Sábado, 13 de agosto de 2016
Do Correio da Cidadania
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por Raphael Sanz
O Rio de Janeiro estava “pronto” para receber os Jogos Olímpicos
quando entrou o mês de agosto. A Lei Geral das Olimpíadas estava
assinada desde 10 de maio pela presidente Dilma Rousseff (dias antes de
seu afastamento), a fim de garantir interesses de patrocinadores e
evitar manifestações políticas como as que aconteceram em 2014 até o dia
de abertura da Copa do Mundo. Até o famigerado “Fora Temer”, contrário à
puxada de tapete que a presidente recebeu no Congresso, ficou proibido
nos primeiros dias de jogos.
A Vila Olímpica fora construída com uma carcaça exuberante, porém,
sem encanamentos, o que gerou repúdio e críticas de várias delegações,
entre elas a da Austrália. Para “resolver o problema”, o prefeito
Eduardo Paes alocou um boneco de canguru, para que os atletas
australianos se “sentissem em casa”.
Nas ruas do centro, da zona sul e da Tijuca, o exército fazia
patrulhamento ostensivo em cada esquina. Camelôs tinham mercadorias
apreendidas arbitrariamente e houve até casos de mortes de trabalhadores
ambulantes por conta da repressão.
Nas comunidades mais carentes relegadas aos espaços dos extremos da
zona norte e da Baixada Fluminense, as ocupações militares e policiais
militares pacificadoras eliminaram pelo menos 2651 seres humanos
“indesejáveis” desde 2009, quando anunciados os Jogos na cidade.
Esses são apenas alguns exemplos da repetição histórica dos
megaeventos em um país que não apresenta vontade política de prover
direitos e garantias básicas a uma população carente de acesso à saúde,
educação, segurança e saneamento.
Os hospitais cariocas, quando não fecharam as portas, separaram
leitos para o evento. As escolas vivem processo de precarização como as
de São Paulo, Goiás e outros estados. A segurança pública é marcada pela
truculência mundialmente conhecida. O governo estadual liderado por
Luis Fernando Pezão chegou a se anunciar “quebrado”, de modo a
justificar cortes em repasses a instituições públicas e estatais, além
de atrasar salários de servidores públicos que faziam uma greve de
considerável alcance enquanto a mídia comercial insuflava a cidadania
mais reacionária e raivosa, marcada por suas fantasias de carnaval
CBF-Nike, a “derrotarem a corrupção”.
Tudo além da diagnosticada carência de saneamento básico, o que
permite a proliferação de epidemias como as de dengue e zyka. No
entanto, a abertura dos Jogos Olímpicos foi maravilhosa, como de fato é
difícil negar.
Horas antes dessa abertura, por volta das 14h da última sexta-feira, 5
de agosto, centenas de pessoas se concentravam na praça Saenz Peña,
próxima ao Maracanã, para denunciar abusos e descasos registrados no
processo de preparação das Olimpíadas. A manifestação saiu da praça por
volta das 16h e seguiu pela rua Conde de Bonfim, com quase um milhar de
pessoas completamente cercadas pelas forças de segurança. Número pequeno
de manifestantes se comparado aos protestos de 2013 e 2014 realizados
no mesmo local em ocasiões semelhantes: Copa das Confederações e Copa do
Mundo, respectivamente.
Após cerca de 20 minutos de caminhada, a manifestação parou na
esquina da Conde de Bonfim com a rua Carmela Dutra, onde recebeu um
bloqueio da cavalaria da PM carioca. Ali houve um incidente. Policiais
militares buscavam prender um manifestante que, por sua vez, buscou
abrigo dentro de um estabelecimento comercial localizado naquela
esquina. Entraram dentro do estabelecimento fazendo jus aos
procedimentos mais condenáveis da corporação e quebrando tudo o que viam
pela frente, inclusive deixando “cacetadas perdidas” em clientes do
estabelecimento que não participavam da manifestação. Minutos depois, em
posse do manifestante, entraram em um camburão, abduzindo-o para alguma
delegacia. Temendo um desfecho ainda mais trágico, a mãe do detido
acompanhou a ação.
A passeata se recompôs e seguiu em frente. Faixas e bandeiras faziam
referência aos “Jogos da Exclusão”, à violência policial e à falência do
Estado. Entre outros assuntos, pedia-se a soltura de Rafael Braga,
morador de rua preso por portar Pinho Sol próximo a uma manifestação em
2013.
Ali estavam algumas organizações como o Comitê Popular das
Olimpíadas, o MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário), a FIP
(Frente Independente Popular) e militantes de partidos de esquerda como o
PSOL e o PSTU. Também os camelôs se faziam presentes exigindo um basta
na repressão que sofrem ao exercerem seu ofício pelas ruas da cidade.
E sob um clima tenso, a marcha chegou ao final da rua Conde de
Bonfim, onde se encontra com a rua São Francisco Xavier e torna-se
Haddock Lobo. Percorreu a Haddock Lobo por mais alguns minutos, até
virar à esquerda na Campos Sales e chegar à praça Afonso Pena, por volta
das 18h, e encerrar-se ali.
Na praça Afonso Pena, a população que a frequenta diariamente estava
presente, crianças brincavam no parquinho, adultos conversavam nos
bancos e uma estátua do lendário músico tijucano Tim Maia recebia os
manifestantes acompanhados pelas forças de segurança.
Alguns manifestantes iam embora do local, enquanto outros se
confraternizavam e distribuíam panfletos com suas pautas e denúncias das
contradições da cidade olímpica. Jovens black blocs realizavam o
controverso ato de queimar bandeiras nacionais e estaduais. E em meio a
tudo a Tropa de Choque se preparava para atacar.
Algumas bombas de gás e balas de borracha foram o suficiente para
dispersar a já encerrada manifestação e esvaziar a praça. Manifestantes
remanescentes, imprensa e mães desesperadas que recolhiam seus filhos e
carrinhos de bebê corriam para a estação de metrô, buscando fugir da
agressão policial. Encontraram o metrô fechado e tiveram de buscar
outros meios de sair dali. Um manifestante gravemente ferido pelas armas
ditas não letais teve de esperar cerca de 1h para a chegada de uma
ambulância.
Em São Paulo, houve uma manifestação com cerca de 200 jovens que se
opunham aos Jogos Olímpicos. Concentrado no vão no MASP, o protesto
caminhou apenas meia hora pela Avenida Paulista e rua Augusta até ser
envelopado pela polícia militar, que levou 105 pessoas presas sem
qualquer acusação. Um relato mais próximo dos fatos em São Paulo pode
ser lido na Ponte Jornalismo, em matéria de Kaique Dalapola.
De toda forma, vemos mais uma vez a história se repetir, através da
imposição de um megaevento tão esportivo quanto corporativo, ao passo
que o poder público faz de tudo para fugir das obrigações básicas diante
da população e trabalhadores. E pobre daquele que contestar, pois a
escalada de repressão e militarização veio para ficar e massacrar. No
Rio Olímpico e no Brasil dos megaeventos é preciso se calar para
continuar incólume.
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Fotos: ROLENACIDADE
Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania