Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Lula, o retorno

Terça, 6 de julho de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    O primeiro trincamento, ainda discreto e mesmo quase imperceptível para os que não estejam muito atentos, pode estar se insinuando entre o presidente Lula e sua candidata ao cargo atualmente ocupado por ele.
    Todo mundo está cansado de saber que o presidente Lula quer reconquistar, nas eleições de 2014, o cargo que agora ocupa.
Por enquanto, ele tem se enfeitado para a eventual ocupação de algum cargo nas estruturas políticas internacionais.
Na semana passada descartou – sem que ninguém lhe houvesse oferecido – a Secretaria Geral da ONU, possivelmente por entender que suas chances são nulas até por causa das grandes besteiras que a política externa brasileira andou cometendo, sob a orientação e mesmo a ação presidencial direta, nos tempos mais recentes. Mas a explicação dele foi a de que a Secretaria Geral da ONU é adequada para um bom administrador burocrata e ele não é isso, mas um político. Compreende-se. A raposa descobriu que as uvas estão verdes. A verdadeira questão, no entanto, não é esta, mas outra: onde estão as uvas maduras?
Bem, voltando a 2014, o presidente ontem aconselhou os brasileiros e brasileiras (isso era coisa de Sarney, mas houve uma certa e evidente simbiose entre o presidente do Senado e o presidente da República, de modo que a este pode-se atribuir as expressões do outro e vice-versa) a esquecerem a amargura da derrota na Copa deste ano e olhar para a de 2014. Isso de ficar chorando é para perdedor contumaz, nós estamos acostumados a ganhar e vamos que vamos.
Então Lula, que depois de acostumar-se a perder, acostumou-se a ganhar, escolheu Dilma Rousseff para candidata por vários motivos. Um deles é o de que ela, como líder política, não existia. Era uma gerente, competente segundo Lula e adjacências, totalmente incompetente, mas uma espécie de trator, e com avantajado espírito de mando, segundo outros. Para nós, é o desconhecido, o salto no escuro. Um exercício perigoso, na medida em que, se eleita, ela estará no comando de uma máquina poderosíssima, o Poder Executivo federal no Brasil, que marcha resolutamente (mesmo sob outros comandos) para engolir a sociedade como a cobra engole o sapo. E o PT sem o aguilhão de Lula na presidência da República somará sua própria fome insaciável à de Dilma.
Ah, mas Lula voltará em 2014. Ou não, como diria Caetano Veloso, que anda às turras com ele. O destino costuma não ser previsível. Mas de uma mulher sem nenhum rebolado político, que vampiriza o prestígio político de seu mentor para as eleições e não tem, pelo menos por enquanto, o menor rebolado político (não é só o forró pé de serra que não se dispõe a dançar), é cedo para falar o que falou ontem.
Em entrevista, deixou em aberto o retorno de Lula nas eleições de 2014. Elegendo-se este ano, Dilma terá direito a tentar a reeleição em 2014. “Quando chegar a hora, a gente conversa sobre isso”, disse ela a um grupo de quase 500 líderes empresariais. Acrescentou que é a favor da reeleição e contra o mandato presidencial de cinco anos (sem reeleição). Admitiu que sua resposta foi “mineira” e que lhe perguntassem novamente em 2013.
Agora, como candidata, Dilma não poderia dizer nada muito diferente do que disse. Nem que Lula volta, nem que não volta. Uma resposta com qualquer das alternativas cairia mal. Mas a dúvida foi formalmente colocada. E convenhamos: é muito mais fácil Lula, tão popular, ser candidato do PT a presidente em 2014 se Dilma perder do que se ela vencer em outubro. Dilma vai querer entregar a rapadura? Esta é o tipo de pergunta que não quer calar.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.