Segunda,
1º de dezembro de 2014
Do
IHU
Instituto
Humanitas Unisinos
Por
Bruno Lima Rocha
"O que a direita
econômica quer - adoraria - seria um insulamento das pastas econômicas, criando
uma verdadeira autarquia vinculada teórica e estrategicamente aos grandes
agentes econômicos, com predileção especial para o capital financeiro",
escreve Bruno LimaRocha, professor de ciência política, relações internacionais e de
jornalismo e que atua como docente na ESPM-Sul, Unisinos e Unifin.
Segundo ele, "no
terceiro turno que está em jogo, a presidenta eleita parece levar mais em conta
as forças cujo representante derrotou do que dialogar com as forças que a
elegeram".
Eis o artigo.
Nesta semana,
verificamos mais conseqüências nefastas do 3º Turno e o mito do governo em
disputa. Como quase sempre ocorre a esquerda cujas urgências nunca couberam nas
urnas da democracia indireta está mais que correta. O manifesto de
intelectuais, militantes, coletivos e indivíduos que se aglutinam em torno das
idéias do portal Carta Maior (24/11/14) expressa uma correta indignação daqueles
que apoiaram a candidatura de Dilma, cerraram fileiras para o apertado 2º turno
e agora se vêem diante do estelionato eleitoral. Em texto publicado no referido
portal e com coleta permanente de assinaturas eletrônicas, quem contesta as
decisões de cúpula conclama as bases de apoio a reeleição de Dilma a
simplesmente forçá-la a cumprir suas promessas e compromissos de campanha! Ao
escrevermos a este respeito pode parecer provocação ou sectarismo, mas quando a
própria esquerda que ainda apóia o governo de coalizão analisa que as
indicações abaixo citadas são uma nítida guinada para a direita é porque
estamos em um campo de luta aberto e deflagrado. Para quem não acredita em
governo em disputa (como é o caso deste analista), entendo que é o momento
oportuno de reivindicar uma nova forma de acumulação de forças, indo além do
constrangimento de quem é petista ainda e tem conduta e trajetória
reivindicável. Selecionei este trecho do texto abaixo do manifesto, pois
entendo ser ilustrativo. O embate está só começando e o 3o turno pelo visto vai
ser uma peleia de longo prazo, até mais dura do que o 2o turno.
No terceiro turno que
está em jogo, a presidenta eleita parece levar mais em conta as forças cujo
representante derrotou do que dialogar com as forças que a elegeram.
Os rumores de
indicação de Joaquim Levy e Kátia Abreu para o Ministério sinalizam uma
regressão da agenda vitoriosa nas urnas. Ambos são conhecidos pela solução
conservadora e excludente do problema fiscal e pela defesa sistemática dos
latifundiários contra o meio ambiente e os direitos de trabalhadores e
comunidades indígenas.
As propostas de
governo foram anunciadas claramente na campanha presidencial e apontaram para a
ampliação dos direitos dos trabalhadores e não para a regressão social. A sociedade
civil não pode ser surpreendida depois das eleições e tem o direito de
participar ativamente na definição dos rumos do governo que elegeu."
A que ser justo com Dilma.
Jamais em momento ela ou Lula ou a coordenação de campanha comprometeram-se com
mecanismos de consulta, mesmo que indireta, para com a sociedade civil
mobilizada para sua reeleição. Na ausência de mecanismos institucionais para
reforçar a soberania popular, a única forma de ser escutado é pela pressão de
ruas, fazendo oposição de esquerda a este mesmo governo que aqueles a assinar o
manifesto ajudaram a eleger.
Mais da chantagem
institucionalizada do PMDB, PP e demais “aliados”
Ao longo das duas
últimas semanas, antes de Dilma colocar Levy e Nelson Barbosa, além da
continuidade de Alexandre Tombini como uma situação de fato, houve um princípio
de rebelião dos “aliados”. A base do governo trabalha a passos lentos enquanto
prepara o cerco por dentro. Os caciques não votaram a alteração da meta de
superávit primário (por duas ocasiões), votação esta que era justamente a
manobra do Planalto para evitar constrangimentos para os novos titulares das
pastas econômicas a assumir. Nas pautas dos jornalões, muito se falou a
respeito disso e, como sempre, faltou alguém problematizar o fantasioso superávit
primário, que opera como certificação de Estado obediente para os especuladores
internacionais. Estamos batendo metas fixadas na quebradeira de 1999 ainda! E
nas semanas que seguem, dá tempo de sobra para a base "governista"
diminuir o espaço de manobra da presidente reeleita. Os titulares da
articulação do 2o governo Dilma, Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Jaques
Wagner, vão aplicar a expertise na interna da esquerda para tentar domar o
apetite voraz da coalizão. Que fim de carreira companheiro.
