Manifestantes protestaram diante do Congresso Nacional, em Brasília
Por Ruan Arias — El País /Blog do Sombra /Foto: Fabio Pozzebom, da Agência Brasil
O caráter pacífico e até festivo
das manifestações não impediu que as mensagens enviadas para a classe política
fossem duras como pedras.
Em meio à dureza dos slogans
contra políticos em protestos públicos realizados em muitas cidades do Brasil,
destaca-se o de um adolescente, de São Paulo, que dizia: "Eu quero um
Brasil limpo para todos".
Ele resumiu, com ternura, o que o
Brasil exige neste momento da classe política: uma luta inequívoca contra a
corrupção.
O caráter pacífico e até festivo
das manifestações não impediu que as mensagens enviadas para a classe política
fossem duras como pedras.
Nos últimos dias, o Congresso
aprovou, desfigurando, de madrugada e de surpresa, a lei popular contra a
corrupção que a sociedade tinha confirmado com mais de 2 milhões de
assinaturas.
Era a isso que se referia o cartaz
nas mãos de uma jovem em São Paulo, escrito à mão: "Enquanto o Brasil
chorava, eles riam de nós". O Brasil estava de luto naquele dia devido à
tragédia dos jogadores de futebol da Chapecoense, mortos no acidente de avião.
Mensagens criativas e simbólicas.
Em Brasília, às portas do Congresso, foi colocado um caixão preto, sobre uma
bandeira gigante do Brasil. Sobre ele estava escrito: "Corrupção".
O gesto pode ter várias leituras,
como a de que a corrupção estava matando o Brasil, ou a de que o país a
condenara e, com ela, os políticos que a apoiavam nas sombras do poder.
Em Goiás, em ritual também de alta
voltagem simbólica, os manifestantes foram colocando, em um cesto de lixo, as
fotografias dos políticos acusados de corrupção.
Se eram duras as palavras
escritas, não eram menos as pronunciadas pelos microfones — houve quem gritasse
“canalhas, canalhas” — referindo-se sempre aos políticos corruptos.
Poucos apostavam que uma
manifestação contra algo tão abstrato como a corrupção pudesse arrastar
novamente muitas pessoas para a rua. Alguém chegou a ironizar: "Por que
não fazer uma manifestação pedindo que ‘as pessoas se amem’?”
As famílias saíram com seus
filhos, alguns com carrinhos de bebê, outros de muletas ou de cadeiras de rodas
e os jovens com seus skates. Muitos jovens.
De longe até poderia parecer uma
festa. De perto, senti a força da indignação que reina no país contra a classe
política.
Os personagens excomungados, como
em manifestações anteriores, mudaram de nome. Em vez de "Fora Dilma",
"Fora Lula" ou "Fora PT", desta vez os cartazes pediam a
saída dos personagens do novo governo, como o presidente do Senado, Renan
Calheiros; Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, e até mesmo
"Fora Temer", o novo presidente da República.
Um único personagem, convertido em
herói nacional, resistiu firme em todas as manifestações no apreço que recebe
da sociedade: o juiz Moro, artífice da Lava Jato. "Somos todos Sergio
Moro", "Somos todos Lava Jato", foram, sem dúvida, os cartazes
mais numerosos.
"Demorou, mas o Brasil acordou,"
gritou alguém do alto de um dos trios elétricos, no Rio de Janeiro.
E esse despertar contra a
corrupção é o que representa a maior esperança de um Brasil sobre o qual o
falecido escritor João Ubaldo Ribeiro, dotado de grande senso de humor, dizia
que "o sonho de todos os brasileiros é ter um corrupto na família",
que lhes resolvesse todos os problemas.
Hoje, o Brasil, apenas quatro anos
mais tarde, é outro: mais acordado, mais consciente da difícil situação
enfrentada pelo país e mais preocupado com o futuro de seus jovens, os mais
atingidos pelo desemprego.
Enquanto a televisão informava
sobre as manifestações, interrompeu para anunciar a morte de Ferreira Gullar, o
maior poeta brasileiro de tempos modernos, que dizia que "a arte existe
porque a vida não basta".
A demonstração de criatividade
festiva, que foi vista em manifestações pacíficas contra a corrupção, revela
que o Brasil não perdeu, apesar de todos os sofrimentos, sua alegria de viver.