Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Desfazendo mitos

Quarta, 17 de dezembro de 2014
Por Paulo Passarinho*

Desfazendo mitos

Esta ideia da existência de dois projetos em disputa é totalmente questionável e realimenta ilusões sobre o verdadeiro caráter do modelo econômico em curso no Brasil, desde os anos 1990. Mais grave: fortalece a mitificação, promovida pelo lulismo, de um suposto neodesenvolvimentismo, com base, ao menos, em dois graves equívocos.
O primeiro equívoco relaciona-se ao fato – muito palpável – de os resultados apresentados pelos governos pós-2002 terem sido muito diferentes do período em que FHC esteve na presidência da República. A ampliação dos programas de transferência de renda, a ampliação da oferta de empregos, a recuperação do poder de compra do salário mínimo e a expansão do crédito são exemplos de efeitos obtidos ao longo dos anos em que o PT se encontra à frente do governo federal, e que se distinguem como diferenças importantes em relação à era tucana. Contudo, o fato de os efeitos terem sido diferenciados entre esses dois períodos de governo não significa, necessariamente, que tenhamos modelos econômicos ou projetos diferenciados.
O segundo equívoco, mais grave, é de natureza conceitual e procura amparar essa avaliação – sobre alguns efeitos diferenciados entre esses dois períodos de governo – como uma clara evidência da constituição de um novo modelo econômico em curso no país. Esse equívoco vincula-se às visões que defendem que, especialmente a partir do final do primeiro mandato de Lula, assumimos um projeto neodesenvolvimentista, com taxas médias de crescimento da economia superiores ao período de FHC, melhor distribuição de renda e uma política externa “independente”.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Desafios

Sexta, 23 de maio de 2014
Do Correio da Cidadania
Escrito por Paulo Passarinho, economista.
Em sexta, 23 de Maio de 2014
O Brasil encontra-se em um momento extremamente delicado. Após vinte anos da experiência da abertura liberal, estamos vivendo um quadro que combina incerteza econômica, descrença com a institucionalidade vigente e crescente tensão social, por conta da incapacidade da sociedade de encontrar respostas para gravíssimos e diversos problemas sociais que, sem soluções, apenas se agravam.
As manifestações que surpreenderam o país no ano passado não foram raios em céu azul. Refletiram o descontentamento reprimido e iludido por uma era de imposturas, em que o controle da inflação, a redução da miséria, a recuperação do poder de compra dos salários mais baixos – puxada pelos reajustes reais do salário-mínimo – e a expansão do emprego de baixa qualificação foram apresentados como indicadores insofismáveis de uma nova era, de desenvolvimento e combate às desigualdades.
Rigorosamente, essas mudanças, que de fato ocorreram e beneficiaram os “de baixo”, infelizmente tiveram o efeito de legitimar o modelo econômico introduzido no país com a eleição de Collor, com a sua pregação pela abertura econômica e a redução do papel do Estado, e consolidado com as reformas patrocinadas especialmente por FHC.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Mídia e oposição engrossam o falso e fiscalista coro conservador pra encurralar governo

Segunda, 2 de dezembro de 2013
Paulo Passarinho*
O Banco Central voltou a elevar a taxa Selic, a taxa básica de juros, dando sequência a um processo iniciado em abril desse ano. Na ocasião, a Selic estava em 7,25% ao ano e foi elevada para 7,5%. Agora, esta taxa chega a 10%, após seis consecutivas elevações.

Com essas medidas, somos o país que mais elevou a sua taxa básica de juros ao longo de 2013 e nos mantemos como o país com a mais elevada taxa real de juros, do mundo. Uma brutal contradição, para um país que, segundo o próprio governo, necessita “acelerar o seu crescimento econômico”. Afinal, o custo do dinheiro não é uma variável fundamental para o maior, ou menor, incentivo a novos investimentos produtivos?

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A Luta Política do Mensalão

Sexta, 29 de novembro de 2013
Por Paulo Passarinho*
Publicado no Correio da Cidadania    
Os últimos lances do processo do mensalão, produzidos pela decisão de Joaquim Barbosa de iniciar a execução das penas contra os réus, causaram fortes reações na sociedade.

A mais importante dessas manifestações de crítica certamente foi o manifesto subscrito por juristas do quilate de Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Melo, assim como por intelectuais e dirigentes sindicais ligados ao Partido dos Trabalhadores.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

E Agora?

Segunda, 1 de julho de 2013
Por Paulo Passarinho*
Definitivamente, as manifestações que tomam conta do país entram para a nossa história. São mobilizações populares de dimensões jamais imaginadas, ocorrendo de forma seguida, crescente e envolvendo um número cada vez maior de cidades.

As manifestações oferecem as mais variadas formas de explicação, para as suas razões. “Mudar o Brasil” é a bandeira que, talvez, melhor sintetize o espírito e ânimo dos que engrossam cada vez mais os protestos.

Mas mudar o Brasil por quê?

Porque há um forte sentimento de frustração com o mundo da política, os políticos e suas instituições. Mostra que o desprezo que esse mundo dispensa ao que é de interesse público tem o seu preço. A apropriação desse mundo pela lógica dos interesses empresariais, privados, coloca o que de fato deveria ser prioritário – o interesse público – como uma questão menor ou meramente retórica.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Procura-se um Candidato

Sexta, 1 de março de 2013 
Por Paulo Passarinho*

Tudo indica, já entramos na fase antecipada da campanha presidencial de 2014. Neste mês de fevereiro, Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina Silva claramente se movimentam com os olhos voltados para outubro do ano que vem.

Mas, há substantivamente alguma novidade a ser destacada no discurso dessas figuras? Esta é uma indagação de difícil resposta, ao menos para a minha limitada visão. Razões para uma nova proposta não faltam. Apesar da propalada e badalada mudança nos rumos do país, nos anos Lula, o que mais assistimos é o mais do mesmo.

domingo, 30 de setembro de 2012

Conclusão do Julgamento do Mensalão pode dar início a uma reconfiguração da luta política no país

Domingo, 30 de setembro de 2012
Escrito por Paulo Passarinho*
Aparentemente, estarei me afastando dos temas relativos aos caminhos da economia brasileira, assunto que me estimula a escrever regularmente artigos que generosamente são publicados por alguns veículos, e especialmente lidos por alguns não menos generosos, e tolerantes, leitores.

Sinto-me obrigado a me posicionar sobre esse rumoroso julgamento do STF, relativo à Ação Penal 470, também conhecido – para o bem ou para o mal, dependendo de cada um – como “mensalão”. E, por incrível que pareça, esse meu sentimento está relacionado, também, às minhas preocupações, e posições, em relação a nossa situação econômica.

