Domingo, 6 de novembro de 2016
Da Tribuna da Imprensa Sindical
José Carlos de Assis
O
ministro Henrique Meirelles mandou para o Congresso uma peça de ficção
de 26 páginas artisticamente encadernadas e com um longo anexo de
perguntas e respostas a fim de justificar a PEC-55 (ex-241). O senador
Roberto Requião demoliu cada vírgula do papelório, assinalando que
qualquer pessoa de bom senso percebe a falácia da proposta já na página
21, sob o título “Como o reequilíbrio das contas ajudará na retomada do
crescimento econômico”.
Vejamos,
uma a uma, cada efeito que Meirelles anuncia em relação à nova PEC. No
total são seis. Trata-se da essência do que o governo espera da
aprovação da medida. É claro que se algum deles não funcionar, mas os
outros funcionarem, teremos um resultado razoável. A economia, todos
sabemos, não é uma ciência exata. Entretanto, que tal se todos os
resultados são a mais acabada falácia, produto exclusivo da imaginação
de Meirelles? Veja-se uma a uma.
1. Primeiro efeito da PEC, segundo Meirelles: “Aumento da confiança”
Nada
mais falso. Não é o reequilíbrio das contas que ajudará na retomada do
crescimento econômico, mas a existência de demanda efetiva na economia,
isto é, o fato de os consumidores terem renda, emprego e disposição para
comprar. O investidor produtivo tem em vista o mercado, não as
intenções do Meirelles ou sua demagogia neoliberal mistificadora. Enfim,
confiança empresarial é efeito do crescimento econômico, não a causa.
2. Segundo efeito: “Retomada do investimento privado.”
Outra
ficção, ligada à primeira. Como eu, investidor, vou investir se a
economia está numa depressão de cerca de 8% acumulados em dois anos, a
taxa de desemprego alcança quase 12% e a renda está em queda? Vou
investir em produção e quem vai comprar? Na verdade, a confiança que se
está construindo é exclusivamente para os especuladores financeiros que
não dependem de demanda de produtos e serviços, mas da disposição do
governo de pagar juros escorchantes sobre a dívida pública, objetivo
último da PEC.
3. Terceiro efeito: “Crescimento econômico.”
Não
há a mais remota possibilidade de algum crescimento econômico resultar
de um regime fiscal de congelamento de gastos correntes e de
investimento. Crescimento econômico, numa situação de depressão como
aquela em que estamos, exige ampliação de gastos fiscais, seja gastos
correntes, seja de investimentos. Essa é a primeira lição de uma
economia estimulada por métodos keynesianos. O efeito de crescimento do
déficit fiscal é imediato, como se reconhece no próprio documento de
Meirelles, só que mascarado por um raciocínio falacioso sobre o aumento
da dívida, que na verdade cai como relação ao PIB.
4. Quarto efeito: “Emprego e renda.”
Outra
absoluta falácia. Emprego e renda são resultantes de uma economia em
crescimento e só aparecem na primeira fase de um processo de expansão
quando devidos a uma política deliberada de gastos públicos
deficitários, nunca do congelamento de despesas fiscais. Já o
crescimento derivado da ampliação de gastos públicos deficitários
contribui para a expansão do emprego e da renda, gerando um círculo
virtuoso de crescimento da economia, e reduzindo a relação dívida/PIB.
5. Quinto efeito: “Mais recursos disponíveis para investimento e consumo.”
É
inteiramente falso. Na medida em que o setor público congela os gastos
orçamentários, é imediatamente reduzida a demanda de bens e serviços do
próprio setor público sobre a economia privada, congelando as
oportunidades de investimento e consumo reais, não financeiros. Se a
economia está em depressão, como é o nosso caso, o setor privado, mesmo
que tenha recursos disponíveis para investimentos – como de fato tem,
aplicados na dívida pública -, não realiza investimentos reais porque
não tem demanda, conforme mencionado.
6. Sexto efeito: “Queda de juros estrutural.”
Esta
é a mãe de todas as falácias. A taxa básica de juros, chamada Selic,
nada deve às forças de mercado ou como o regime fiscal proposto por
Meirelles mas obedece exclusivamente às determinações do Copom, que por
sua vez condiciona as decisões do Banco Central. É o Banco Central, em
última instância, que determina a taxa de juros. E na prática ele
obedece às determinações do mercado financeiro especulativo, comandado
pelo Itaú e Bradesco. Afirmar que a taxa de juros “estrutural” – aliás,
não se sabe o que é isso – vai cair por conta do regime fiscal proposto é
enganar a sociedade brasileira e preservar uma política monetária
criminosa.
Conclusão
Se
as postulações de Meirelles são todas falsas, quais são, afinal, os
objetivos ocultos contidos na PEC-55? Em síntese, trata-se de dar o
passo final na construção do Estado Mínimo, conforme a pressão constante
sobre a economia brasileira exercida pelos formuladores do Consenso de
Washington. Para isso, é fundamental destruir o incipiente estado de bem
estar social que construímos a fim de garantir espaço para a
especulação financeira, o que se constata pela proposição de
congelamento dos direitos sociais previstos na Constituição e o silencia
absoluto em relação a medidas para gravar tributariamente o sistema
financeiro.
Embutido
nessa PEC está igualmente o propósito de reverter o processo de
industrialização brasileira de forma a nos tornar uma economia
exclusivamente agro-exportadora, com o mínimo de mão de obra e salários
relativamente mais baixos, e com fraca contribuição ao mercado interno
que, de outra parte, se considerará dispensável tendo em vista a forte
concentração de terras (inclusive em mãos estrangeiras) e produção a ser
exportada. A manipulação financeira, ao final, há de coroar, no modelo
Meirelles, a desestruturação da indústria como conseqüência de uma
política cambial assassina da produção interna.
*No
dia 3/12, realizou-se em Brasília um seminário sobre a 55/241, com
participação de professores e estudantes universitários, sindicalistas e
movimentos sociais, cujos resultados serão levados ao Senado na próxima
semana. A íntegra das conclusões será publicada aqui.