Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Uma questão de mérito

Quarta, 25 de maio de 2011 
Por Ivan de Carvalho
O governo da presidente Dilma Rousseff, iniciado tão recentemente, não havendo completado seus primeiros cinco meses, talvez não merecesse ser atingido tão cedo por um escândalo do porte desse que foi provocado pelo desagradável noticiário envolvendo o poderoso ministro-chefe da Casa Civil e dono da empresa de consultoria Projeto.

Quem sabe, Deus terá contrariado sua natureza para ser injusto ou vingativo com a presidente, talvez porque ela, uns tempos antes de se tornar abertamente candidata ao cargo para o qual afinal foi eleita, tergiversou nas respostas, quando lhe fizeram perguntas sobre sua crença Nele. Aquele negócio de pode ser que sim, pode ser que não, coisa de tucana, não de petista.

Mas Deus ser injusto ou vingativo? Isso é o que realmente não dá para acreditar. Até mesmo para quem eventualmente tenha dúvidas quanto à realidade de Dele. Esse tipo de pessoa duvidosa nesse particular tem que entender, pelo menos se for minimamente racional, que Deus pode até não ser real (coisa impensável para muitas outras pessoas, incluindo o autor destas linhas) ou que, sendo real, é, necessariamente justo e está impossibilitado de ser vingativo, pois é Amor. Ou não seria Deus.

Portanto, a primeira conclusão está firmada – Deus não foi injusto nem vingativo com o governo da presidente Dilma. Daí decorre, numa lógica inexorável – exceto para os que inexplicavelmente ainda acreditam no acaso, nos efeitos sem causa e nas causas sem efeito anterior que as produza (em suma, para quem não tem a menor consideração pelas leis mais básicas e essenciais da física). Decorre que o governo da presidente Dilma Rousseff mereceu e chamou a si o transtorno político-ético que está sofrendo.

Sofrendo e tentando superar no tapa, mas tapa em sentido figurado, claro, significando dizer com “blindagens” que às vezes, como tem ocorrido em comissões técnicas do Congresso, chegam a ser estonteantes. E com alegações de que os contratos de consultoria da Projeto tinham (parece que todos, já que de nenhum deles a outra parte foi revelada até ontem, pelo menos) cláusulas de sigilo. E pode completar amanhã uma semana que o ministro Palocci, enquanto espera a nação inteira que ele fale, não dá um pio, se aferra à língua presa.

Mas, voltando ao mérito negativo do governo da presidente Dilma Rousseff, ele está em que, quando era ministro da Fazenda do governo Lula, para tentar livrar-se de um sufoco por causa de sua presença em mansão por mais de um motivo não recomendável, Palocci viu a direção da Caixa Econômica Federal, vinculada a seu ministério, fazer a mágica de tornar conhecida da imprensa e da sociedade a movimentação (resguardada pela garantia constitucional do sigilo bancário) do caseiro Francenildo Costa.

O rapaz que não tinha língua presa e dera com ela nos dentes. A testemunha-chave. Apesar da direção da CEF tentar por a culpa em funcionários subalternos e depois, sem alternativa, assumi-la, o ministro não teve opção – pediu sua demissão do cargo e deixou o governo. Agora, o editor-geral de revistas das organizações Globo, que inclui a Época, escreveu e publicou que foi Palocci que “fez chegar” à alta cúpula das Organizações Globo os dados da conta de Francenildo.

Bem, Palocci deixou o ministério, criou a Projeto e foi para a Câmara dos Deputados. Depois, Dilma o colocou ou aceitou que o colocassem como um dos principais coordenadores de sua campanha eleitoral. E finalmente o nomeou para ministro-chefe da Casa Civil, cargo que ela já ocupara e que o presidente, se quiser, pode fazer o mais importante do governo depois do dele. E ela quis.

Logo, o governo não pode alegar que não merece o que está recebendo.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
            Ivan de Carvalho é jornalista baiano