Como todos sabemos, ou deveríamos não esquecer, esse caso veio à tona e se transformou em uma verdadeira crise política quando Roberto Jefferson, deputado e presidente do PTB, em 2005, denunciou a suposta existência de um chamado “mensalão” – pagamento em dinheiro a parlamentares – para angariar apoio de deputados federais ao governo Lula e aos seus projetos. Roberto Jefferson não era, então, um adversário de Lula; ao contrário, era naquela ocasião um dos mais destacados defensores e entusiastas do governo presidido pelo ex-metalúrgico.

Depois de um período de silêncio, o próprio Lula veio a público – através de um programa dominical de grande audiência da TV Globo, ao qual foi concedida uma entrevista exclusiva – declarar que os recursos financeiros do esquema denunciado eram “sobras” de campanhas eleitorais, oriundas do caixa dois das mesmas. Na oportunidade, o presidente, visivelmente constrangido, admitia ter sido enganado por pessoas de sua confiança, sem, contudo, nomeá-las.

Algumas das consequências desse caso também são bastante conhecidas. José Dirceu, chefe da Casa Civil e principal articulador do governo, foi afastado do seu cargo e, como deputado federal eleito, voltou à Câmara para se defender das acusações de Roberto Jefferson, que o apontava como o comandante e mentor intelectual de todo o esquema denunciado, ao mesmo tempo em que fazia questão de inocentar Lula de toda e qualquer suspeita de envolvimento com os fatos por ele denunciados.

Na CPMI dos Correios, criada para a investigação do caso, outras denúncias muito graves de crimes eleitorais surgiram. Como, por exemplo, o publicitário malufista Duda Mendonça, que havia sido o marqueteiro de Lula em sua campanha presidencial de 2002, ter admitido que parte do pagamento pelos seus serviços prestados foi realizado em um paraíso fiscal nas Bahamas.

Foi o momento mais tenso do primeiro mandato de Lula, quando setores da oposição chegaram a admitir inclusive a possibilidade da abertura de um processo de impedimento formal do presidente. A ideia não progrediu, até porque vários setores da própria elite dominante deixaram claro que qualquer risco ao mandato presidencial não seria conveniente. Até mesmo duas curiosas visitas, justamente naquele período, foram bastante simbólicas. John Snow, secretário do Tesouro Americano, por aqui apareceu, para uma inesperada reunião com um chamado Grupo Brasil-Estados Unidos para o Crescimento; e o próprio George Bush resolveu fazer uma visita a Lula, com direito a um churrasco de fim de semana na Granja do Torto. Coincidências à parte, o fato é que a ideia do impedimento foi abortada.

Dentro do próprio PT, resistências se esboçaram, com a criação, por exemplo, de um movimento autonomeado Refundação, integrado, dentre outros, pelo atual governador do Rio Grande do Sul e pelo atual ministro da Justiça.

Tudo isso é importante de ser recordado, neste momento em que nos aproximamos do momento mais delicado do julgamento do STF, quando os dirigentes políticos do PT, tendo à frente José Dirceu, terão os seus destinos definidos pelos ministros juízes.

Há uma evidente tensão no ar. Dentro do próprio Plenário do Supremo, os ministros relator e revisor do processo se envolvem em calorosas polêmicas sobre tecnicalidades e procedimentos formais, pertinentes ao julgamento em curso. Setores da imprensa se dividem, entre os já conhecidos PIG (Partido da Imprensa Golpista) e PIL (Partido da Imprensa Lulista), cada qual com os seus poderosos meios de comunicação – TVs, rádios, revistas, jornais e blogs, curiosamente, todos, financiados com as gordas verbas publicitárias do próprio governo.

Foi neste particular contexto que muito me chamou a atenção a Carta Aberta ao Povo Brasileiro, manifesto subscrito por um conjunto de personalidades do mundo artístico, intelectual e da própria política. Alertam para o perigo da transformação do julgamento em espetáculo; afirmam repudiar o linchamento público e defender a presunção da inocência; destacam que a defesa da legalidade é primordial; e finalizam que “confiamos que os Senhores Ministros, membros do Supremo Tribunal Federal, saberão conduzir esse julgamento até o fim sob o crivo do contraditório e à luz suprema da Constituição”.

Afora a assinatura de notórios áulicos dos governos pós-2002, alguns regiamente empregados ou beneficiários de verbas oficiais, existem vários nomes de muito respeito na lista. Intelectuais e militantes sociais que merecem todo o crédito. Particularmente em relação a esses, caberiam algumas perguntas: o que de fato temem? Há algum indício de ilegalidades, ou suspeitas de manobras inconfessáveis, em curso? Serão os ministros do Supremo seres tão frágeis e vulneráveis às pressões inerentes a um julgamento dessa natureza?

Em relação a essa minha última pergunta, parece que o próprio manifesto afasta tal possibilidade, com a platitude da afirmação de que todos confiam nos senhores ministros. Sendo assim, qual é de fato o problema?

Entrando objetivamente na discussão, e de acordo com algumas conclusões já consensuais entre todos os ministros, tudo leva a crer na condenação de réus pelos crimes de corrupção, passiva ou ativa. Há ainda divergências quanto à extensão dos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha ou a compra de votos dos parlamentares. E há os réus que poderão ser simplesmente absolvidos. Todos os juízes, por exemplo, já firmaram posição a favor da tese de que houve a montagem de um esquema de logística financeira fraudulenta, para a transferência de recursos de bancos e empresas às cúpulas dos partidos envolvidos.

Neste contexto, a posição de alguns réus é muito delicada, como é o caso do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Afinal, trata-se de um réu confesso. A sua eventual condenação não parece ser a preocupação maior dos signatários da Carta Aberta. Porém, em torno das responsabilidades de Delúbio, há muitas dúvidas. Seria crível admitir que o ex-tesoureiro agia de forma absolutamente independente, como dirigente do PT? Irrigando o partido com milhões de reais e garantindo que outros dirigentes, como foi o caso do próprio Lula, acertassem acordos políticos eleitorais envolvendo grandes somas de dinheiro, é plausível que ninguém o indagasse sobre a origem de tantos recursos?

Evidentemente, não tenho respostas para essas questões, essência do próprio julgamento em curso. Caberá aos ministros do Supremo, na condição de juízes, essas, e outras, conclusões. Mas, por que então não deixar os membros do STF trabalharem? Se a preocupação é com a não “espetacularização” do julgamento, um manifesto dessa natureza não cumpre justamente um efeito contrário?

No fundo, o que os signatários desse manifesto parecem temer é o próprio avanço de conclusões essenciais para a compreensão de toda a cadeia de comando real do Partido dos Trabalhadores. Cadeia essa que fez com que o partido da transformação brasileira, que era o antigo PT, se transformasse no partido da ordem dos bancos e das multinacionais, no principal partido do status quo, badalado e festejado pela imprensa mundial dominante. Comando político que somente os ingênuos, ou mal intencionados, podem desvinculá-lo dos esquemas de financiamento logístico da sigla.

