Sábado, 10 de julho de 2010
Código Florestal e a lei da selva 9 de julho de 2010
Por Juremir Machado da Silva*
No Correio do Povo/RS
Edgar Morin, o pensador da complexidade, completou 89 anos de idade ontem. Nos últimos anos, ele tem pensado prioritariamente a necessidade de conciliar economia e ecologia, produção de alimentos e defesa do meio ambiente, geração de riqueza e proteção do patrimônio ambiental.
A aprovação na Comissão Especial da Câmara de Deputados do projeto que altera o Código Florestal brasileiro mostra que estamos muito longe de alcançar o equilíbrio sonhado por Morin.
A poderosa bancada ruralista, que só pensa em seus ganhos, sob o pretexto de garantir segurança alimentar, conseguiu uma anistia para todos os estragos feitos no passado. Ficam suspensas as multas para quem cometeu crime ambiental até 2008. Uau!
Pode-se utilizar as áreas de reserva legal nos próximos cinco anos. As Áreas de Proteção Permanente à beira de pequenos rios são reduzidas de 30 para 15 metros. A turma da motosserra fica liberada para continuar desmatando em casos que a licença já tenha sido expedida ou em troca de uma vaga promessa de reflorestamento futuro.
Espaços agrícolas que estavam na ilegalidade são regularizados. Em bom português, a bancada ruralista quer mesmo é acabar com as Áreas de Proteção Permanente ou reduzi-las ao insignificante.
Contra o "radicalismo" dos ecologistas, os ruralistas apostam num fundamentalismo agropecuário economicista. APPs são como patrimônios tombados. Se dependesse dos ruralistas, pelo jeito, prédios históricos seriam derrubados para dar espaço à produção. Que tal fábricas no lugar de "improdutivas" construções preservadas?
Os ruralistas são compeões do fato consumado. Primeiro, estrategicamente, desobedecem à lei. Depois, trabalham para que ela seja alterada. E ainda se queixam do MST e pedem segurança jurídica.
Esse novo Código Florestal, defendido pelo relator do projeto, o parlamentar ruralista Aldo Rebelo, se aprovado, será um extraordinário retrocesso.
Tem muita água para rolar antes de isso acontecer: aprovação pelo plenário da Câmara, Senado e sanção do presidente. Por enquanto, é uma manobra eleitoral, politicagem pura e assustadora. A legislação atual precisa ser melhorada? Certamente. A proposta aprovada pela tal Comissão Especial traz melhorias? Pouquíssimas. A malandragem é muito grande.
Antes, os ruralistas combatiam a divisão entre agricultura familiar e agronegócio. Diziam que é tudo igual. Agora, espertamente, argumentam que a mudança é boa para a agricultura familiar. Nem isso é totalmente verdadeiro. Ela é boa mesmo para os grandes proprietários, que ficarão mais à vontade para destruir a Amazônia.
A mensagem que se extrai do projeto é simples e direta: destruam, desmatem, derrubem essa tralha, que depois a gente consegue uma anistia e fica tudo numa boa. Afinal, este é o país da impunidade, inclusive para crimes ambientais. É a lei da selva. Contra a selva. Os agrochatos têm um latifúndio de cadeiras no parlamento. Caros ruralistas, leiam Morin. Vocês continuam atrasados
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*Juremir Machado da Silva é um escritor, jornalista, tradutor e professor universitário brasileiro. Leciona na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Graduado em História e em Jornalismo pela PUCRS (1984), é doutor em Sociologia pela Universidade Paris V, René Descartes, Sorbonne (1995), tendo sido orientado por Michel Maffesoli. Pesquisador 1B do CNPq, fez pós-doutorado (1998) na França sob a orientação conjunta de Edgar Morin, Jean Baudrillard e Michel Maffesoli. Foi professor-visitante na Universidade Paul Valéry, Montpellier III. (Fonte: Wikipédia)