Terça, 3 de dezembro de 2012
De "resistir.info"
por Costas Lapavitsas
entrevistado por Màrius Fort
O senhor considera, como muitos sustentam em diferentes tribunas, que
actualmente os mercados governam a Europa?
Sei que é uma ideia que se escuta muitas vezes ultimamente. Contudo,
não é algo que eu me atrevesse a afirmar. Creio que se trata de
uma generalização demasiado simples. Pois bem, o que gostaria de
dizer a respeito é que o mercado de títulos e as
instituições financeiras alcançaram hoje um enorme poder
na Europa. Não governam, é certo, mas têm sim um poder
enorme, também no resto do mundo. Este poder pode ser entendido de duas
maneiras. Por um lado, estes mercados ditam as políticas
económicas de diferentes países; pelo outro, e é o mais
preocupante, estes mercados estão influindo em quem está e em
quem não está no governo de um país: ministros,
primeiros-ministros, etc. É algo muito preocupante para a democracia e
para o futuro político na Europa.
Ao longo desta crise foram aparecendo diferentes soluções que se
pretendiam definitivas. Agora parece que a corrente de opinião geral
assinala o Banco Central Europeu (BCE). O que opina a respeito?
Desde o início desta crise vamos de generalização em
generalização. Que a Europa sofre falta de
integração fiscal, que a Europa tem líderes
políticos fracos, que a Europa sofre disso, daquilo e daqueloutro. Agora
parece que há outra solução. Pois deixe-me dizer-lhe que o
BCE não é a varinha mágica que vai solucionar a crise na
eurozona.
Por que?
Por duas razões. A primeira, porque o BCE não é um banco
central normal. Nós nos equivocamos se esperamos que se comporte como se
fosse da Reserva Federal dos Estados Unidos ou o Banco da Inglaterra. O BCE
não tem um Estado por trás, os bancos centrais de verdade tem-no.
Por exemplo, se dissessem ao BCE que comprasse livremente títulos do governo não estaria a comprar os títulos do seu próprio estado, que é o que se passa nos Estados Unidos ou no Reino Unido, estaria a comprar o títulos de 17 estados diferentes, e muitos deles estão claramente insolventes. O BCE colocar-se-ia ele próprio numa posição de fraqueza. A segunda razão porque o BCE não é a solução mágica para a crise é porque esta crise, depois de tudo, não é uma crise de liquidez, não é um caso simples de proporcionar suficiente liquidez à Espanha, Itália ou Grécia. Esta crise é estrutural pelas desigualdades na união monetária, pelo facto de que esta união monetária alberga economias que têm níveis de produtividade e de competitividade que são muito diferentes e porque além disse contem economias que divergiram na última década. Essa é a raiz do problema da crise actual. E isto é algo que o BCE não pode resolver. Mesmo que intervenha e pacifique a crise não a resolverá. Não é a solução. A crise precisa de mudanças estruturais, mudanças profundas, e não é o BCE que fazê-las.
Por exemplo, se dissessem ao BCE que comprasse livremente títulos do governo não estaria a comprar os títulos do seu próprio estado, que é o que se passa nos Estados Unidos ou no Reino Unido, estaria a comprar o títulos de 17 estados diferentes, e muitos deles estão claramente insolventes. O BCE colocar-se-ia ele próprio numa posição de fraqueza. A segunda razão porque o BCE não é a solução mágica para a crise é porque esta crise, depois de tudo, não é uma crise de liquidez, não é um caso simples de proporcionar suficiente liquidez à Espanha, Itália ou Grécia. Esta crise é estrutural pelas desigualdades na união monetária, pelo facto de que esta união monetária alberga economias que têm níveis de produtividade e de competitividade que são muito diferentes e porque além disse contem economias que divergiram na última década. Essa é a raiz do problema da crise actual. E isto é algo que o BCE não pode resolver. Mesmo que intervenha e pacifique a crise não a resolverá. Não é a solução. A crise precisa de mudanças estruturais, mudanças profundas, e não é o BCE que fazê-las.
Acredita então que nos encaminhamos definitivamente para uma Europa de
duas velocidades?
Precisamente porque esta crise é tão profunda, porque procede de
causas estruturais, não de liquidez, deverá haver mudanças
estruturais. Doutra maneira, isto é impossível de resolver ou
manejar. É impossível dizer que forma terão estas
mudanças. Uma possibilidade poderia ser que alguns membros da
união monetária europeia saíssem. Outra, que a
união se divida em duas partes que competissem entre si, com taxas de
câmbio flexíveis entre si. Uma terceira opção
é que a união monetária seja rompida definitivamente.
Todos voltariam às suas moedas nacionais anteriores ao euro menos a
Alemanha. Tudo isto são cenários abertos porque a união
monetária hoje é insustentável na sua forma actual.
Não sei o que tem em mente a Alemanha mas certamente estão a
planear algum tipo de mudança estrutural de grande porte pois sabem que
o problema é estrutural.
Que opinião merece a liderança da Alemanha nesta crise?
