Terça, 24 de maio de 2011
Por Ivan de Carvalho
Deve ser
criada na Câmara dos Deputados a CPI dos Pardais.
Não se trata,
claro, dos passarinhos. Afinal eles não são suspeitos de cometer, segundo as
leis e a ética da natureza, qualquer crime ou falta de ética, mesmo quando
insistentemente sujam os carros e com isso agridem sua pintura, feita pífia
pelo homem.
No máximo,
poderiam os deputados abrir uma CPI para investigar os motivos até hoje
inexplicados que levaram os portugueses a trazerem da Europa essas avezinhas de
Deus, que alegram as árvores e até mesmo os nossos olhos, mas se tornam
irritantes quando colocamos automóveis sob suas rotas ou áreas de vôo.
Mas
felizmente os deputados – e tal como eles, os senadores – não estão preocupados
com os pardais, pois geralmente eles não sobrevoam as avenidas de Brasília e
não penetram, nos seus vôos rasantes, nas garagens cobertas do Congresso
Nacional. Eles estão preocupados com a máfia – melhor seria talvez dizer “as
máfias” – dos pardais, aqueles aparelhos abelhudos que sujam os prontuários dos
motoristas nos órgãos de controle de trânsito.
Não que os
deputados e senadores, em seus carros oficiais chapa-preta, estejam preocupados
com esse tipo de sujeira, até porque não são eles, mas seus motoristas, que
eventualmente podem ter seus prontuários emporcalhados (empardalados?).
Acredito que nada de mal haveria em criar uma CPI dos Pardais, mas tenho uma
certa resistência a que seja articulada e criada neste momento.
Para se criar
uma CPI na Câmara dos Deputados, com seus 513 integrantes, é necessário um
requerimento com 171 assinaturas. O requerimento da CPI dos Pardais já tinha,
ontem, 194 assinaturas, estando assim com sua criação garantida, assim que seja
protocolado o requerimento.
Há mais de
duas dezenas de assinaturas em excesso, portanto, de “reserva” para o caso de
que um ou alguns deputados, como não é raro nos casos de CPIs, mudem de posição
na última hora e peçam que suas assinaturas sejam retiradas. Parece-me, no
entanto, que neste caso da CPI dos Pardais o fenômeno das desistências não
deverá ocorrer.
Minhas
resistências (mas não tenho instrumentos para fazê-las sentir na Câmara) dizem
respeito ao fato de que não se deveriam ocupar agora os congressistas, na
Câmara ou do Senado, de coisas pouco importantes, quando há, por exemplo, na
área que poderia merecer uma investigação por CPI, o caso da abrupta
multiplicação do patrimônio do ex-ministro da Fazenda, ex-deputado e atual
ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, bem como do fantástico
desempenho da Projeto, sua empresa de consultoria.
Mas não
deverá ser criada CPI nenhuma no Congresso a respeito. Isso porque o governo
tem esmagadora maioria tanto no Senado quanto na Câmara. Mais ainda na Câmara. Como
o governo e sua base parlamentar estão radicalmente contra qualquer
investigação do caso do ministro Palocci, a oposição não tem chance de reunir as
27 assinaturas de senadores e 171 de deputados que lhe permitam a criação
obrigatória de uma CPI mista de deputados e senadores, como defendia ontem o
senador tucano Álvaro Dias.
A
conseqüência é clara: não haverá CPI para o caso Palocci. A conclusão também é
– a hegemonia de um partido ou de um governo reduz o grau de democracia, na
medida em que restringe o espaço para o contraditório e elimina instrumentos
pelos quais o regime democrático é exercitado. Não há espaço para questionar
ministros, só pardais.
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Este artigo
foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de
Carvalho é jornalista baiano.
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Foto: Gama Livre
CPI mais esquisita do que o "pardal" da foto.