à Ponte,
a Polícia Militar da Bahia disse que repudia qualquer abordagem que não seja em
conformidade com a legalidade. E que solicita “que reclamações e denúncias
devam ser formalizadas através da Ouvidoria pelo telefone 0800284001, ou no
site www.pm.ba.gov.br” para que os casos sejam investigados.
Quanto ao fato dos policiais estarem portanto apenas armas letais, respondeu
que “é legitimo o porte de arma da Polícia Militar e que “a utilização acontece
de acordo com a necessidade da ação, quando há risco contra a vida do policial
ou do cidadão.” Também destacou que “durante a manifestação desta quarta-feira
(11) não houve a utilização de armas letais.”
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