Terça, 3 de janeiro de 2012
Publicado originalmente em O Miraculoso
Por Jorge Antunes*
Ainda hoje
o Ministério da Cultura baseia sua política no Sistema de Informações e
Indicadores Culturais que o IBGE elaborou há 5 anos. O trabalho do IBGE
foi baseado nos fenômenos da prática cultural brasileira no período
2003-2005.

Às
vezes o IBGE inventa novas metodologias para suas pesquisas. Para o
cálculo do PIB, por exemplo, já assistimos mágicas mirabolantes que
deram a impressão de que, da noite para o dia, saltamos pontos acima na
classificação mundial da economia.
Já
há algum tempo o IBGE vem aplicando varinha de condão em seus cálculos.
O Ministério da Cultura tem feito uso de dados esdrúxulos do IBGE para
implementação de sua política cultural. A análise das políticas
culturais do MinC torna evidente seu objetivo: ampliação dos mercados
com vistas à auto-sustentabilidade da prática cultural, para que o
Estado abandone de vez o cumprimento ao preceito constitucional de apoio
à Cultura.
Só
podem ser auto-sustentáveis as práticas culturais de massa em que a
cadeia produtiva se sucede num infindável círculo vicioso de exploração
capitalista, com a hegemonia da mediocridade. A ignorância e a
ingenuidade atraem o capital estrangeiro. É isso que interessa ao
governo. Assim, para a alegria do capital é preciso que sejam extintas
as orquestras sinfônicas, que não se combata o turismo sexual, que se
acabem as temporadas de ópera e que se precarize o ensino superior
gratuito.
Dessa
forma, a arte popular de massas, perpetuando a tradição, e também a
arte medíocre, popularesca e efêmera, encontram o apoio incondicional do
Estado e do empresariado que despeja seus tributos, com isenção fiscal,
na manutenção do status quo. A esses agentes patrocinadores só
interessa patrocinar a produção cultural que atinge, de modo imediato,
um grande público.
A
arte contemporânea de vanguarda e todas as manifestações culturais
transgressoras e de pequeno público não têm o apoio devido. Essa opção
política é danosa para a diversificada cultura brasileira, porque os
eventos artísticos de pequeno público são exatamente aqueles cujas
inovações estéticas são os alicerces da arte do futuro. A história
mostra que obras de arte de pequeno público, feitas por artistas
inovadores, tornaram-se rentáveis algumas décadas depois. A Villa-Lobos
não bastaria o talento: foi preciso o apoio do governo estadonovista
para que, hoje, sua obra pudesse vir a ser a que mais arrecada direitos
autorais para o Brasil.
Para
abalizar sua política, o MinC impõe nova palavra de ordem nos círculos
de artistas: a economia da cultura. Na medida em que são escassos os
grupos de artistas organizados, o Minc organiza-os, induzindo e apoiando
a montagem de feiras, fóruns e câmaras setoriais onde, impositivamente,
o tema é discutido.
Para
vender seu peixe, o MinC se apoia em dados do IBGE dizendo que a
cultura é o quarto item de consumo das famílias brasileiras e que as
atividades culturais já movimentam 7,9% da receita líquida do país.
Quem
se debruça nos documentos do IBGE e, em especial, no Sistema de
Informações de Indicadores Culturais, se dá conta da grande farsa que
vem sendo montada para que, definitivamente, se mediocrize a cultura
brasileira.
Segundo
a mencionada pesquisa do IBGE "as famílias brasileiras gastam em média
com cultura R$ 115,50 por mês, dos quais R$ 50,97 com telefonia, seguida
pela aquisição de eletrodomésticos ligados à área cultural (R$ 17,25) e
atividades de cultura, lazer e festas (R$ 13,82)".
O
grande estelionato estatístico se revela ao estudarmos a metodologia do
IBGE no trato do fenômeno cultural. As atividades econômicas direta e
indiretamente relacionadas à cultura deveriam ser aquelas ligadas aos
costumes, ao lazer e às artes. Assim, os itens deveriam estar ligados ao
livro, ao rádio, ao vestuário, à televisão, ao teatro, à música, às
artes visuais, ao espetáculo, às bibliotecas, aos arquivos, aos museus,
ao patrimônio histórico, etc.
Os
quadros do IBGE bem esclarecem as razões de tão surpreendentes
conclusões. O telefone está lá presente, como item decisivo da economia
da cultura. Só agora compreendo porque é difícil implantar-se a
proibição de telefones celulares nos presídios. Isso certamente
prejudicaria a economia da cultura.
Nas
tabelas do IBGE estão relacionados, como atividades do setor cultural,
outros itens estranhos: computadores, telefones, artefatos para caça,
reparação e aluguel de veículos automotores, pesquisa de ciências
físicas e supervisão de joalheria.
Para
a pesquisa de orçamentos familiares, o IBGE considerou itens também
curiosíssimos: datilografia, casamento, aluguel de cadeira de praia,
curso de primeiros socorros, cópia xerox, taxa de instalação de
interfone e curso de mecânica em refrigeração.
Estranhei
a ausência de um item importante para a economia da cultura: a
fabricação de vidro para janelas de automóveis. Somos inúmeros os
cidadãos brasileiros que usamos a janela de vidro do carro para nos
protegermos dos ataques sonoro-culturais de motoristas. Eu, pelo menos,
aciono imediatamente o vidro de meu carro quando, ao lado, outro carro
toca um som funkiano em último volume.
*Jorge Antunes é maestro, compositor, pesquisador da UnB e do CNPq, e colunista do Jornal O MIRACULOSO