Quinta, 1 de setembro de 2011
De Rumos do Brasil
Por Paulo Passarinho
Por Paulo Passarinho
No último dia dois de
agosto, em meio a novos capítulos da crise econômica que afeta de
sobremaneira os Estados Unidos e a Europa, o governo Dilma lançou um
pacote de medidas rotulado de Plano Brasil Maior.
Trata-se da nova política industrial, tecnológica, de serviços e de
comércio exterior para o período 2011/2014. Guido Mantega, o ministro da
Fazenda, declarou que a iniciativa era uma resposta à concorrência
predatória estrangeira. Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, referiu-se ao plano como mecanismo de
defesa do mercado interno.
As medidas anunciadas teriam como objetivo elevar a competitividade
dos produtos nacionais, através do incentivo à inovação e à agregação de
valor à produção brasileira.
Além de várias projeções de elevação dos investimentos fixos, aumento
do gasto em pesquisa e desenvolvimento, melhor qualificação dos
trabalhadores industriais, e utilização das compras governamentais para
incentivo e fortalecimento de fabricantes nacionais das áreas de saúde,
defesa, têxtil, confecções, calçados e de tecnologia da informação, o
ponto central e mais consistente, em termos objetivos, se volta para
medidas de caráter fiscal. O Plano também prevê novas medidas para o
setor automotivo, com benefícios voltados para a produção de veículos e
autopeças, ainda em discussão, como contrapartida de metas de
investimento, transferência de tecnologia, emprego e agregação de valor.
Desoneração tributária do IPI incidente sobre bens de investimento;
redução gradual do prazo para devolução dos créditos do PIS-Pasep/Cofins
sobre bens de capital; e, principalmente, a desoneração total da folha
de pagamento dos setores de confecções, calçados, móveis e softwares são
as medidas de maior impacto que podemos destacar.
A desoneração total da folha de pagamentos desses setores será
substituída por uma contribuição de 1,5% sobre o faturamento dessas
empresas, excetuando-se às do setor de tecnologia de informação, que
ficam com uma alíquota de 2,5%. A medida é considerada experimental,
vigorando até 2012, quando seria reavaliada. O governo se compromete
nesse período a compensar com transferências do Tesouro para a
Seguridade Social, os eventuais prejuízos que essa mudança poderá
acarretar nos recursos dessa área.
Trata-se na verdade de precedente extremamente perigoso. Mais uma
vez, e paradoxalmente aos discursos oficiais e oficiosos que insistem em
apontar a existência de um suposto déficit previdenciário, a bondade
fiscal ficará por conta dos recursos que deveriam estar sendo destinados
para as áreas da saúde, da assistência social e da própria previdência.
Mais grave, ainda, é a própria eficácia das medidas anunciadas,
frente aos proclamados objetivos de defesa da indústria nacional,
elevação da competitividade dos produtos brasileiros e maior grau de
inovação tecnológica de nossa indústria.
O grande problema é que não se pode desvincular esse presente plano
dos seus antecessores PITCE –Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior, em vigor de 2003 a 2007; e da PDP – Política de
Desenvolvimento Produtivo, entre 2008 e 2010.
Faço esse destaque, pois foi nesse período recente que observamos –
apesar de todas as declarações sempre otimistas das nossas autoridades –
um forte processo de redução do peso da indústria de transformação no
conjunto da produção brasileira e, também, no total das exportações do
país. Entre 2002 e 2010, de acordo com o IEDI – Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial – a participação da indústria de
transformação no PIB reduziu-se de 18% para 16%.
Estudo recém concluído do professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto
de Economia da UFRJ, por sua vez, aponta que, entre 2003 e 2010, a
substituição de produção nacional por importados, na indústria, foi
acentuada, com a tarifa média aplicada sobre importados caindo de 10,9%
para 9,2%. Nesse período, o coeficiente de penetração das importações na
indústria de transformação é crescente, aumentando de 11% para 16,4%; a
participação dos produtos manufaturados no valor total das exportações
cai de 56,8% para 45,6%; ao mesmo tempo em que a participação dos
produtos básicos se eleva de 25,5% para 38,5%. Nesse estudo (Governo
Lula e o Nacional-desenvolvimentismo às Avessas), Reinaldo Gonçalves
pondera que esses resultados são influenciados pela explosão dos preços
das commodities, nesse período. Contudo, ele mesmo destaca que a
participação dos produtos altamente intensivos em tecnologia reduz-se de
13,1% para 8,1%, enquanto que produtos das indústrias de médio-baixa
tecnologia aumentam a sua participação de 21,7% para 25,1%.
A grande questão que o governo não admite encarar é que o principal
vetor negativo que impacta a nossa indústria é a própria política
econômica em vigor, que favorece amplamente as desnacionalização
produtiva e a mudança do perfil da nossa indústria, crescentemente
montadora de peças e componentes importados.
Frente à incapacidade política do governo em alterar os perversos
efeitos que essa política gera sobre a taxa cambial, sobre a taxa de
juros e sobre a política fiscal, com a assombrosa e crescente carga de
despesas financeiras, mais uma vez medidas paliativas e de resposta
emergencial às pressões de alguns setores industriais são anunciadas.
São esses efeitos que deveriam ser enfrentados, através de uma nova
política econômica, impossível de ser assumida pelo governo, em
decorrência de seus compromissos com o modelo econômico defendido por
bancos e transnacionais.
Além disso, há uma emergência em curso, como conseqüência dos
desdobramentos da crise internacional. Com a paulatina diminuição do
saldo comercial do país desde 2007, acentuada a partir de 2008 – ao
mesmo tempo em que a conta de serviços, puxada pela remessa de lucros e
dividendos, não para de crescer -, a “guerra comercial” já denunciada
pelo ministro da Fazenda, poderá fazer com que tenhamos ainda mais
dificuldades pela frente.
É nesse sentido que entendemos que frente à concorrência predatória,
também denunciada pelo ministro, o governo mais uma vez apele para
medidas espúrias de competitividade, que, mais uma vez, muito pouco
efeito sistêmico irão produzir.
*Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.