Minha opinião é que esta crise mostrou de forma muito clara a
natureza da união monetária e da União Europeia. De facto,
mostrou em que se converteram estes intra-estados e instituições
com o tempo. Não importa como começou a união
monetária. O que importa é no que se converteu. E a crise nos
mostrou. Dizia-se que promoviam a identidade europeia, a solidariedade entre as
pessoas da Europa, que proporcionavam bem-estar social, ajudas aos
trabalhadores e aos salários, em definitivo, pretendia-se um ponto de
vista europeu diferente do ponto de vista anglo-saxão liderado pelos
Estados Unidos e, em certa medida, pelo Reino Unido. Muita gente acreditou
nisso. E também pensaram que estes mecanismos estavam concebidos para a
paz, para a democracia e para que existisse uma tolerância social na
Europa. A crise nos mostrou que este não é o caso. Certamente, a
união monetária europeia é um mecanismo que está
orientado principalmente para servir os interesses dos grandes bancos. Isso
é óbvio. Também serve os interesses das grandes empresas
europeias e relacionado com tudo isso, naturalmente, está o facto de
servir os interesses de um núcleo de países determinados em
detrimento dos países periféricos. É uma aliança
hierárquica. Não é uma aliança de iguais. Entre
este núcleo de países está a Alemanha, que se erigiu sem
nuances como o país líder da união. Berlim dita como
hão de ir as coisas e naturalmente faz com que os seus interesses
internos predominem, isso é inevitável. Isto tem sérias
implicações sobre a soberania nacional dos países, que foi
transgredida e reduzida na periferia. Também tem
implicações na democracia, que é o mais preocupante.
Não é só uma questão de mercado, trata-se destes
mercados a interferirem nas democracias dos países.
Num exercício de economia-ficção, como vê a Europa
dentro de uma década?
Se as actuais estratégias dos países do núcleo da
União Europeia, principalmente a Alemanha, tiverem êxito, se
prevalecerem, a Europa não vai estar muito bem. Não dentro de uma
década, muito antes. A Europa será um continente de escasso
crescimento, de elevado desemprego, de grandes tensões sociais, de
democracias cada vez mais débeis, de crescentes relações
hierárquicas de domínio entre nações, que
perderá influência no mundo. Contudo, os países do
núcleo da união, com a Alemanha à frente,
tornar-se-ão muito poderosos, com implicações
imprevisíveis. Isto é o que creio que aconteceria se as elites
alemãs concretizassem os seus planos. Pois bem, contudo, que é
mais provável que o actual sistema não sobreviva, que a
união europeia se rompa em dois núcleos, o núcleo e outras
moedas nacionais. As implicações para a União Europeia
são mais uma vez imprevisíveis. Tudo depende dos acontecimentos
actuais.
O que pensa que acontecerá na Espanha?
A Espanha e a Itália são países meio periféricos,
meio do núcleo. Têm uma posição intermédia.
São mais importantes que a Grécia, Irlanda ou Portugal pelo seu
tamanho. Se as pessoas na Espanha disserem claramente que querem novas
estratégias alternativas às actuais e estão preparadas
para se mobilizarem por isso então as coisas poderiam mudar. Em
alternativa, se aceitarem a austeridade, a lógica europeia, se aceitarem
as políticas que surgem em Berlim, então o futuro para a Espanha
não é muito agradável. A economia da Espanha nos
próximos 20 anos não se apresenta muito bem. Seu êxito
baseou-se nos créditos baratos e na construção. Agora tem
um desemprego elevado e o crescimento da sua produtividade é muito
baixo. A Espanha precisa de um novo começo. Deve lutar por isso. Se
aceitar as políticas que vêm ditadas de Berlim e Bruxelas
não vai mudar nada. Não haverá um novo princípio.
Haverá mais marginalização. Com as políticas
actuais o futuro dos países periféricos não se apresenta
nada bem.
Acredita que aumentará a tensão social nos países mais
afectados pela crise?
Na Europa cada país reagirá de maneira diferente conforme a sua
história, tradições e equilíbrio entre as suas
forças sociais. Há muitos sinais esperançosos que
vêm precisamente da Espanha. Foi o país em que começaram os
indignados. Mostrou que os espanhóis têm a força para poder
dizer "não" a determinadas políticas
[NR*]
. O que é mais notável do meu ponto de vista é que o que
se passou na Espanha, aquela explosão de criatividade, de pensamento
alternativo, passou-se quando a Espanha não estava sob nenhum programa
de resgate da União Europeia ou sob os ditames do Fundo Monetário
Internacional. Creio que sairão muitas coisas interessantes da Espanha
neste sentido de protesto contra as políticas ditadas por Berlim e
Bruxelas. A Europa os observa.
Na Grécia, o partido da extrema-direita LAOS chegou ao governo. Acredita
que nos países em que a situação económica é
mais complicada os partidos extremistas chegarão ao poder?
É um sinal muito preocupante. No caso da Grécia, penso que pode
inclusive desacreditar a extrema direita porque pode ser associada ao programa
de austeridade, mas também que pode ser beneficiada porque estão
no poder e podem mostrar à sociedade que são um partido que pode
estar no poder. É um passo muito perigoso para a Europa. Creio que sim,
que no futuro poderemos ver mais partidos de extrema-direita no poder. A
extrema-direita grega está mais integrada no sistema político
grego e está mais preparada. É certo que a crise representa uma
oportunidade para o auge da extrema-direita. Mas não se pode
generalizar. Não quer dizer que o que se passa na Grécia possa
acontecer em qualquer lado.
22/Novembro/2011
[NR] Esta entrevista é anterior às últimas eleições espanholas, ganhas pelo PP.
O original encontra-se em www.lavanguardia.com/ Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ . |