Segunda, 23
de fevereiro de 2015
Por
Adriano Benayon
1. O momento é decisivo, pois exige resposta urgente da
sociedade: aproxima-se o ponto da irreversibilidade do processo de exploração
predatória do povo brasileiro e de seus recursos naturais.
2. Nos últimos 60 anos, a oligarquia mundial tem regido
sucessivos golpes – com e sem participação militar – para desnacionalizar a
indústria e impedir o desenvolvimento tecnológico do Brasil.
3. Desse modo, os carteis financeiros e industriais
transnacionais lograram alcançar extrema concentração de poder econômico em
suas mãos, o que lhes proporcionou também o crescente controle do sistema
político, abrangendo todos os poderes do Estado.
4. Só os que não se indagam sobre a essência das coisas,
iludem-se com as aparências da democracia supostamente instaurada em 1988.
5. A Constituição foi produto híbrido das articulações
reacionárias do Centrão e de avanços democráticos. Só que a maioria destes se
tornou letra morta. Além disso, os mais importantes foram suprimidos por
emendas constitucionais.
6. Outra não poderia ter sido a evolução (involução),
dadas as relações de poder real, correspondentes às estruturas de mercado,
econômicas e financeiras, caracterizadas pela concentração e pela
desnacionalização, muito grandes desde o final dos anos 60.
7. Esse quadro não cessou de se agravar, foi acelerado, de
1990 a 2002, e prossegue em marcha.
8. Isso lembra o conceito de enteléquia, de Aristóteles:
um princípio de “desenvolvimento” ou programa (como um software), que contém,
desde a origem, os elementos conducentes à sua plena realização. No caso, um
processo de degradação, como uma doença degenerativa.
9. Na Constituição promulgada em 1988, há, pelo menos,
dois pontos incompatíveis com a soberania nacional: o artigo 164 e a inserção
fraudulenta – durante o processo da Constituinte – do acréscimo ao art. 166, em
seu parágrafo 3º.
10. O art. 164 sujeita o Tesouro – portanto a União
Federal e o próprio País – a endividar-se junto aos bancos privados e demais
concentradores de capital, pois: 1) dá ao Banco Central a competência exclusiva
para emitir moeda; 2) o dinheiro que o BACEN cria, só o pode repassar aos
bancos privados, sendo proibido de provê-lo ao Tesouro ou a qualquer ente
público.
11. O acréscimo ao § 3º do art. 166 (“excluídas as que
incidam sobre: a) …; b) serviço da dívida; c) …”) libera os juros e
amortizações da dívida dos requisitos a que estão sujeitas outras despesas para
serem autorizadas.
12. Em consequência desses dispositivos e do desequilíbrio
nas relações de poder econômico e político, o serviço da dívida já nos custou,
de 1989 a 2014, em moeda atualizada, mais de R$ 20 trilhões. Sim, mais de R$
20.000.000.000.000,00, o equivalente a quatro PIBs de 2014.
13. Apenas doze dealers (10 bancos e duas distribuidoras
de títulos) determinam as taxas efetivas dos juros dos títulos públicos vários
pontos percentuais acima da já injustificadamente elevada SELIC, novamente em
aumento, todo mês, desde novembro.
14. Embora só uma parte dos mais de R$ 20 trilhões tenha
sido paga com recursos tributários, a maior parte é paga com a emissão de novos
títulos do Tesouro. Por isso, a dívida mobiliária interna cresce sempre e
ultrapassou R$ 3 trilhões.
15. Muitos dos manipuladores da opinião publicada (como
diz o ex-ministro Roberto Amaral), negam os números reais do serviço da dívida,
pretextando que ela se paga com novos títulos do Tesouro, mas, se fossem
coerentes, deveriam negar também a própria dívida, pois foi assim que ela
cresceu.
16. Além do serviço da dívida, há mais mecanismos – também
escondidos do conhecimento público – através dos quais o Brasil se
descapitaliza em dezenas de trilhões de reais, a cada ano, e transfere renda em
favor dos concentradores, principalmente os sediados no exterior, estrangeiros
e brasileiros.
17. Em contraste, escancaram-se e magnificam-se, perante o
público, casos de corrupção na Petrobrás e nas empreiteiras, a fim de fulminar
o que resta da indústria e da tecnologia nacionais.
18. Esses são casos reais, e sua repetição tem de ser coibida,
punindo exemplarmente todos os indivíduos responsáveis e sem privilegiar os
corruptíssimos delatores premiados.
19. Mas isso não será viável, sem modificar profundamente
o presente sistema político, em que as instituições e os partidos estão viciados
no fisiologismo.
20. As eleições são movidas a dinheiro grosso e pela
corruptíssima grande mídia, que abusa da exposição sensacionalista da
corrupção, inerente ao sistema, como arma a serviço dos interesses da
oligarquia transnacional. E as propostas só tem chances de ser aprovadas no
Congresso, à base do “é dando que se recebe”.
