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(Millôr Fernandes)

domingo, 20 de agosto de 2017

Serviços suspensos no Hospital de Base. 'Bate um sentimento de revolta'

Domingo, 20 de agosto de 2017
Serviços suspensos no Hospital de Base. 'Bate um sentimento de revolta'
O conselho administrativo do IHBDF será formado por 11 integrantes, sendo o secretário de Saúde o presidente.
Por OTÁVIO AUGUSTO-Correio Braziliense
Blog do Sombra
Cirurgias cardíacas de alta complexidade, transplantes de fígado, operações ortopédicas e tratamentos oncológicos estão comprometidos na maior unidade do Distrito Federal. 

Ao ser transformado em instituto, o Hospital de Base, o primeiro na capital a ter o modelo de administração, terá de estancar uma crise que parece não ter fim. A celeuma é tamanha que, atualmente, pelo menos quatro serviços estão suspensos ou interrompidos parcialmente na maior unidade médica do Distrito Federal. Cirurgias cardíacas de alta complexidade, transplantes de fígado, operações ortopédicas e tratamentos oncológicos são alguns exemplos. A Secretaria de Saúde espera que, em junho de 2018, a situação tenha sido pelo menos atenuada, mas admite que é preciso tempo para erradicar os problemas.


Faltam insumos, equipamentos e profissionais. Para se ter dimensão do impacto, por semana, até 10 pacientes eram operados de doenças graves no coração. Hoje, essas pessoas são realocadas na fila de espera e encaminhadas para unidades contratadas, como o Instituto de Cardiologia e o Hospital Universitário de Brasília (HUB). Esse último recebe a demanda de tratamento oncológico.

As filas estão cada vez maiores. São 800 pessoas à espera de radioterapia e 150, para cirurgia cardiológica. “O reflexo das licitações, dos novos contratos, não aparecem agora. Mas vamos deixar esse legado para a população. Em relação às cirurgias mais complexas, vamos restabelecer, nos primeiros seis meses de 2018, com as contratações e o fortalecimento da estrutura”, detalha o secretário adjunto de Gestão em Saúde e diretor-geral do Hospital de Base, Ismael Alexandrino.

O gargalo esbarra em leitos bloqueados e na falta de profissionais de enfermagem — cerca de 500 cargos estão vagos na unidade médica. Não há sequer perfusionista na Secretaria de Saúde — esse profissional opera máquina que faz circular o sangue de pacientes cardíacos. “Para se criar essa carreira, é necessário que um projeto de lei seja aprovado pela Secretaria de Planejamento, além de fazer o concurso. Todo o processo levaria cerca de dois anos”, explica Ismael. Em 2015, os dois últimos profissionais deixaram o Hospital de Base. Um se aposentou. O outro pediu demissão. O único procedimento cardiovascular possível na unidade é a implantação de marcapasso.

“Revolta”
Por dois dias, o Correio acompanhou atendimentos na emergência e no ambulatório. No local onde se marcam consultas e cirurgias, os pacientes esperam sentados nos bancos de concreto. Uma dessas pessoas era a merendeira Luciene Pires Machado, 56 anos. Na última sexta-feira, ela enfrentou a fila para agendar o retorno com seu médico. Voltou para casa, em Valparaíso, distante 40km do Plano Piloto, sem a consulta.

Há três meses, ela corre contra o tempo, pois tem uma síndrome que causa arritmia no coração. O descompasso faz com que o sangue não circule com eficiência. Quando isso acontece, ela pode desmaiar e morrer se, em alguns minutos, o ritmo cardíaco não for normalizado. “Eu fiz rapidamente os exames no Instituto de Cardiologia, mas não consigo desenrolar o restante. O médico disse que preciso operar logo”, reclama. Na terça, ela volta ao Base. “Bate um sentimento de revolta.”

A situação se repetiu com a costureira Gessiana Vaz, 61. Há 10 anos, ela passou por um cateterismo e, agora, o coração voltou a falhar. Ela pagou pelos exames, mas não tem como arcar com a cirurgia. “Tem de melhorar o fluxo dos pacientes. Os médicos são ótimos, mas não conseguem dar celeridade às cirurgias e aos tratamentos. Dá uma tristeza quando a gente não consegue a consulta ou o exame, mas é triste, também, para o profissional que sabe que o paciente dele pode morrer ou ter complicações.”

Na sexta-feira, a reportagem deixava a 102 Sul, onde fica a unidade de saúde, quando a tradutora Tatiana Cristina da Silva, 25, chegou com muita dificuldade. Sozinha, ela se amparava em uma muleta. Era a quarta vez que ia ao Hospital de Base. Um problema no joelho direito ainda não diagnosticado provavelmente exigirá uma operação. Contudo, antes, ela precisa de uma ressonância magnética. O aparelho do Base está quebrado. “O meu médico me falou que será um tratamento difícil. A maior parte dos pacientes vai para casa sem atendimento”, critica Tatiana.

Para saber mais
Contratação pela CLT
O conselho administrativo do Instituto Hospital de Base será formado por 11 integrantes, sendo o secretário de Saúde o presidente. Cinco postos serão indicados pelo governador Rodrigo Rollemberg. A Câmara Legislativa, o Conselho de Saúde, a Associação de Pacientes, a sociedade civil e os sindicatos da saúde indicam um nome, cada. Os novos profissionais serão contratados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Terão de bater metas e poderão ser demitidos. O governo deverá divulgar balanço de atendimentos e prestar contas, anualmente, até março. Haverá auditorias externas para analisar os dados. A intenção do governo é de que a troca na gestão seja concluída na primeira semana de 2018.

Balanço

800-Pessoas com câncer na fila de espera da radioterapia


150-Pacientes que aguardam a marcação de cirurgias cardiológicas


500-Total de servidores que faltam no Base

 Aposta imprevisível para o setor público

A decisão inédita de transformar um hospital público do DF em instituto, administrado por conselheiros, é polêmica, gera retaliações de sindicatos e provoca conflito entre estudiosos de gestão da saúde. Segurança, só a equipe da Secretaria de Saúde. A professora da Universidade de Brasília (UnB) Helena Eri Shimizu, especialista em políticas e gestão de serviços de saúde, explica que o Hospital de Base é um retrato ampliado do que ocorre em todas as unidades. “O Base sofre com a falta de organização e de planejamento há muito tempo. O sucateamento tem essa origem. A má gestão, com a questão financeira muito grave, levou essa situação ao limite”, destaca.

Helena não acredita que a reforma na administração da unidade suprirá todas as necessidades. “É uma aposta arriscada. Esse rearranjo na forma de gestão é frágil. É um risco muito grande um grupo contratar, organizar e determinar as prioridades, fugindo das regras da administração pública. Muita coisa no modelo convencional atrapalha e está atrasada, mas, ao mesmo tempo, há mecanismos que trazem segurança”, conclui. Semana passada, a Secretaria de Saúde trocou o diretor do Hospital de Base para acelerar a transição da unidade para o conselho administrativo, que assume em 2018.

Flávio Goulart, pesquisador do Observatório da Saúde do DF, pensa de outra forma. Ele avalia que a forma de gerir atual fracassou e que ela não levará a outro caminho, a não ser o do caos. Flávio participou de algumas reuniões e debates sobre a criação do instituto. “Falta autonomia da gestão. Os problemas, alguns muito antigos, são consequência do modelo falido”, avalia. O especialista alerta que, mesmo sendo uma alternativa viável, é preciso monitoramento frequente. “A vigilância em cima dos dirigentes é essencial para o sucesso”, analisa.