Quarta, 25 de
fevereiro de 2015
Akemi
Nitahara - Repórter da Agência Brasil
A crise na segurança pública do Brasil foi agravada em 2014
com o aumento do número de homicídios no país, alta letalidade nas operações
policiais, uso excessivo de força para reprimir protestos, rebeliões com mortes
violentas em presídios superlotados e casos de tortura.
As informações são parte do capítulo brasileiro do Relatório
2014/15 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo, que será lançado mundialmente
amanhã (25) pela Anistia Internacional. Por conta das diferenças de fuso
horário, o relatório foi liberado na noite de hoje (24) para o Brasil.
O diretor executivo da organização no Brasil, Atila Roque,
informou que o país está entre as localidades onde mais se mata no mundo, superando territórios com
conflitos armados e guerras.
“Um país que perde todo ano quase 60 mil pessoas claramente
não está conseguindo dar uma resposta adequada ao princípio fundamental do
estado, que é proteger a vida. Garantir a vida com qualidade, mas, antes de
tudo, garantir a vida. A avaliação é mais dramática se pensarmos que cerca de
30 mil [assassinados] são jovens, entre 15 e 29 anos. Desses, 77% são negros”,
explicou.
Outro problema grave apontado pela Anistia é a impunidade.
Conforme o levantamento, menos de 8% dos homicídios viram inquérito na Justiça
brasileira. “Existe quase uma licença para matar, porque praticamente só vira
inquérito o crime cometido à luz do dia, na frente de todo mundo, entre
conhecidos, aquele que todo mundo viu quem foi”, acrescentou Roque.
Ele lembra que o Brasil tem a quarta maior população
prisional do mundo. "São mais de 500 mil pessoas presas, o que não
significa punição para os crimes. Estamos prendendo muito e mal, porque
prendemos quem não comete crimes violentos. Está na cadeia quem comete crimes
contra a propriedade, contra o patrimônio e crime de tráfico de drogas, que
também é bastante controverso”.
De acordo com o relatório, a militarização da segurança
pública, com uso excessivo de força e a lógica do confronto com o inimigo,
principalmente em territórios periféricos e favelas, contribui para manter alto
o índice de Error! Hyperlink reference not valid.
no país. “Em um período de cinco anos, a polícia brasileira matou o que a
dos Estados Unidos matou em 30 anos. E a polícia americana não é das mais
pacíficas do mundo. Entre os países desenvolvidos, é uma das que mais mata”,
ressaltou o diretor.
Ele destacou que o relatório final da Comissão Nacional da Verdade estabelece uma
relação da violência policial como legado da ditadura militar. Por outro lado,
lembrou que o policial também é vítima, sendo alto o número de assassinatos de
agentes das forças de segurança.
Entre os casos citados pela Anistia, os destaques são o
assassinato do pedreiro Amarildo de Souza em 2013; a prisão de Rafael Braga
Vieira, único condenado nas manifestações de junho de 2013; a chacina de
novembro, que deixou dez mortos em Belém; a rebelião no Presídio de Pedrinhas
(MA); perigo de retrocesso nas legislações que envolvem a demarcação de terras
e criminalização do aborto; repressão violenta às manifestações antes e durante
a Copa do Mundo; e a demora do Congresso em ratificar o Tratado Internacional
de Armas.
Nas recomendações, a entidade sugere a elaboração de um
plano nacional de metas para a redução dos homicídios, desmilitarização e
reforma da polícia, com mecanismos de controle externo, valorização dos agentes
e aprimoramento da formação, condições de trabalho e inteligência para
investigação. A Anistia Internacional também pede a implementação de um plano
de proteção de defensores de direitos humanos.
“É preciso que enfrentemos o tema da reforma e reestruturação
das polícias. Temos de pensar a segurança pública como área de afirmação de
direitos e não de violação de direitos. É preciso que pensemos a segurança como
parte das políticas públicas e, portanto, como problema do Estado. Segurança
pública não é uma questão apenas da polícia. Essa conciência precisa ser
incorporada no Brasil de forma que possamos sair desse ciclo de horror”,
ressaltou Roque.
Como pontos positivos, ainda que incompletos, a entidade
cita a condenação, em 1992, de 75 policiais pela morte de 111 presos na
rebelião do Carandiru; a instituição do Sistema Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura; o relatório final da Comissão Nacional da Verdade; e avanços na
legislação em benefício da população LGBT.
Procurados, representantes do Ministério da Justiça
informaram que ainda não tiveram acesso ao relatório. A Secretaria de Estado de
Segurança do Rio (Seseg) afirmou que, desde 2009, adota o Sistema de Metas e
Acompanhamento de Resultados (SIM) e já pagou R$ 282 milhões em premiação a policiais
civis e militares pela diminuição dos índices de criminalidade
Por meio de nota, a secretaria revelou que, na comparação
entre 2007 e 2014, junto com as unidades de Polícia Pacificadora, "o SIM
contribuiu para redução de 25,8% dos crimes de letalidade violenta (homicídio
doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e homicídio decorrente de
intervenção policial). Comparado entre o primeiro semestre de 2014 e o ano de
2008, o percentual sobe para 80,7% nas áreas pacificadas.
Conforme a secretaria, a formação dos policiais foi
reformulada com o programa Novo Tempo para a Segurança, que promoveu duas
revisões curriculares e a renovação do corpo docente das academias de polícia,
incluindo a disciplina de direitos humanos no conteúdo. Além disso, a Seseg
informou que mais de 1,6 mil policiais foram expulsos por desvios de conduta ou
abusos desde o início da atual gestão.