21. É imperioso fortalecer a Petrobrás, o maior dos
patrimônios do País, bem como os conglomerados privados nacionais que
desenvolvem valiosas tecnologias, como fornecedoras da Petrobrás e prestadoras
de bens e serviços em áreas de igual significação estratégica.
22. Não fazê-lo implica decretar a queda do Brasil à
condição de subdesenvolvido irrecuperável, intensificando a política que vem
destruindo o País, ao eliminar seu capital humano e moldar a infra-estrutura
segundo o interesse dos carteis transnacionais estrangeiros.
23. O modelo subjacente a essa política determinou nulo ou
pífio crescimento do produto interno bruto (PIB), nos últimos anos, e ele teria
sido muito negativo, não fossem os desempenhos da Petrobrás, da mineração e da
agricultura.
24. Ora, isso reflete a desindustrialização, subproduto da
desnacionalização da economia, que se manifesta brutalmente, fazendo o Brasil
regredir, de modo devastador, à infra-estrutura colonial e desintegrar economia
nacional.
25. O minério de ferro é explorado, há decênios, em
quantidades absurdas, mesmo considerando as fabulosas reservas do País, de
resto, desnacionalizadas, desde a privatização da Vale do Rio Doce, em 1997.
26. A Vale, que tem 85% da produção brasileira, planeja
chegar a 450 milhões de toneladas/ano até 2018. A exportação do Brasil atingiu
340 milhões de tons/ano em 2014.
27. O que fica no País são buracos e poluição, inclusive
no caso dos minerais estratégicos como o nióbio e o quartzo, cujos produtos
finais são importados por cerca de cem vezes o preço dos insumos exportados,
afora o descaminho desses minérios e dos preciosos.
28. Enquanto a produção de bens de alto valor agregado
retrocede, a primária cresce. Um dos maiores escândalos é a soja a ocupar 50%
das terras em uso. De sua produção (90 milhões de toneladas), 80% são
exportados sem processamento e 10% transformados em produtos de baixo valor
agregado, como o farelo.
29. Sobra para o Brasil o empobrecimento dos solos, com
emprego excessivo de fertilizantes químicos e de agrotóxicos, gasto descomunal
de água, além da poluição de solo e águas.
30. Em suma, a desnacionalização da economia – dominada
por carteis aqui instalados e por suas matrizes no exterior – acarreta
prejuízos anuais ao País assim estimáveis:
1) diferença entre a taxa de juros efetiva da dívida
pública e a adequada: 0,13 [13%] x R$ 2,5 trilhões = R$ 320 bilhões; 2)
diferença entre a taxa média dos juros, no crédito às empresas e pessoas
físicas, e a que deveria prevalecer: 0,2 [20%] x R$ 2,6 trilhões = R$ 520
bilhões; 3) sobrepreços nos bens e serviços produzidos para o mercado interno =
80% do PIB = R$ 4,2 trilhões; 4) sobrefaturamento das importações de produtos
finais e insumos para a indústria, e de serviços: 60% de US$ 229 bilhões (bens)
= US$ 137,4 x 2,8 = R$ 385 bilhões + R$ 115 bilhões (serviços) = R$ 500
bilhões; 5) subfaturamento das exportações: 50% de US$ 225,1 bilhões = US$
112,5 bilhões x 2,8 = R$ 315 bilhões; 6) perdas na relação de troca (terms of
trade), devidas à primarização da economia: importar, por preços até cem vezes
superiores, bens acabados produzidos com matérias-primas exportadas a preço
vil.
O item 6 é difícil de quantificar, mas corresponde
certamente um múltiplo (2 ou 3) do presente valor do comércio exterior do País,
a que se deve aplicar outro múltiplo (no mínimo, 10) decorrente de comparar o
atual PIB, com o que teríamos, se o País não se tivesse submetido ao modelo
dependente, desde os anos 50: R$ 800 a 1.200 bilhões x 10 = R$ 8 trilhões a R$
12 trilhões anuais.
Mesmo sem adicionar o item 6, que equivale ao dobro dos
cinco anteriores, a soma destes totaliza R$ 5,85 trilhões, cujo cálculo não é
exagerado: embora possa conter algumas duplas contagens, aplica alguns
percentuais provavelmente subestimados.
As perdas acima resumidas incidem a cada ano. Não incluem
as pontuais, como as enormes transferências fraudulentas para o exterior
através do BANESTADO nos anos 90, nem os prejuízos superiores a R$ 50 trilhões,
decorrentes das privatizações de FHC, afora os que prosseguem, desde então, em
função delas.
***
Adriano Benayon é doutor em economia
pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.