Domingo, 4 de setembro de 2011
Da Agência Brasil
Wellton Máximo - Repórter
O desmantelamento de um esquema ilegal de
superfaturamento de convênios no Ministério do Turismo, no mês passado,
não é um caso isolado e reflete os problemas na relação entre o Poder
Público e as organizações não governamentais (ONGs). Para prevenir
situações como as que motivaram a Operação Voucher da Polícia Federal,
especialistas ouvidos pela Agência Brasil defendem que a escolha das entidades que atuam em parceria com o Poder Público passe a ser feita por meio de edital público.
Segundo os especialistas, a exigência de critérios técnicos para a
realização de convênios, em moldes semelhantes aos das licitações,
reduzirá as irregularidades. A falta de clareza na escolha das entidades
que recebem recursos e a deficiência na fiscalização das prestações de
contas, apontam eles, estimulam a corrupção.
A diretora executiva da Associação Brasileira das Organizações Não
Governamentais (Abong), Vera Marzagão, diz que a seleção deve levar em
conta a história e a capacidade administrativa de cada organização não
governamental. “Entidades que não tenham pelo menos uma página na internet
para publicar a prestação de contas jamais deveriam fechar convênios”,
alega. Ela defende ainda a proibição do uso de emendas parlamentares
para a destinação de dinheiro público para ONGs.
O presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), Henrique
Ziller, também reivindica a elaboração de um marco regulatório para as
ONGs. Além da seleção por edital, ele sugere que a aprovação de
convênios seja limitada à capacidade de fiscalização do governo federal.
“O governo celebra cada vez mais parcerias sem investir na estrutura
para receber e analisar as prestações de contas”, observa. Numa segunda
etapa, Ziller defende o reforço do Tribunal de Contas da União (TCU),
que hoje só atua depois que o órgão responsável pelo convênio identifica
alguma irregularidade.
Atualmente, uma instrução normativa do Tesouro Nacional estabelece
os critérios para a prestação de contas, mas a fiscalização cabe apenas
ao órgão ou ministério responsável pelo convênio. Essa descentralização,
alegam os especialistas, abre brechas para irregularidades à medida que
o acompanhamento dos serviços prestados pelas organizações torna-se
menos transparente e mais sujeito a pressões políticas.
Apesar de ressaltar que o IFC não recebe dinheiro do governo
federal, Ziller não acredita que o repasse de recursos públicos deva ser
proibido. “Não acho que se deva proibir o repasse de recursos públicos
às ONGs. O ideal seria reforçar os mecanismos de controle e torná-los
mais transparentes”, diz Ziller. Segundo ele, o instituto é sustentado
por doações de sindicatos, associações de servidores públicos e de
pessoas físicas.
Sem as reformas necessárias, diz Vera, as ONGs sérias têm a imagem
cada vez mais prejudicada a cada escândalo e sofrem dificuldades
crescentes para captar recursos de empresas e de pessoas físicas. “Não
dá para uma entidade obscura receber R$ 20 milhões de uma emenda
parlamentar, enquanto ONGs com tradição esperam até três anos pela
liberação de recursos”, lamenta.
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Da Agência Brasil
Mais da metade dos repasses federais a ONGs nos últimos 12 anos não foram fiscalizados
Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Beneficiadas por R$ 3,5 bilhões nos cofres federais
apenas no ano passado, as organizações não governamentais (ONGs) contam
com um estímulo para terem o nome envolvido em irregularidades: a
incapacidade de fiscalização pelo Poder Público. Em 2010, 45,7 mil
convênios não tiveram a prestação de contas analisada, num total de R$
21,1 bilhões empenhados (autorizados) e cuja aplicação não teve qualquer
acompanhamento. O valor equivale a 54,9% – mais da metade – dos R$ 38,4
bilhões em convênios fechados desde 1999 entre a União e entidades sem
fins lucrativos.
Os números constam do Relatório das Contas de Governo do Exercício de 2010,
aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em junho com ressalvas.
De acordo com o levantamento, 2.780 entidades deixaram de entregar a
documentação, mas o principal problema ocorre com as organizações que
enviaram os esclarecimentos, mas não tiveram a prestação de contas
verificada. Ao todo, 42.963 convênios estavam nessa situação no fim do
ano passado, num atraso médio de seis anos e dez meses na análise dos
papéis.
Em relação a 2009, o valor das prestações de contas não analisadas,
por falta de encaminhamento dos documentos ou pela demora dos órgãos
concedentes, subiu 12,1%. Na comparação com 2006, a diferença é ainda
maior: 120%. Há cinco anos, o montante dos convênios não fiscalizados
somava R$ 9,58 bilhões.
Se a fiscalização da atuação das entidades sem fins lucrativos leva
tempo, a punição é mais rara. A estatística mais recente, divulgada pela
comissão parlamentar de inquérito (CPI) das ONGs, que começou em 2007 e
só teve o relatório publicado em dezembro do ano passado, apontava que
apenas 2,7% dos convênios firmados entre 1999 e 2006 foram considerados
inadimplentes e tiveram a liberação de recursos suspensa pelo governo
federal. Se forem levados em conta os contratos que chegaram a ser
suspensos, mas tiveram a punição revertida, o total chega a 3,3%.
Auditor do TCU que atuou como técnico da CPI das ONGs, Henrique
Ziller diz que a descentralização e a falta de pessoal para a análise
dos contratos são os principais responsáveis pela ineficiência no
monitoramento das ONGs. “De fato, os órgãos de controle não têm
condições de realizar qualquer trabalho de acompanhamento na enorme
quantidade de convênios com entidades não governamentais”, avalia. No
curto prazo, ele defende a fiscalização por amostragem para diminuir a
impunidade: “Seria uma quantidade muito pequena, mas que seria
fiscalizada e serviria de exemplo”.
Atualmente, a análise das prestações de contas não é centralizada em
um ministério, mas cabe apenas ao órgão federal responsável pelo
convênio. O mesmo ocorre com a escolha das entidades que recebem
recursos públicos. “Essa fragmentação abre caminho para um festival de
favorecimento pessoal, por meio de convênios e parcerias que o Poder
Público não tem estrutura para fiscalizar”, diz Ziller, que também é
presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC).
Diretora executiva da Associação de Organizações Não Governamentais
(Abong), Vera Marzagão diz que, pelo menos no nível federal, esforços
para melhorar a transparência têm sido feitos. Ela cita o Portal da
Transparência (www.portaltransparencia.gov.br) e o Portal dos Convênios (www.convenios.gov.br).
Para Vera, o grande problema está na escolha das entidades que atuam em
parceria com o Estado. “Mecanismos de controle existem até demais. O
que não há é critério para a distribuição dos recursos”, critica.
Criado em 2008, o Portal dos Convênios contém registros de convênios
firmados pela União com estados, municípios e entidades sem fins
lucrativos. No endereço, o cidadão tem acesso aos documentos da
assinatura e ao acompanhamento das ações desenvolvidas. No entanto, a
prestação eletrônica de contas está sendo elaborada há quase três anos. A
demora foi criticada pelo TCU no relatório das contas federais de 2010.
O órgão recomendou que o Ministério do Planejamento, responsável pelo
portal, remaneje analistas de informação para acelerar a conclusão da
ferramenta.