Dilma, Levy e louca
teoria do governo em "disputa"
O discurso de Joaquim
Levy, ministro da Fazenda do 2o governo de Dilma e indicado pelo Bradesco
quando da recusa de Luiz Carlos Trabuco, outro executivo do conglomerado de
serviços financeiros comandado por Lázaro Brandão, traz elementos de tipo
monetarista e apontariam um retrocesso. Tal afirmação é de Breno Altman, editor
do portal Opera Mundi (boa fonte de política internacional) e para corroborar o
texto que saíra na Carta Maior (em 28/11/14), o especialista em editoria de
Mundo nos aponta alguns dados irrefutáveis.
- de março de 2013 a
outubro de 2014, a Selic pulou de 7,25% para 11,25% ao ano.
- cresceu a renda
financeira das vinte mil famílias que controlam 70% dos títulos da dívida
interna. Mas deterioraram-se as contas públicas: quatro pontos a mais de juros
significam despesa anual extra ao redor de R$ 120 bilhões.
O que fica de dúvida
é até quando os setores petistas que ainda têm algum sistema de crença no
protagonismo popular ou ao menos algum tipo de opção preferencial pela
soberania e o emprego direto, vão seguir com a louca teoria (ou justificativa)
do "governo em disputa"?!
Levy e a vitória de
Pirro da "esquerda"
Agora, para regozijo
da mídia conservadora e seus analistas políticos e econômicos, o governo de
continuidade do lulismo dá as bases para a afirmação de estelionato eleitoral.
O argumento de Merval
Pereira reproduz a mesma afirmativa de Bolívar Lamounier, a da vitória nas
urnas descompassada com a vitória política - ou a falta de legitimidade como
mais importante do que a legalidade do pleito. Vejamos abaixo:
"O que esse
pessoal não quer enxergar, e que Dilma foi obrigada a entender, é que a vitória
eleitoral do PT em outubro não correspondeu a uma vitória política, pois
forjada à base do abuso da máquina pública e mentiras, sejam as divulgadas pela
propaganda eleitoral, ou as espalhadas em diversas formas pelo país para
amedrontar os menos informados." (Blog do Merval, no portal de O Globo, em
28/11/14).
Ou seja, se por um
lado temos traição simbólica de Dilma - porque traição programática temos de
admitir que não foi - de outro, o 3o turno caracteriza um intento de retirada
de legitimidade, a partir da opinião publicada (difundida no caso, distribuída)
e da contestação das direitas (tanto a golpista Udenista como a que aponta Aécio
como o Capriles nacional).
Se por um lado
incomodou aos operadores recrutados para gerir a economia no 2o mandato de Dilma
o modesto manifesto assinado por cerca 4930 pessoas até o final desta análise,
por outro, houve uma sensação de Vitória de Pirro para quem assinou o texto de
reivindicações e viu toda a amarra construída por Lula e Palocci no primeiro
mandato - quando o próprio Levy servira como secretário do Tesouro Nacional -
retornar menos de um mês após a vitória nas urnas.
O que a direita
econômica quer - adoraria - seria um insulamento das pastas econômicas, criando
uma verdadeira autarquia vinculada teórica e estrategicamente aos grandes
agentes econômicos, com predileção especial para o capital financeiro.
Conclusão: Até a
parte lúcida do Financial Times reconhece: a extrema-esquerda européia está
certa quanto a impossibilidade do pagamento da dívida pública odiosa.
Eis o paradoxo. Até o
Financial Times (em artigo de Wolfgang Münchau, em 23/11/14) admitiu que
estamos certos quanto a insensatez da dívida pública. A Globonews,
surpreendentemente (em 25/11/14) deu o perfil da dívida pública brasileira
sendo que esta tem mais de 60% de sua composição de detentores de títulos
brasileiros composta por bancos, fundos de investimento (pânico, os tais hedge
funds!) e, adivinhem, compradores do estrangeiro. Só o Brasil paga 11,25% ao
ano, a média mundial não bate 1 ponto, quando chega a 2 o cassino financeiro
faz festa. Aqui a dívida é o que afunda o investimento público. Ironia do
destino, fica evidente que os ex-militantes reeleitos estão à direita da
consciência dolorida do citado colunista do FT.