Por fim, a conclusão desse julgamento poderá dar início à necessária reconfiguração da luta política no país, essencial para a derrota do bloco atualmente dominante e principal fiador do modelo liberal-periférico no Brasil, que nos aprisiona a uma política econômica que precisa ser derrotada. Mas, para tanto, combater ilusões e tergiversações é fundamental.

Leia também:
A alma da propaganda


*Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.

sábado, 18 de agosto de 2012

Kit Felicidade

Sábado, 18 de agosto de 2012
De Rumos do Brasil
Por Paulo Passarinho*
Conforme era esperado, foi anunciado pela presidente Dilma Rousseff um conjunto de novas concessões a serem feitas pelo governo federal, envolvendo rodovias e ferrovias. Dentro de algumas semanas, será a vez de portos e aeroportos serem também concedidos à iniciativa privada.
A presidente não somente evitou a utilização da palavra privatização, como fez questão de destacar que o Estado não está se desfazendo de nenhum patrimônio, para “fazer caixa” ou para abater dívidas. Trata-se de uma explicação que deve ser entendida dentro do universo psíquico do neopetismo, conflitado entre o seu passado de oposição às privatizações e concessões realizadas por FHC e o seu presente, de eficaz gestor do modelo herdado do PSDB e mantido pelos governos de Lula e Dilma. Aliás, Sergio Guerra, o presidente do PSDB, fez questão de divulgar uma nota paga nos jornais da imprensa dominante, elogiando e felicitando Dilma Rousseff pela sua iniciativa e pelo fato da mesma “ter aderido ao programa de privatizações”.

Dilma, por sua vez, preferiu destacar que, no caso das ferrovias, ela está estruturando um modelo “no qual vamos ter o direito de passagem de todos quantos precisarem transportar carga”. Ela se refere a uma importante mudança em relação às anteriores privatizações de ferrovias, que garantem o monopólio de utilização da malha ferroviária aos seus donos privados.
Para atender a esse objetivo, o governo, através da Valec, irá comprar antecipadamente do concessionário da ferrovia toda a capacidade de transporte instalada e irá ofertar o serviço a qualquer interessado, através de oferta pública. Com isso, o chamado risco de demanda dos concessionários desaparece, eliminando qualquer incerteza dessa natureza aos mesmos.
A Valec, para esse tipo de operação, contará com recursos do Tesouro Nacional, que seria compensado com as receitas a serem geradas pela venda dos serviços, embora a estimativa do governo seja que essa atividade venha a ser deficitária, ao menos em um primeiro momento.
Sob o ponto de vista estratégico, esse programa das ferrovias envolve trechos que ligam zonas produtoras agrícolas e de minérios aos portos da costa brasileira. Trata-se, portanto, da expansão da malha ferroviária voltada ao fortalecimento de corredores de exportação de produtos primários, reforçando nossa especialização no fornecimento de matérias-primas aos países mais desenvolvidos e aprofundando nossa dependência subalterna no processo de globalização.
A parte referente às ferrovias envolve a previsão de construção ou modernização de 10 mil km de estradas, com investimentos de R$ 91 bilhões, nos próximos 25 anos. Já a parte referente às rodovias, prevê investimentos de R$ 42 bilhões, destinados a 7,5 mil km de estradas a serem concedidas, com 5,7 mil km previstos para a duplicação de pistas.
Na área das rodovias, o critério de seleção dos vencedores das licitações a serem feitas vai se basear pela oferta da menor tarifa a ser proposta pelos interessados, mas os concessionários somente poderão começar a cobrar pedágios quando tiverem concluído pelo menos 10% das obras previstas em contrato. Assim, o governo quer evitar as críticas em relação às privatizações de rodovias realizadas pelo governo Lula, em 2007, quando a espanhola OHL, por exemplo, vencedora da maior parte das licitações realizadas, embora não cumprindo com as suas responsabilidades contratuais, após seis meses de concessão deu início à cobrança das tarifas de pedágio.
A novidade apresentada pelo governo, e que deve ser avaliada como importante, foi a recriação de um órgão voltado ao planejamento e gerenciamento de projetos integrados de infraestrutura, buscando articular e dar uma dimensão sistêmica aos investimentos a serem realizados nos diversos modais de transporte, incluindo a infraestrutura portuária. É a Empresa de Planejamento em Logística, uma estatal que procura conferir capacidade ao Estado em planejar os investimentos nessa área e que inevitavelmente nos faz recordar das antigas funções do extinto Geipot.
Contudo, podemos afirmar que a essência do planejamento a ser feito por essa futura estatal se enquadra dentro das exigências impostas pela hegemonia política de bancos e transnacionais, voltadas a fortalecer uma integração subalterna do país ao mercado externo, procurando aprofundar nosso papel agro-mineral exportador, dependente da importação de capitais e tecnologia, e refém das decisões de corporações multinacionais, sobre o que produzir e o como fazê-lo.
É esse modelo que explica a propalada incapacidade do próprio Estado alavancar investimentos, tanto na área de infraestrutura, quanto na esfera social. O acelerado processo de abertura do país, combinado com as mudanças constitucionais realizadas nos anos noventa e a fragilização e deterioração das estruturas do Estado brasileiro, nas áreas de planejamento e execução operativa, nos deixa muito vulneráveis.
Além disso, sob o ponto de vista orçamentário, quase 50% do Orçamento Geral da União encontra-se comprometido com o pagamento de despesas financeiras de uma dívida pública que sobe continuamente, apesar das garantias oferecidas aos credores, sob a forma de um superávit primário irresponsável.
Com relação aos recursos financeiros disponíveis, observamos que novamente é o sempre presente BNDES, agora turbinado não somente pelas verbas do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, mas também por injeções de recursos do Tesouro Nacional, que estará financiando, a juros subsidiados, o investimento “privado”, incluindo empresas estrangeiras. Não satisfeito, o governo pretende, também, desonerar a folha de pagamentos à Previdência Social, dos setores de transporte aéreo e de carga, navegação de cabotagem, transporte marítimo, navegação de apoio marítimo e portuário, e manutenção e reparação de aeronaves, motores e componentes.
Porém, o que viabiliza essa verdadeira ditadura do capital e seu pleno domínio político sobre o Estado brasileiro é a mudança de posição política de vários atores, como o próprio PT e a CUT. Com relação a essa central sindical, seus principais dirigentes estiveram reunidos no Palácio do Planalto, no próprio dia do anúncio dessas novas privatizações, com representantes do governo. Ponderando apenas a necessidade de garantias de emprego e salários aos trabalhadores, o presidente da entidade, Vagner Freitas, considerou as medidas anunciadas como positivas.
Em um quadro como esse, e com muito pesar, reconheço que quem melhor definiu a natureza das decisões do governo foi o sempre presente e diligente defensor de seus interesses, Eike Batista. Para ele, o pacote de medidas é um “kit felicidade”. Para ele e os seus.

