Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Congresso e governo atacam a sociedade

 Por Ivan de Carvalho
    
Enquanto a mídia noticia e discute animadamente sobre a perspectiva de o Advogado Geral da União, José Dias Toffoli, vir a ser escolhido pelo presidente Lula para ocupar a vaga deixada no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Carlos Alberto Direito, morto recentemente, faz um silêncio sepulcral sobre o golpe aplicado pelo Congresso e pelo presidente da República sobre um dos mais importantes instrumentos da cidadania, o mandado de segurança.

    Não dá para entender como a mídia praticamente ignorou a elaboração e aprovação da Lei 12.016 de 2009 pelo Congresso e sua sanção, em agosto, pelo presidente da República e continua sendo incrivelmente discreta, agora, sobre a iniciativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de ingressar – o que aconteceu ontem – com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra essa nova lei, que regulamenta os mandados de segurança individual e coletivo.

    Assim é que o indivíduo e a sociedade brasileira são vergonhosamente surrupiados em seus direitos pelos agentes políticos – seja no Congresso, seja no comando do Poder Executivo – e a mídia (jornais, emissoras de rádio e televisão, revistas de circulação nacional) não cumprem sua função de informar as pessoas sobre o golpe que lhes está sendo aplicado. Isto merece a qualificação de uma traição, pois essas pessoas são leitores, ouvintes, telespectadores, portanto, o público que espera da mídia que o informe ao menos nas questões essenciais para sua própria vida e/ou para a nação.

Caso não queira a mídia aceitar a qualificação de alta traição à sua função básica e ao seu público, então terá que aceitar a única alternativa possível para a inaceitável e imperdoável omissão – incompetência absoluta da mídia brasileira. Especialmente daquela mídia mais poderosa que mantém intensa cobertura das atividades e inatividades do Congresso Nacional e da Presidência da República, com um monte de repórteres credenciados, comentaristas, analistas e suas bem nutridas sucursais em Brasília.

Nos meios especializados, quando a Lei 12.016/09 foi sancionada, no mês passado, chegou-se a dizer que ela criou algo como um “apartheid jurídico”, afirmação aceita e endossada pela OAB, que repete agora que a lei cria um “apartheid no Judiciário”. Não se trata, evidentemente, de um “apartheid” pela cor da pele, como existia em alguns países da África, especialmente na África do Sul, mas um “apartheid” econômico.

É que a lei citada estabelece que, caso haja valores pecuniários envolvidos na situação objeto do mandado de segurança, o magistrado poderá solicitar do impetrante um depósito caução ou fiança antes de conceder uma medida liminar. Isto significa que as pessoas que disponham de recursos podem depositar o valor em questão e pedir uma medida liminar, enquanto as pessoas economicamente desprovidas ou menos providas ficarão impedidas de se beneficiar – sempre que houver um valor pecuniário a depositar – do valioso e não raro essencial instrumento da medida liminar. No popular: pobre não tem vez. “O mandado de segurança vai ser só para os ricos”, comentou o presidente da OAB, Cezar Britto.

Este é o primeiro dos insultos à cidadania e ao direito individual e de grupos de indivíduos (mandados de segurança coletivos) que a nova lei perpetrou. O segundo diz respeito ao fato de ela restringir o acesso ao mandado de segurança, de vez que “ao disciplinar as hipóteses de cabimento do mandado de segurança, individual ou coletivo, o legislador não preservou a amplitude da ação de natureza constitucional”. Sustenta o presidente do Conselho Federal da OAB que a lei “apequenou” o mandado para aumentar a proteção ao poder público e a suas autoridades.

Na verdade, a lei é um avanço do predomínio do Estado sobre o indivíduo, matéria prima básica para a construção de qualquer autoritarismo.

O relator do processo no STF será o ministro Marco Aurélio Mello.
Este artigo foi originalmente publicado na Trinuna da Bahia de hoje
Ivan de Carvalho é jornalista baiano