Quinta, 15 de dezembro de 2016
Da Abrasco — Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Em debate na USP sobre a saúde após a PEC, especialistas apontam que
proposta de Temer contempla apenas aspectos econômicos e defendem que
“as pessoas sejam colocadas em primeiro lugar”. A saúde no Brasil após a
aprovação e implementação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55
foi debatida na quinta-feira, 8 de dezembro, por médicos sanitaristas,
economistas e outros especialistas da área no Instituto de Estudos
Avançados (IEE) da Universidade de São Paulo (USP). Em comum nas
apresentações, a preocupação com os impactos do congelamento de
investimentos federais ao Sistema Único de Saúde ao longo dos 20 anos de
vigência da PEC.
O professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da USP Fernando Rugitsky defendeu mudanças
no sistema tributário para o equilíbrio fiscal. “São mais eficazes que a
PEC 55”, afirmou, lembrando estudo do Ipea que aponta uma receita de
mais de R$ 43 bilhões ao ano com a cobrança de 15% sobre lucros e
dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas. Com a isenção
concedida em 1995, no início do primeiro mandato de FHC, grande parte do
que ganham os ricos não é tributada.
Segundo Rugitsky, a proposta sugere um modelo de sociedade que tem no
horizonte o retorno dos investimentos públicos para padrões da década
de 1980. “A PEC pode até estabilizar a situação fiscal, mas no longo
prazo vamos ter deixado para trás o que avançamos na redução das
desigualdades sociais. Se congelar, as desigualdades vão se aprofundar”,
destacou. “Economistas dizem que a saúde depende da estabilidade, mas é
importante notar que depende da estabilidade político e social. Pode
estabilizar a economia e desestabilizar a sociedade.”
Em seu artigo Para entender a PEC do teto de gastos,
ele afirma que o congelamento tende a ser desastroso para a educação e
para a saúde. Tanto que as manifestações dos estudantes, por meio de
ocupações, mostram que não se deixaram ludibriar pelo discurso oficial.
Uma das faces da desigualdade é a mortalidade infantil. Um mapeamento
da prefeitura de São Paulo aponta duas vezes mais mortes de crianças
nos bairros da zona leste, mais pobres, do que em Pinheiros, de classe
média alta, na zona oeste. “Qualquer pesquisa de opinião coloca
corrupção e saúde entre os temas de maior importância no Brasil. A
desigualdade, porém, aparece como problema de menor importância, ao
contrário do que ocorre na maioria dos países”, lembrou o professor da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco), Gastão Wagner.
Por essa razão, ele defendeu mais democracia, com o fortalecimento da
sociedade civil, com grupos de pressão por mais políticas sólidas de
desenvolvimento social que priorizem as pessoas. “A total
desconsideração pelo ser humano pode ser vista em cidades mais feias,
sem áreas verdes, na segregação horrenda das favelas e comunidades das
grandes cidades sem saneamento básico, o que seria resolvido com R$ 15
bilhões, segundo estudos, o que são trocados. Temos tradição de
desrespeito à população”, disse.
Wagner destacou ainda o direito à saúde, à cidade saudável e ao lazer
para que a população tenha acesso ao direito universal à saúde. “O SUS
tem feito esse papel apesar de suas limitações, por meio de políticas
avançadas, por meio da integração das diferentes disciplinas nas várias
abordagens, que resultam em menos medicalização, menos hospitalização e
menos mortalidade.”
Para isso, segundo ele, o sistema tem inovado, com iniciativas como a
integração de profissionais de educação física em equipes de saúde, que
têm ajudado a melhorar a vida de pessoas com problema de coluna, por
exemplo.”Já ouvi de muita gente que muito do que se faz no SUS é a mesma
coisa que se faz em sistemas privados, para os mais ricos.”
Mas é preciso avançar, entende, com mais transparência, competência e
modernização do modelo de recursos humanos, como novos critérios de
carreiras. “A democracia é importante também para mais autonomia da área
de saúde. A fragmentação do SUS tem de ser superada. Mas tudo isso que
está sendo feito justifica todo o investimento. Apesar de toda crise
política, econômica, institucional, ética e moral, continuo otimista.”
A médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) Ligia Bahia defendeu a participação dos economistas em
estudos e na defesa do SUS. “Precisamos que eles se metam na saúde. Não é
possível que não falem em saúde, porque é de financiamento que mais
falamos; é o maior problema.”
Ela voltou a criticar a isenção fiscal de gastos com a saúde, que
considera vergonhosa, como uma das causas mais importantes dos problemas
de caixa do SUS. “E nessa crise toda, o tema não chega às mesas de
debates. O governo da Irlanda acabou recentemente com a dedução fiscal
na saúde. Não se trata de ser de esquerda ou de direita. Na defesa pelo
SUS precisamos da economia”, disse, externando seu repúdio pela proposta
de reforma da Previdência, que deixará de fora militares e integrantes
do Judiciário – “os coitadinhos”, segundo ela.