*Paulo Passarinho é economista, especialista em análise de políticas públicas, coordenou  o extinto grupo de economistas do PT no Rio de Janeiro, entre os anos de 1989 e 1998. Economista e apresentador do Programa Faixa Livre, produz artigos de opinião para diversos portais da internet.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Trajetória Trágica

Sexta, 27 de julho de 2012
"O preço dessa opção, de condenar o Brasil a uma condição subalterna às pressões privatistas e estrangeiras, é alto e grave: mantemos a triste trajetória de renúncia de nossa soberania, autodeterminação e de nossa própria inteligência, por conta da incapacidade e pusilanimidade das elites econômicas e políticas do país."

Este artigo foi publicado originalmente no site "Rumos do Brasil"

Trajetória Trágica

Por Paulo Passarinho*
O atual mês de julho deveria ser encarado por Dilma Rousseff como um marco importante das absurdas limitações que vão se impondo ao seu governo, em decorrência de decisões equivocadas que vêm sendo assumidas, desde o início do seu mandato.

O início da gestão do atual governo foi marcado pelo temor de um propalado recrudescimento inflacionário, que o levou a decidir, através do Banco Central, pela elevação sistemática da taxa Selic, por cinco diferentes vezes consecutivas. O ministro da Fazenda declarava, então, que o seu objetivo era produzir uma desaceleração no ritmo da atividade econômica, como forma de arrefecer a pressão inflacionária que, supostamente, se apresentava como uma perigosa tendência, necessária de ser combatida. Outra preocupação explícita da equipe econômica era com o processo de valorização do real frente ao dólar, especialmente pelos efeitos negativos produzidos nos resultados da balança comercial.

Já a partir da metade do ano passado, contudo, a percepção dos gestores da política econômica havia se alterado: a desaceleração econômica já se fazia sentir de forma mais intensa que o desejável e o agravamento da crise europeia se adicionava às preocupações do governo. As medidas de elevação da taxa de juros acabaram por produzir uma estagnação econômica no terceiro trimestre do ano e as medidas de injeção de liquidez – adotadas pelos bancos centrais americano e europeu – mantiveram em alta os fluxos de capital especulativo para países como o Brasil, contribuindo para a valorização indesejável do real.

Neste contexto, 2012 tem início com Dilma Rousseff preocupada em evitar o pífio crescimento do PIB observado em 2011 (2,7%), abaixo da média do PIB mundial e o mais fraco desempenho entre os países da própria América do Sul. Para o governo, a ideia era procurar assegurar uma expansão do PIB de 4,5%. Com relação ao câmbio, medidas buscando inibir operações de empréstimos e financiamentos entre filiais de multinacionais e suas matrizes ajudaram a diminuir o fluxo de entrada de recursos especulativos no país. Além disso, a saída de recursos de estrangeiros aplicados nas bolsas de valores e mercadorias acabou por produzir uma relativa desvalorização do real.

Entretanto, sob o ponto de vista do ritmo da atividade econômica, os resultados não poderiam ser mais desanimadores. Sucessivas reavaliações foram feitas desde o início do ano, por parte do próprio governo e de instituições ligadas ao chamado mercado, e hoje se torna consenso que, na melhor das hipóteses, a economia deverá crescer em torno de apenas 2%. As várias medidas que têm sido anunciadas, sempre em torno da desoneração fiscal e da concessão de crédito subsidiado a setores empresariais, parecem não mais surtir o efeito esperado. Há incertezas por parte do capital privado para novos investimentos e as respostas na esfera do consumo se mostram tímidas frente ao forte endividamento das famílias, contraído nos últimos anos, mesmo diante da política em curso de redução das taxas de juros.

A grande alternativa que poderia estar ao alcance do governo seria uma guinada nos chamados gastos públicos, tanto em termos de novos investimentos, como no incremento de gastos de custeio, particularmente no atendimento às demandas salariais do funcionalismo. Para tanto, a diminuição das metas de superávit fiscal poderia abrir uma margem de manobra importante ao governo, para a viabilização desses objetivos. Porém, esta é uma medida quase proibitiva, dentro da lógica do governo.

Para o rompimento da verdadeira ditadura fiscal representada pelo superávit primário, de forma consequente e sustentável, haveria a necessidade de uma abrangente mudança no conjunto da política macroeconômica. Mecanismos de controle sobre os fluxos cambiais, maior eficácia fiscalizatória sobre os bancos e uma substantiva mudança no padrão de administração da dívida pública, com uma forte redução nas taxas de juros dos títulos públicos – muito além da redução da taxa Selic – seriam medidas essenciais.

Haveria, particularmente, a necessidade de uma forte atenção com nossas contas externas, fortemente pressionadas pela conta de serviços e pela redução do saldo comercial, ampliando ano após ano o déficit em conta corrente do país. Controlar as remessas de lucros ao exterior e dotar nossas exportações de maior competitividade, através de uma taxa de câmbio desvalorizada, seriam também medidas importantes para uma transição que tivesse como objetivo uma nova realidade econômica, favorável ao capital produtivo, à geração de empregos de qualidade e à ampliação dos gastos públicos.

A maior dificuldade para uma mudança dessa natureza não se encontra na esfera técnica. Os obstáculos são de natureza política. A adoção de uma política econômica alternativa implicaria romper com o pacto de poder hegemônico, construído desde meados dos anos noventa, e que tem nos bancos e multinacionais os seus principais avalistas e beneficiários.

Exigiria, portanto, coragem política para enfrentar os atuais donos do poder.

Mas, ao que tudo indica, o governo Dilma se encontra em uma armadilha ditada pelas suas opções de governabilidade, herdadas do governo Lula. Abrindo mão do papel protagônico que deve guiar o Estado, em um país dominado pelo capital financeiro, o recrudescimento das atuais dificuldades do governo deverá ser respondido com maiores concessões ao capital privado. Mudanças na legislação trabalhista voltam a ganhar destaque e, sob o ponto de vista do investimento, o que se prenuncia é um conjunto de medidas para a entrega à iniciativa privada dos setores de infraestrutura.

Aeroportos, ferrovias, rodovias e portos deverão ser concedidos a operadores privados, inclusive estrangeiros, através de parcerias público-privadas, e onde curiosamente – assim como ocorre desde o início da tragédia das privatizações – o sempre presente BNDES estará atuante, como financiador-mór dessas operações.

Dessa forma, em meio ao agravamento da crise do capital financeiro no mundo mais desenvolvido, em meio à fragilidade do Estado brasileiro frente às suas obrigações constitucionais com o nosso povo – em termos de educação, saúde, habitação popular ou transportes públicos – continuamos a aprofundar o enraizamento dos princípios e políticas ditadas pelo neoliberalismo, para um país periférico.

O preço dessa opção, de condenar o Brasil a uma condição subalterna às pressões privatistas e estrangeiras, é alto e grave: mantemos a triste trajetória de renúncia de nossa soberania, autodeterminação e de nossa própria inteligência, por conta da incapacidade e pusilanimidade das elites econômicas e políticas do país.

