Terça, 9 de dezembro de 2014
Da Tribuna da Imprensa
A celebração do Natal, festa cristã que deveria consagrar a
união amorosa dos indivíduos, serve, antes, para a separação dos mesmos,
mediante a distinção social promovida pelo poder de consumo. Karl Marx ensinou
que o fetichismo da mercadoria
consiste no ocultamento da relação social que passa a ser mediada pelas
mercadorias, e não mais entre seus produtores e indivíduos.
Nos dias atuais, todos os valores religiosos,
sagrados e dogmáticos do Natal são profanados pela ideologia capitalista, e as
artimanhas publicitárias capitaneadas pela sociedade de consumo transformaram a
celebração natalina em um evento dissociado de seu objetivo primordial. A prova
de amor entre os entes queridos consiste em se dar presentes caros. De acordo
com cientistas sociais e pesquisadores “a publicidade recupera todos os valores
para melhor desvalorizá-los e difundir sua ideologia consumista. É uma poluição
pluridimensional, que não tem outra finalidade se não estimular o consumo dos
produtos do sistema industrial, isto é, da matriz de todas as poluições. Nesse
sentido, a publicidade é a poluição das poluições”.A sociedade capitalista é baseada nos signos de
consumo, sucesso pessoal e promessas de felicidade mediante a satisfação do
gozo. As relações pessoais estão longe de serem calcadas somente na
afetividade. Vive-se a era em que o status e os signos das marcas são
combustíveis para a aquisição de um pretenso bem-estar existencial. A
felicidade interior evadiu-se na sociedade de consumo, poucos são capazes de
vivenciá-la plenamente no cotidiano, muitos consideram que o bem-estar efêmero
decorrente da fruição dos bens de consumo é a autêntica felicidade, de modo que
criam, assim, uma confusão fundamental entre as duas experiências. Conforme a
perspicaz análise de Erich Fromm (1900-1980), “a felicidade do homem moderno
consiste na emoção de olhar vitrines e comprar tudo o que lhe é possível, à
vista ou a prazo”. A partir do desenvolvimento do regime capitalista, as
relações interpessoais passam a ser mediadas pelas coisas, ou seja, quem nada
tem nada é; decorre daí todas as distinções sociais provenientes da exaltação
das posses materiais. Passamos a projetar nos objetos qualidades
fantasmagóricas que interferem imediatamente nas relações sociais,
interpondo-se entre os indivíduos, originando-se daí o fenômeno denominado por
Karl Marx (1818-1883) como “fetichismo da mercadoria”. Os objetos adquirem qualidades mágicas que encantam
os sentidos dos consumidores, e todas as relações sociais são mediadas por objetos
de consumo, que se tornam barreiras entre as subjetividades. Assim, o caráter
alienado de um mundo em que as coisas se movem como pessoas, e as pessoas são
dominadas pelas coisas que elas próprias criam. A consciência humana projeta
para o produto uma espécie de energia oculta que se torna seu objeto de culto
sagrado, celebrado nos altares capitalistas das vitrines das lojas.
Consumo: felicidade e angústia
A sociedade de consumo em sua falência ética
considera que a morte de um cidadão é menos importante que as vitrines de uma
loja atacada pelo clamor popular, e empresários cínicos fazem patéticos rituais
fúnebres para os produtos destruídos pela ação revolucionária das multidões,
mas sequer se preocupam com as condições de vida dos miseráveis deserdados
cotidianamente pelo Estado plutocrático, capitalista. Esse mesmo empresário que
condena a luta popular contra a opressão pelo fato de tal revolta prejudicar os
seus interesses pecuniários é o mesmo sujeito que oprime o trabalhador
impondo-lhe jornadas de trabalho exaustivas em nome do cumprimento de índices de
venda exorbitantes, pagando-lhe uma miséria por sua labuta.
Os critérios “morais” da sociedade consumista,
herdeira do tecnicismo industrial, consistem na obrigação incondicional do
indivíduo se apresentar publicamente como alguém plenamente capacitado a
consumir, mesmo que tal ato não resulte na satisfação de uma necessidade
básica, imprescindível para o estabelecimento do bem-estar e saúde individual.
A lógica consumista faz da disposição de adquirir coisas uma necessidade vital,
e o sistema espetacular da propaganda contribui de forma colossal para tal
relação fetichista.
O Papai Noel não vem pra todos, apesar da falácia
publicitária. Inúmeras crianças são frustradas pelo fato de não obterem os
presentes tão desejados. Muitos pais se sentem humilhados e constrangidos por
não conseguirem comprar os presentes dos seus filhos. Sendo assim, são
consumidores falhos que não cumpriram as metas normativas do capitalismo
natalino.
O amor
sagrado sucumbiu diante do poder diabólico das mercadorias encantadas.
Feliz Natal!?