Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Para que pagamos impostos

Sexta, 16 de julho de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    Desconfio que tenho criticado com muita freqüência o governo federal, algumas de suas políticas e alguns de seus comportamentos, bem como feito reparos à conduta do presidente da República, do que muitos estariam certamente discordando, se muitos fossem os meus raros leitores. É que ele está com uma popularidade tão grande e seu governo com um índice de aprovação tão elevado que as críticas parecem tão eficazes quanto malhar em ferro frio. Mas “navegar é preciso”, como gostava de citar Ulysses Guimarães.
    Às vezes, como jornalista, fico meio aflito com certas situações. Escrevendo na Bahia e para leitores que vivem neste estado, deveria priorizar as coisas que acontecem aqui. E elas têm acontecido, até com certa intensidade, nestes dias de início de campanha eleitoral. Afinal, ontem o deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima inaugurou o comitê central de sua campanha para governador. Na véspera, o ex-governador Paulo Souto e o governador Jaques Wagner já haviam feito o mesmo.
    Mesmo assim, fui empurrado pela intuição jornalística sobre o que é mais importante, a escrever, ontem, a respeito do trem bala, abordando dois aspectos, o eleitoral (Lula fez propaganda de sua candidata, Dilma Rousseff, em ato oficial, o que significa mau exemplo de um presidente que passa por cima da lei e rendeu a Lula, ontem, mais uma representação do Ministério Público Federal ao TSE) e o social (o trem bala é um equipamento importante, mas não ainda, porque muito custoso, para um país que tem, na sua populosa região Nordeste, por exemplo, 25 por cento das pessoas sobrevivendo ou morrendo “abaixo da linha de pobreza”, o que significa na miséria.
    Hoje não vejo como fugir à notícia de que o governo federal produziu e distribuiu 215 mil cartilhas, 20 mil cartazes e 3 mil livros defendendo o voto nas mulheres, incluindo ainda no material um discurso de seis páginas da candidata do PT (governista) Dilma Rousseff a presidente da República. O kit, diz a notícia, foi enviado em caixas de papelão pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (órgão vinculado à Presidência da República), a partidos políticos, deputados, senadores e candidatos nos Estados. O custo de impressão das cartilhas, livros e cartazes foi de pelo menos R$ 72 mil – dinheiro que saiu de um convênio entre o governo e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Deve-se ainda acrescentar os custos da impressão do discurso de Dilma (ou será que o dinheiro para isto saiu do PT ou da campanha dela, companheiros?) e da distribuição.
    Este não é um ataque ao feminismo, um escrito anti-feminista. Mas é óbvio que o sexo das pessoas não deve ser elemento relevante de determinação do voto dos eleitores, mas sim a conduta do candidato ou candidata, suas condições pessoais e políticas para bem exercer o mandato e suas propostas. A defesa do voto nas mulheres (não foram feitos cartazes, cartilhas e livros defendendo o voto nos homens) pelo governo me parece, além de discriminação de gênero, propaganda eleitoral indevida com uso da máquina do governo, que sustentamos com os impostos pagos por mulheres e homens. Propaganda eleitoral porque, todo mundo sabe, a candidata do governo a presidente é uma mulher. Claro que Marina Silva, do PV, é mulher e uma candidata da oposição a presidente, mas não incluíram nenhum discurso dela no kit-campanha chancelado pela ONU, que, pelo visto, não entende nada de Brasil.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.