*Economista. Especialista em análise de políticas públicas, coordenou  o extinto grupo de economistas do PT no Rio de Janeiro, entre os anos de 1989 e 1998. Economista e apresentador do Programa Faixa Livre, produz artigos de opinião para diversos portais da internet.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Horizonte Sombrio

Quinta, 31 de maio de 2012
De "Rumos do Brasil"

Por Paulo Passarinho
Há pouco tempo, escrevi um artigo (No reino do curto-prazo) destacando a dependência do governo, em seu processo de tomada de decisões, a situações conjunturais de curto-prazo.

Esse é um dos elementos que evidenciam a total subordinação do país a diferentes circunstâncias econômicas, sem que tenhamos um norte estratégico definido. Vivemos, assim, a ausência de um projeto de nação que estabeleça metas e objetivos nacionais a serem atingidos no curto, médio e longo prazos, através de meios e instrumentos factíveis e racionais. Algo que no passado era denominado de planejamento.

Vivemos, na verdade, a realidade de um país que navega nas ondas circunstanciais das pressões de um mercado globalizado e cada vez mais concentrado e altamente competitivo. O Brasil atual (com as suas estruturas de poder) passa a ser, desse modo, um administrador de pressões e interesses que surgem dos pólos mais dinâmicos do atual jogo global, notadamente corporações transnacionais e financeiras.

Frente, por exemplo, à fase da crise do capital que se abre a partir de 2007/2008, e que no momento aponta para o agravamento da situação de crise na Europa, com a possibilidade da Grécia deixar a área do euro, o governo procura se agarrar a qualquer expediente que lhe garanta que a economia brasileira possa ter, agora em 2012, uma taxa de crescimento um pouco maior que o obtido em 2011.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Realidade e Farisaísmo

Segunda, 14 de maio de 2012
De Rumos do Brasil
Proposta para um país melhor

Por Paulo Passarinho*
A atual e aparente queda de braço entre o governo e os bancos deve ser mais bem entendida, antes de qualquer precipitada conclusão, conforme já alertei em artigo anterior.

O último, ou melhor, penúltimo capítulo dessa história foi a anunciada mudança nas regras de remuneração das cadernetas de poupança. O governo apresentou a iniciativa como uma necessidade para a garantia do processo de continuidade de redução da taxa básica de juros, a taxa Selic.

Com a queda da taxa Selic, os fundos de renda fixa – que são lastreados majoritariamente pelo rendimento dos títulos públicos – tenderiam a perder competitividade em relação à remuneração das cadernetas. Os títulos públicos, dentro desse raciocínio, renderiam menos, por conta da redução da taxa Selic, e, por conseqüência, os fundos passariam a pagar menos aos seus aplicadores. Os aplicadores em fundos pagam, também, taxas de administração aos bancos que os gerenciam (em geral, muito elevadas), além da tributação do imposto de renda, o que acabaria por tornar o rendimento da poupança, isento de imposto de renda, mais atrativo do que dos fundos. A cobrança do imposto de renda em relação aos títulos públicos é isenta apenas aos fundos de investimento estrangeiros, o que já é uma aberração.

A fuga de capitais dos fundos para as cadernetas, por sua vez, não interessa ao governo, pois são através dos fundos que os bancos captam recursos que são aplicados, em sua maior parte, em títulos públicos, fundamentais para a rolagem da dívida pública.

Contudo, o mais curioso é que essa versão da história é apenas uma meia verdade. A Campanha Auditoria Cidadã da Dívida Externa, em seu boletim diário de acompanhamento das notícias veiculadas pela mídia dominante, em sua versão do último dia quatro de maio, nos informa que “no dia 3/5/2012, por exemplo, o governo emitiu R$ 1,5 bilhão em títulos, pagando aos rentistas taxa de 10,7% ao ano, taxa esta que somente cai quando o governo reduz drasticamente o prazo de pagamento de tais títulos, conforme se pode ver na tabela da própria Secretaria do Tesouro Nacional”. O citado boletim lembra, também, que “segundo o último dado da Secretaria do Tesouro Nacional, dos R$ 29 bilhões de títulos da dívida interna emitidos em março pelo Tesouro, apenas R$1,8 bilhão foram indexados à Taxa Selic”. Além disso, “apenas 27,52% do estoque da Dívida Interna sob responsabilidade do Tesouro estavam indexados à Selic, com o custo médio da Dívida Interna sob responsabilidade do Tesouro Nacional sendo de 11,47%, bem mais que a Taxa Selic” (vide www.auditoriacidada.org.br)

Em suma: a vinculação da remuneração dos títulos públicos à taxa Selic é hoje uma realidade para menos de 30% dos títulos emitidos pelo Tesouro, e as taxas que vêm sendo oferecidas aos credores da dívida interna mobiliária, nos chamados títulos pré-fixados, excedem à atual taxa Selic, de 9% ao ano.

Em todo o caso, a mudança decretada para o cálculo dos rendimentos das cadernetas somente será aplicada, caso a taxa Selic chegue a 8,5% ao ano ou menos do que isso, nas novas cadernetas abertas ou para os novos depósitos realizados, a partir do dia quatro de maio. Com a Selic fora dessa faixa ou para as contas de cadernetas já existentes, a remuneração continua a ser de 0,5% ao mês, mais a variação da TR – Taxa de Referência, calculada pelo Banco Central.

Com isso, o governo tenta capitalizar a medida, destacando o “respeito aos contratos” e procurando assegurar que os poupadores da caderneta não sairão perdendo.

E para não esquecer o fio da meada do último capítulo dessa história, os analistas do mercado financeiro já voltam a manifestar preocupações com o ritmo da inflação e os seus riscos à estabilidade econômica. A depender dessa turma, as novas regras de remuneração da poupança não terão oportunidade de ser aplicadas, pois, como sabemos, para ela, somente a elevação da taxa Selic é eficaz para se combater eventuais elevações de preços em uma economia.

Nesse aspecto, o grande problema a ser considerado, levando-se em conta que a maioria da clientela desse tipo de aplicação se constitui de pessoas de menor renda, assalariados ou trabalhadores em condições de fazer alguma poupança, é o modelo de economia – e de país – que continuamos a construir, sob a hegemonia dos bancos e das transnacionais.

Com o crescimento do emprego e da renda dos segmentos mais pobres, observado nos últimos anos, há um enorme espaço de propaganda positiva para esse modelo, iniciado nos anos 1990, mas de aparente sucesso apenas no período a partir de 2003. De lá para cá, as raízes do modelo periférico-liberal se aprofundaram. Avançamos nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica, com acentuada perda de soberania em áreas vitais para o planejamento do nosso futuro. A desnacionalização da economia e o grau de concentração dos negócios são gritantes; a deterioração dos serviços públicos essenciais à população é absurda. Privatizações, fraudulentas e perniciosas ao país, não somente não foram revistas, como continuam a avançar. E a desmoralização e descrença da população com o instrumento da política, como ferramenta para um mundo melhor, é evidente.

Contudo, para muitos vivemos uma espécie de aurora de novos tempos.

A população, bombardeada por meios de comunicação de massa que procuram difundir os supostos acertos da política econômica, parece não perceber que as dificuldades do seu dia-a-dia são crescentes. De alguma forma, o acesso aos crediários com altas taxas de juros e a possibilidade de comprar bens de consumo a prestações criou uma espécie de amortecedor contra as evidentes contradições vividas. Os centros comerciais – os shoppings – e suas instalações parecem substituir escolas de qualidade, centros de saúde adequados, transportes decentes.

As lideranças políticas procuram também estimular a ilusão. Recentemente, em solenidade no Rio de Janeiro, onde Lula foi agraciado com o título de doutor honoris causa, por cinco diferentes universidades públicas do estado, o ex-presidente, ao abordar um dos maiores problemas urbanos que temos vivido – a falência dos transportes públicos e as dificuldades de mobilidade nos grandes centros – afirmou que é o sonho de todo trabalhador ter o seu carro próprio, poder passear com sua família e se divertir. Disso ninguém pode discordar. Outra coisa é admitir como plausível, ou inevitável, um modelo de cidade onde o trabalhador gaste quatro, cinco ou seis horas do dia, para o seu deslocamento de casa para o trabalho e do trabalho para a casa.

Ou seja: uma liderança como Lula, político projetado pela esquerda e com origem popular, contundente crítico do modelo dos bancos até a sua chegada à presidência da República, não se constrange em jogar para a platéia e apostar em um nível atrasado de consciência, para poder se manter em evidência.

Nesta mesma solenidade, contudo, as fraturas do falso modelo exitoso de governo, inaugurado a partir de 2003, se mostraram em diversos momentos. Logo no seu início, com a atriz Camila Pitanga cobrando da presidente Dilma o veto ao Código Florestal, recém aprovado pelo Congresso, pela própria base governista. Ou na fala do reitor da UFF, ao reivindicar reajustes salariais para os professores universitários e, também, a destinação de verbas equivalentes a 10% do PIB para o Plano Nacional de Educação. Ou mesmo no patético esforço de Lula para defender e elogiar Sergio Cabral Filho, o corrupto e desmoralizado governador do Rio, além de seu aliado.

A realidade, portanto, teima em se mostrar, mesmo em ocasiões onde o farisaísmo se manifesta e o baixo nível de consciência e responsabilidade com o nosso futuro se mostram sem pudores.

*Paulo Passarinho, economista, especialista em análise de políticas públicas, coordenou  o extinto grupo de economistas do PT no Rio de Janeiro, entre os anos de 1989 e 1998. Economista e apresentador do Programa Faixa Livre, veiculado pela rádio Bandeirante AM 1360, produz artigos de opinião para diversos portais da internet. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Partido dos Trabalhadores

Sexta, 10 de fevereiro de 2012
Por Paulo Passarinho
O Partido dos Trabalhadores completa no dia dez de fevereiro, 32 anos.  Nesse dia, em 1980, no Colégio Sion, em S.Paulo, o Movimento Pró-PT – reunindo os mais diferentes segmentos de trabalhadores, estudantes, intelectuais, comunidades eclesiais de base, lideranças combativas do movimento sindical e militantes de diversas organizações de esquerda, clandestinas, por força da ditadura em vigor – chegava ao seu objetivo de cumprir as exigências impostas pelo regime militar para a criação de um partido político.

No momento mais simbólico daquela histórica tarde, Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa e Sergio Buarque de Holanda entraram de braços dados pelo salão onde se realizava a reunião de fundação formal do PT. Representavam décadas de militância política e intelectual a favor dos trabalhadores, e renovavam as esperanças e expectativas de brasileiros que apostavam na criação de mais um importante instrumento de luta para a emancipação de nosso país e de nosso povo.

Daquela data até os dias de hoje, muita coisa mudou no Brasil e no próprio PT.

Ao longo da década de oitenta, o PT se afirmou como a principal referência partidária junto aos militantes dos movimentos sociais, principalmente dos setores identificados com a Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, igualmente criados naquela década. A partir das eleições municipais de 1988, especialmente com a vitória de Luiza Erundina para a prefeitura de S.Paulo, dentre outras (anteriormente, em 1985, Maria Luiza Fontenelle já havia sido eleita para a prefeitura de Fortaleza), o PT começa a trilhar o delicado caminho de procurar compatibilizar os seus objetivos políticos com os limites da institucionalidade vigente.

Com a derrota de Lula para Collor, nas eleições presidenciais de 1989, e a própria ascensão do projeto neoliberal no país, os movimentos sociais entram em compasso de resistência contra a nova hegemonia que se expressa na sociedade, com conseqüências importantes para a própria construção política do PT.

Abreviando essa trajetória petista, e após o período das contra-reformas da era FHC, o PT que chega ao governo federal em 2003 é completamente diferente do que se poderia imaginar para um partido que se pautava – na sua fase de afirmação – pela defesa de uma nova ética na prática política e de transformações estruturais da economia e da sociedade brasileiras.

Históricas bandeiras políticas do PT – como a reforma agrária, a reforma tributária a favor do mundo do trabalho, a reforma urbana, a revisão das criminosas privatizações de FHC, Itamar e Collor, o controle democrático das estatais ou a mudança do modelo econômico, através de uma nova política macroeconômica – foram abandonadas e substituídas sem cerimônia e em nome do que se denominou de governabilidade.

A justificativa para tamanha metamorfose foi a alegação de que a correlação de forças na sociedade não permitiria mudanças substantivas no plano da política e especialmente na condução da política econômica. A política de alianças que leva Lula à presidência também foi alegada com fator de impedimento, para um programa de governo minimamente reformista e de contraposição às contra-reformas de FHC.

A rigor, a correlação de forças que foi substantivamente alterada se deu dentro do próprio PT. A submissão do conjunto do partido, com honrosas exceções, às opções e preferências de Lula – com seu inegável carisma, popularidade e apelo junto aos mais pobres, que se identificam com a origem do ex-metalúrgico – tornou-se uma regra.

Com relação à política de alianças, eu mesmo ouvi do vice-presidente de Lula, José de Alencar, em encontro no Palácio Jaburú com representantes do Conselho Federal de Economia, durante o primeiro mandato de ambos, que jamais foi consultado – ou mesmo informado de forma antecipada – das razões que levaram a cúpula petista a anunciar, em solo norte-americano, com Lula à frente, a nomeação do executivo financeiro do Bank of Boston, Henrique Meireles, para a presidência do Banco Central.

Outra explicação ou justificativa que também foi alegada, particularmente por setores que ainda têm o capricho de se apresentarem como forças de esquerda que apóiam os governos petistas, é que estes seriam “governos em disputa”. Seja por espantosa ingenuidade ou deslavado oportunismo, a verdade é que se houve alguma disputa, em algum momento que seja, em todas elas a esquerda perdeu. Ou, conforme um amigo sempre lembra, a única disputa relevante que podemos apontar no âmbito do governo Lula foi a disputa entre os grupos Bradesco e Itaú, pela liderança do super-lucrativo mercado bancário brasileiro, mais privilegiado ainda no período pós-2002 do que na era FHC.

Todas essas considerações devem ser lembradas pela razão de, na mesma semana em que o PT comemora mais um ano de sua existência, uma nova e inequívoca prova de sua total e radical guinada para a direita ter sido comprovada. Refiro-me ao início do processo da privatização dos principais e rentáveis aeroportos brasileiros. Serviço público essencial e fator de segurança nacional, a entrega dos principais aeroportos do país à administração privada, e a operação dos mesmos a empresas estrangeiras, escancara de uma vez por todas a natureza política dos governos pós-2002.

Mais patética do que a ação privatista em si, injustificável sob todos os pontos de vista, foi o esforço de dirigentes e líderes petistas procurando contestar qualquer semelhança com as privatizações da era FHC. Alegando que concessões não significam privatizações, essas tristes figuras ainda permitiram que ex-dirigentes tucanos se retirassem do ostracismo político em que se encontram para lhes explicar que serviços públicos, de fato, não podem ser privatizados, como se fossem “uma Vale do Rio Doce”. Por conta de dispositivo constitucional, esses serviços devem ser executados diretamente pelo Estado, ou por concessões a serem feitas à iniciativa privada, através de contratos, e por tempo definido.

Parece que em termos de privatização, os neopetistas têm muito ainda a aprender com os carcomidos tucanos. Da minha parte, o que espero é que aqueles que ainda mantenham um mínimo de coerência, entre os que ainda se considerem de esquerda, e que continuam aprisionados ao PT e aos seus governos, rompam definitivamente com esse partido e com o atual governo.

A esses setores, é importante lembrar que após mais de nove anos de governos comandados pelo PT, as tarefas para a construção de um verdadeiro programa democrático e popular – conforme o ideário do finado e verdadeiro PT – são mais complexas hoje do que em 2002.

O processo de privatização e de abertura de nossa economia aos capitais transnacionais é muito mais intenso e deitou raízes no país de forma muito mais profunda. Temos, portanto, muito mais trabalho pela frente e nossos adversários estão hoje muito mais fortalecidos. A economia brasileira encontra-se muito mais desnacionalizada, o Estado muito mais endividado e os movimentos sociais muito mais debilitados, pela cooptação de suas lideranças.

Chega de ilusões. É chegada a hora de se desfazer de fantasias e mistificações.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Mantendo a Trilha

Quinta, 27 de outubro de 2011
Artigo do site "Rumos do Brasil"

Por Paulo Passarinho
O Banco Central reduziu pela segunda vez consecutiva a taxa básica de juros. A razão da medida é explicada pela piora do chamado cenário externo. Com essa decisão, muitos que defendem o governo Dilma reforçarão os seus argumentos – que têm a sua origem, ainda no governo Lula, no seu segundo mandato – da mudança em curso da política econômica, agora pretensamente com um caráter desenvolvimentista.

A piora do cenário externo é de fato uma realidade. Existem claros indícios da necessidade de uma articulação para se dar início a um processo de reestruturação das dívidas soberanas de alguns dos países mais frágeis da União Européia. É uma necessidade que apenas vai se tornar mais urgente, com os efeitos das políticas de arrocho que a Alemanha, a França e o FMI têm exigido de Estados como a Grécia, Portugal, Espanha e Itália.

As medidas de caráter recessivo impostas a esses países é a contrapartida do que chamam de “ajuda”. A dita ajuda obedece à lógica de – a partir dos empréstimos aprovados para os mesmos – se garantir recursos de curto-prazo para o pagamento de compromissos financeiros dos países em dificuldades, junto a bancos privados. O problema é que a vida continua e a atividade econômica se reduzirá dramaticamente – por força das medidas de arrocho, de corte de gastos e desemprego – com graves efeitos negativos sobre a arrecadação fiscal nesses países. Com isso, os problemas de solvência e de financiamento se agravarão e a urgência de moratórias negociadas irá se impor.

Não sem sentido, mas irônica e curiosamente, os próprios financistas já apontam a outrora criticada Argentina – que impôs aos credores uma reestruturação de sua dívida soberana, na primeira metade da década passada – como um exemplo interessante de “solução” para a crise da dívida de países europeus.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A autonomia do Banco Central

Sexta, 9 de setembro de 2011
Por Paulo Passarinho, em "Rumos do Brasil"
O Banco Central aparentemente surpreendeu e contrariou o mercado financeiro, ao decidir reduzir a taxa Selic em meio ponto percentual. Definida em 12% ao ano, a decisão do Copom – Comitê de Política Monetária – mantém o Brasil, contudo, com a taxa real de juros mais alta do mundo. Esse fato vai continuar a interferir em nossa taxa de câmbio flutuante, ao sabor do mercado especulativo de divisas, que continuará a contar com uma fonte segura de ganhos financeiros, mantendo a pressão cambial que valoriza o Real frente ao dólar.

Faço questão de abordar o comportamento do Banco Central, pois tenho sustentado que o mesmo apenas sanciona decisões que anteriormente são amadurecidas e defendidas pelas instituições financeiras. Desta feita, o roteiro surpreendeu: apesar das manifestas posições dos grandes bancos e corretoras, a favor da manutenção da taxa Selic em 12,5%, houve a decisão em sentido inverso.

Setores da mídia dominante especulam que a posição de Dilma Rousseff, que seria favorável a queda dos juros, foi determinante para a decisão anunciada pelo Banco Central. Esses setores criticam a presidente, pois essa postura de Dilma poderia enfraquecer o que denominam de “autonomia do Banco Central”, essencial para a administração da política monetária.

A rigor, apenas a má fé ou a ignorância sustentam a possibilidade de existir alguma autonomia em decisões dessa natureza. A autonomia de bancos centrais foi uma idéia construída nas duas últimas décadas, principalmente, procurando camuflar a ideologia dominante do capital financeiro, na determinação do nosso futuro econômico. E esse não é um fenômeno restrito ao Brasil. As lições que nos vêm dos EUA e da Europa, mostram que o problema é global.

Não existe autonomia na determinação da política monetária. A política monetária é apenas parte de um todo – a política macroeconômica – envolvendo medidas pertinentes, e – espera-se – lógicas, nas áreas fiscal e cambial. Conforme é de amplo conhecimento, desde janeiro de 1999, o país encontra-se submetido a uma política macroeconômica baseada no tripé câmbio flutuante/ superávit fiscal/ taxa real de juros elevada. Essa “escolha”, desde então, não guarda nenhuma autonomia: essa foi a contrapartida assumida pelo governo de FHC, quando a política inicial do Real faliu, como garantia ao pacote financeiro articulado pelo FMI, para retirar o país da crise cambial de 1998/1999.

Quando nos envolvemos em nova crise cambial, em 2001/2002, novamente o FMI entrou em ação e os compromissos do governo brasileiro junto ao capital financeiro internacional foram renovados. Naquela ocasião, havia uma peculiaridade: estávamos em meio a um processo eleitoral e a possível eleição de um oposicionista aos tucanos elevava a temperatura, as incertezas e a própria especulação. Foi essa a razão que fez com que FHC, em pleno calendário eleitoral, arrancasse o compromisso de Lula, Garotinho e Ciro Gomes – os candidatos de oposição a FHC e ao candidato José Serra – em respeitar o novo acordo estabelecido. Foi a partir desse processo que surgiu a famosa Carta aos Brasileiros, o compromisso de Lula em manter as “regras do jogo”.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Brasil Maior?

Quinta, 1 de setembro de 2011
De Rumos do Brasil

Por Paulo Passarinho 
No último dia dois de agosto, em meio a novos capítulos da crise econômica que afeta de sobremaneira os Estados Unidos e a Europa, o governo Dilma lançou um pacote de medidas rotulado de Plano Brasil Maior.
Trata-se da nova política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o período 2011/2014. Guido Mantega, o ministro da Fazenda, declarou que a iniciativa era uma resposta à concorrência predatória estrangeira. Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, referiu-se ao plano como mecanismo de defesa do mercado interno.

As medidas anunciadas teriam como objetivo elevar a competitividade dos produtos nacionais, através do incentivo à inovação e à agregação de valor à produção brasileira.

Além de várias projeções de elevação dos investimentos fixos, aumento do gasto em pesquisa e desenvolvimento, melhor qualificação dos trabalhadores industriais, e utilização das compras governamentais para incentivo e fortalecimento de fabricantes nacionais das áreas de saúde, defesa, têxtil, confecções, calçados e de tecnologia da informação, o ponto central e mais consistente, em termos objetivos, se volta para medidas de caráter fiscal. O Plano também prevê novas medidas para o setor automotivo, com benefícios voltados para a produção de veículos e autopeças, ainda em discussão, como contrapartida de metas de investimento, transferência de tecnologia, emprego e agregação de valor.

Desoneração tributária do IPI incidente sobre bens de investimento; redução gradual do prazo para devolução dos créditos do PIS-Pasep/Cofins sobre bens de capital; e, principalmente, a desoneração total da folha de pagamento dos setores de confecções, calçados, móveis e softwares são as medidas de maior impacto que podemos destacar.
A desoneração total da folha de pagamentos desses setores será substituída por uma contribuição de 1,5% sobre o faturamento dessas empresas, excetuando-se às do setor de tecnologia de informação, que ficam com uma alíquota de 2,5%. A medida é considerada experimental, vigorando até 2012, quando seria reavaliada. O governo se compromete nesse período a compensar com transferências do Tesouro para a Seguridade Social, os eventuais prejuízos que essa mudança poderá acarretar nos recursos dessa área.
Trata-se na verdade de precedente extremamente perigoso. Mais uma vez, e paradoxalmente aos discursos oficiais e oficiosos que insistem em apontar a existência de um suposto déficit previdenciário, a bondade fiscal ficará por conta dos recursos que deveriam estar sendo destinados para as áreas da saúde, da assistência social e da própria previdência.
Mais grave, ainda, é a própria eficácia das medidas anunciadas, frente aos proclamados objetivos de defesa da indústria nacional, elevação da competitividade dos produtos brasileiros e maior grau de inovação tecnológica de nossa indústria.
O grande problema é que não se pode desvincular esse presente plano dos seus antecessores PITCE –Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, em vigor de 2003 a 2007; e da PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo, entre 2008 e 2010.
Faço esse destaque, pois foi nesse período recente que observamos – apesar de todas as declarações sempre otimistas das nossas autoridades – um forte processo de redução do peso da indústria de transformação no conjunto da produção brasileira e, também, no total das exportações do país. Entre 2002 e 2010, de acordo com o IEDI – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – a participação da indústria de transformação no PIB reduziu-se de 18% para 16%.
Estudo recém concluído do professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da UFRJ, por sua vez, aponta que, entre 2003 e 2010, a substituição de produção nacional por importados, na indústria, foi acentuada, com a tarifa média aplicada sobre importados caindo de 10,9% para 9,2%. Nesse período, o coeficiente de penetração das importações na indústria de transformação é crescente, aumentando de 11% para 16,4%; a participação dos produtos manufaturados no valor total das exportações cai de 56,8% para 45,6%; ao mesmo tempo em que a participação dos produtos básicos se eleva de 25,5% para 38,5%. Nesse estudo (Governo Lula e o Nacional-desenvolvimentismo às Avessas), Reinaldo Gonçalves pondera que esses resultados são influenciados pela explosão dos preços das commodities, nesse período. Contudo, ele mesmo destaca que a participação dos produtos altamente intensivos em tecnologia reduz-se de 13,1% para 8,1%, enquanto que produtos das indústrias de médio-baixa tecnologia aumentam a sua participação de 21,7% para 25,1%.
A grande questão que o governo não admite encarar é que o principal vetor negativo que impacta a nossa indústria é a própria política econômica em vigor, que favorece amplamente as desnacionalização produtiva e a mudança do perfil da nossa indústria, crescentemente montadora de peças e componentes importados.
Frente à incapacidade política do governo em alterar os perversos efeitos que essa política gera sobre a taxa cambial, sobre a taxa de juros e sobre a política fiscal, com a assombrosa e crescente carga de despesas financeiras, mais uma vez medidas paliativas e de resposta emergencial às pressões de alguns setores industriais são anunciadas. São esses efeitos que deveriam ser enfrentados, através de uma nova política econômica, impossível de ser assumida pelo governo, em decorrência de seus compromissos com o modelo econômico defendido por bancos e transnacionais.
Além disso, há uma emergência em curso, como conseqüência dos desdobramentos da crise internacional. Com a paulatina diminuição do saldo comercial do país desde 2007, acentuada a partir de 2008 – ao mesmo tempo em que a conta de serviços, puxada pela remessa de lucros e dividendos, não para de crescer -, a “guerra comercial” já denunciada pelo ministro da Fazenda, poderá fazer com que tenhamos ainda mais dificuldades pela frente.
É nesse sentido que entendemos que frente à concorrência predatória, também denunciada pelo ministro, o governo mais uma vez apele para medidas espúrias de competitividade, que, mais uma vez, muito pouco efeito sistêmico irão produzir.

*Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.