Segunda, 1º de dezembro de 2014
Ivan Richard – Repórter da Agência Brasil
A
autópsia dos restos mortais do ex-presidente João Goulart, morto há 38
anos no Argentina, não identificou a presença de medicamentos tóxicos ou
veneno que pudessem ter causado a morte de Jango, como era conhecido. O
laudo final da perícia dos restos mortais concluiu que o ex-presidente,
deposto pela ditadura miliar, realmente pode ter sido vítima de um
enfarte, como foi informado à época por autoridades do regime militar,
devido a histórico de cardiopatias.
A negativa da presença de
medicamentos tóxicos ou veneno, no entanto, não significa que Jango não
tenha sido assassinado. De acordo com peritos que participaram das
investigações, as análises foram prejudicadas pela ação do tempo. “Do
ponto de vista científico, as duas possibilidades [morte natural e
envenenamento] se mantêm”, disse o perito cubano Jorge Perez, indicado
pela família Goulart para participar das investigações. Foram
investigadas 700 mil substâncias químicas, de um universo de mais de 5
milhões conhecidas.
“Os resultados podem concluir que as
circunstâncias são compatíveis com morte natural. O enfarte pode ser
compatível, mas a morte pode ter sido causada por outras cardiopatias”,
diz trecho do relatório final das análises. “A negativa [da presença de
veneno] não permite negar que a morte tenha sido causada por
envenenamento” diz outro trecho.
O
filho de Jango, João Vicente Goulart, disse que a família já esperava
que o resultado não fosse conclusivo. Ele reivindicou que o Estado
brasileiro faça o compartilhamento de documentos com outros países e que
cobre o depoimento de agentes americanos que contribuíram com o regime
militar brasileiro.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos,
Ideli Salvatti, ressaltou que o laudo pericial não concluiu as
investigações da causa da morte de Jango. “Um laudo pericial é parte de
um processo de investigação e não uma conclusão em si. Há uma
investigação que está em curso pelo Ministério Público. Já que a morte
de Jango ocorreu na Argentina e como há a suspeita de que ela esteja
relacionada à Operação Condor, o Ministério Público da Argentina também
está analisando o caso”, disse.
Ideli
ressaltou que, apesar de o laudo ser inconclusivo, o processo de
análise por si só é um resgate à memória do ex-presidente. “Apenas em
uma democracia poderemos realizar uma cerimônia como essa. E só com o
compromisso político de resgatar a memória podemos concluir essa etapa
de resgate da figura importante do presidente João Goulart para o país”,
acrescentou a ministra.
A análise dos restos mortais de Jango
teve início no dia 13 de novembro do ano passado e foi feita por
laboratórios do Brasil, da Espanha e de Portugal. O trabalho também foi
acompanhado por peritos da Argentina, do Uruguai e de Cuba,
representantes da Cruz Vermelha, do Ministério Público Federal, além da
família de Jango. O resultado será entregue à família do ex-presidente e
posteriormente à Comissão Nacional da Verdade.
Deposto pelo
regime militar (1964-1985), Jango morreu no exílio, em 6 de dezembro de
1976, na Argentina. O objetivo da exumação é descobrir se ele foi
assassinado. Por imposição do regime militar brasileiro, o corpo de
Goulart foi enterrado em sua cidade natal, São Borja, no Rio Grande do
Sul, sem passar por autópsia. Desde então, existe a suspeita de que a
morte tenha sido articulada por autoridades das ditaduras brasileira,
argentina e uruguaia, em meio à Operação Condor.