Quinta, 15 de julho de 2010
Por Ivan de Carvalho
Uma das polêmicas em curso na política brasileira refere-se ao comportamento do presidente Lula, que em solenidade ligada ao lançamento do edital de concorrência para construção e operação do trem bala (Trem de Alta Velocidade, TAV), que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo. Na ocasião, o presidente elogiou sua ex-ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, atualmente candidata a presidente da República por coligação liderada pelo PT, partido do atual presidente.
Lula atribuiu à ex-auxiliar e candidata a sua sucessão grande parte da responsabilidade pela obra do trem bala, que ainda não começou, evidentemente. Aliás, desde que lançou a candidatura de Dilma Rousseff, o presidente tem dado não raramente a impressão de que no período em que ela esteve na chefia da Casa Civil, ele esteve sempre de férias. É que Lula tem feito constar para o distinto público que sua candidata, perdão, ex-ministra, fez quase tudo nesse período. Daí, quase nada terá sobrado para ele.
Ontem, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, candidata do PV a presidente da República – e sobre quem Lula não se sente “quase que na obrigação moral” de dizer o que ela fez em solenidades oficiais, como disse em relação a Dilma no caso do trem bala, o que cria o risco de misturar governo com propaganda da candidata e outro risco igualmente importante, de se ter um presidente que desafia a legislação de seu país. Como ele apoiou o ex-presidente de Honduras, deposto porque desafiava a Constituição hondurenha, as coisas ficam mesmo com péssima aparência, apesar das desculpas que o presidente pediu ontem, admitindo que pode ter cometido “uma falha”. Mas ele já fora multado várias vezes pelo TSE e a quem ocupa o cargo que ele ocupa não é dado o direito de falhar tanto praticamente na mesma coisa. “Nós que somos pessoas públicas devemos ter total observância da lei. O fato de ser mais aceito pela população, de ser carismático, não nos dá direito a extrapolar a legislação”, ensinou ontem Marina Silva.
Mas deixemos esta polêmica e vamos a outra, correlata. A construção do trem bala. Pelo edital publicado ontem no Diário Oficial da União, deve entrar em operação em 2016 e custar R$ 33 bilhões. Ligará o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo, Guarulhos e São José dos Campos. Deverá atingir velocidade superior a 300 quilômetros por hora. Uma maravilha.
Mas... mas o especialista Jurandir Fernandes (vou dispensar a repetição do currículo encontrável na Internet) afirma que a implantação do projeto vai, fatalmente, estourar o orçamento previsto no edital, podendo chegar a R$ 45 bilhões, explicando que esse tipo de obra sempre custa 30 por cento mais do que o previsto. Diz ainda que se trata de obra que, por seu porte, consome sete a oito anos para ficar pronta, daí só chegaria a esse ponto em 2017 ou 2018, depois das Olimpíadas do Rio de Janeiro, quando o governo anuncia que já estará em operação.
Vi na TV, na terça-feira, que mais de 24 por cento dos nordestinos – uma a cada quatro pessoas da região – sobrevivem “abaixo da linha de pobreza”, vale dizer, na miséria. Sobrevivem ou morrem. E muitas dessas pessoas morrem mesmo por isto.
Ora, que importa, se já vamos fazer trem bala, igualzinho ao Japão, a um custo de R$ 45 bilhões, ou, para quem quiser acreditar no cálculo oficial, R$ 33 bilhões. Isso é que é governo com “políticas públicas de prioridade ao social”, para usar linguagem da moda.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
Lula atribuiu à ex-auxiliar e candidata a sua sucessão grande parte da responsabilidade pela obra do trem bala, que ainda não começou, evidentemente. Aliás, desde que lançou a candidatura de Dilma Rousseff, o presidente tem dado não raramente a impressão de que no período em que ela esteve na chefia da Casa Civil, ele esteve sempre de férias. É que Lula tem feito constar para o distinto público que sua candidata, perdão, ex-ministra, fez quase tudo nesse período. Daí, quase nada terá sobrado para ele.
Ontem, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, candidata do PV a presidente da República – e sobre quem Lula não se sente “quase que na obrigação moral” de dizer o que ela fez em solenidades oficiais, como disse em relação a Dilma no caso do trem bala, o que cria o risco de misturar governo com propaganda da candidata e outro risco igualmente importante, de se ter um presidente que desafia a legislação de seu país. Como ele apoiou o ex-presidente de Honduras, deposto porque desafiava a Constituição hondurenha, as coisas ficam mesmo com péssima aparência, apesar das desculpas que o presidente pediu ontem, admitindo que pode ter cometido “uma falha”. Mas ele já fora multado várias vezes pelo TSE e a quem ocupa o cargo que ele ocupa não é dado o direito de falhar tanto praticamente na mesma coisa. “Nós que somos pessoas públicas devemos ter total observância da lei. O fato de ser mais aceito pela população, de ser carismático, não nos dá direito a extrapolar a legislação”, ensinou ontem Marina Silva.
Mas deixemos esta polêmica e vamos a outra, correlata. A construção do trem bala. Pelo edital publicado ontem no Diário Oficial da União, deve entrar em operação em 2016 e custar R$ 33 bilhões. Ligará o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo, Guarulhos e São José dos Campos. Deverá atingir velocidade superior a 300 quilômetros por hora. Uma maravilha.
Mas... mas o especialista Jurandir Fernandes (vou dispensar a repetição do currículo encontrável na Internet) afirma que a implantação do projeto vai, fatalmente, estourar o orçamento previsto no edital, podendo chegar a R$ 45 bilhões, explicando que esse tipo de obra sempre custa 30 por cento mais do que o previsto. Diz ainda que se trata de obra que, por seu porte, consome sete a oito anos para ficar pronta, daí só chegaria a esse ponto em 2017 ou 2018, depois das Olimpíadas do Rio de Janeiro, quando o governo anuncia que já estará em operação.
Vi na TV, na terça-feira, que mais de 24 por cento dos nordestinos – uma a cada quatro pessoas da região – sobrevivem “abaixo da linha de pobreza”, vale dizer, na miséria. Sobrevivem ou morrem. E muitas dessas pessoas morrem mesmo por isto.
Ora, que importa, se já vamos fazer trem bala, igualzinho ao Japão, a um custo de R$ 45 bilhões, ou, para quem quiser acreditar no cálculo oficial, R$ 33 bilhões. Isso é que é governo com “políticas públicas de prioridade ao social”, para usar linguagem da moda.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.