Do Blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
...o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?"
(Carlos Drummond
de Andrade)
A
desinformação e a manipulação campeiam na internet, então é importante
tornarmos conhecidas as poucas análises que realmente nos ajudam a
compreender onde pisamos e o que nos espera adiante.
É o
que procuro sempre fazer, pinçando, aqui e ali, os textos jornalísticos
que ainda cumprem a função de tornarem a verdade acessível aos cidadãos,
ao invés de manipulá-los ao sabor de conveniências políticas.
Caso do excelente A música parou. E agora? (clique aqui para ler a íntegra), do veteraníssimo comentarista internacional Clóvis Rossi, cujos principais trechos reproduzo em seguida:
"...[quanto
à América Latina], o sentimento predominante hoje é o de que a festa
acabou ou, pelo menos, entrou em hibernação, até um novo ciclo de
crescimento.
No Financial Times, John Paul Rathbone compara o momento
latino-americano a um ciclista que atinge o pé de uma colina, depois de
longo e fácil trajeto, e vê surgir nova colina.
'Exigirá trabalho duro para chegar ao topo', escreve. Até porque o crescimento, completa, pode se tornar rastejante.
Já se tornou, como mostram os dados divulgados na semana passada pela Cepal.
A previsão para este ano é de um crescimento de apenas 1,1% para os 20
países da América Latina, excluídos, portanto, os 13 do Caribe.
Distância sideral dos 6,2% registrados quando o subcontinente explodiu economicamente, na saída da grande crise de 2008/2009.
Foi o último ano dourado. De lá para cá, o crescimento foi minguando: 4,3% em 2011; 2,7% no ano seguinte; 2,8% em 2013.
Para o ano que vem, a previsão é de 2,2%, o dobro, portanto, do que se
espera de 2014, mas, mesmo assim, um registro inferior ao de todos os
demais anos 10, exceto 2014.
...Em balanço sobre a região, o jornal espanhol El País
diz que 'a América Latina necessita adotar uma agenda audaciosa e crível
de reformas estruturais, focalizada na melhoria da educação, das
infraestruturas e do clima de negócios'.
Seriam, completa, 'as reformas de segunda geração, as reformas 2.0,
longe do viés liberalizante dos anos 90 e adaptadas a economias que
abandonaram os últimos postos em desenvolvimento econômico mas que ainda
estão longe de dar respostas às demandas de sua crescente classe
média'.
De fato, a América Latina chega à metade dos anos 10 em uma situação bem precária nos seus quatro grandes países.
O Brasil é uma ruína ética e tem sistema político claramente
disfuncional; a Argentina voltou ao labirinto da crise; a Venezuela é
uma ruína econômica e institucional; e o México corre o risco de
tornar-se um Estado falido, em que o poder público perde o controle para
o narcotráfico".
O
artigo de Rossi desfaz quaisquer ilusões sobre a nossa situação atual:
estamos no meio do que deverá ser outra década perdida para nosso
subcontinente, sem que sequer possamos antever quando se dará a retomada
do crescimento econômico. Vêm mais pibinhos por aí, com as
consequências previsíveis em países que mal começavam a melhorar,
homeopaticamente, seus indicadores socio-econômicos.
Talvez
os rigores a que todos seremos submetidos causem turbulência em alguns
dos países vizinhos, mas o povo brasileiro, pelo menos até agora, vem
mantendo seu secular conformismo: acaba de reeleger uma presidenta que
já demonstrou cabalmente não estar à altura dos desafios atuais
(precisaríamos de estadista, não de uma gerentona) e, pior, parece ter
perdido até as referências morais.
É simplesmente estarrecedor que, em pesquisa recém divulgada pelo DataFolha,
68% dos consultados tenham considerado Dilma Rousseff parcial ou
totalmente responsável pelo maior escândalo de corrupção de todos os
tempos no Brasil, mas apenas 24% avaliem sua gestão como ruim ou péssima.
Não vou entrar no mérito da correção ou não do juízo que 68% fazem. Apenas, aponto o óbvio: é tamanha a gravidade do petrolão
(o qual, ainda por cima, parece ser apenas a ponta de um iceberg) que,
atribuindo culpa à presidenta, esses 68% teriam, obrigatoriamente, de
repudiar sua gestão. Quase dois terços não o fizeram.
Bem dizia Torquato Neto: aqui é o fim do mundo.