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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Janot não atenderá Temer, porque é impossível evitar o vazamento das delações…

Terça, 20 de dezembro de 2016
Da Tribuna da Internet
Carlos Newton 
Por esse ângulo, a foto mostra 13 pessoas assistindo à sessão

A carta que o presidente Michel Temer enviou segunda-feira passada (dia 12) ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, redigida e assinada também pela ministra Grace Mendonça, advogado-geral da União, foi um tiro pela culatra, como se dizia antigamente. Na surpreendente missiva, a dupla Temer/Grace pede que seja anulada a delação de Cláudio Melo Filho, ex-diretor da Odebrecht, em função do vazamento de suas revelações.

REAÇÃO CONTRÁRIA – O procurador Janot recebeu a carta, não fez nenhum comentário, mas quatro dias depois anunciou que fará exatamente o contrário do que lhe pedido, pois vai requerer ao Supremo o fim do sigilo das delações realizadas pelos executivos da Odebrecht. A decisão de pedir a quebra do sigilo foi comunicada a parlamentares da bancada do Espírito Santo, em reunião realizada na Procuradoria na última quinta-feira (dia 15).


Quatro dias depois, nesta segunda-feira (dia 19), Janot já mostraria serviço, ao encaminhar ao Supremo uma van carregada com vídeos e transcrições dos depoimentos dos 77 executivos da Odebrecht, além dos importantes documentos por eles anexados.

Como se vê, Temer/Grace pediram celeridade e o procurador-geral os atendeu +de imediato. No entanto, quanto a anular a delação da Odebrecht que cita Temer e outros caciques, nem pensar…

TEMER DEU MANCADA – Janot tem bons motivos para não atender ao pedido da carta, cujo teor o Planalto divulgou estrepitosamente, na inútil tentativa de provocar um fato a ser consumado – a nulidade da delação do ex-diretor Cláudio Melo Filho.
A carta foi redigida pela equipe da AGU, em clima de alta irresponsabilidade. Pelo simples fato de ser professor de Direito Constitucional, Temer jamais deveria tê-la assinado, porque o texto contém flagrantes equívocos jurídicos, já criticados aqui na “Tribuna da Internet” pelo jurista Jorge Béja, com absoluta exclusividade, no dia seguinte à divulgação dessa inusitada missiva presidencial/ministerial, que teve tratamento de “carta-aberta” pela Secretaria de Comunicação Social do Planalto.

CITAÇÃO ERRADA – Nessa carta a Janot, a dupla Temer/Grace citou genericamente a Lei 12.850, de 2013, sem mencionar os dispositivos invocados, para afirmar o seguinte: “Num clima de desconfiança, geradora de incerteza, o mister constitucional da União se vê seriamente obstruído. Daí a importância de se observarem todos os preceitos insertos na Lei n. 12.850, de 2013 (lei da delação premiada). Não por outra razão, em situação análoga, Vossa Excelência suspendeu tratativas de colaboração premiada em prol da higidez do procedimento legal.”

Obviamente, Temer/Grace se referiam ao que aconteceu ao empresário Léo Pinheiro, da OAS. Mas acontece que a delação premiada dele não foi suspensa por causa da Lei 12.850, que nem prevê que isso ocorra. O ministro Teori Zavascki só mandou suspender a delação porque o vazamento envolveu um ministro do Supremo (no caso, Dias Toffoli), que tem foro privilegiado.

VAZAMENTO GARANTIDO – O fato concreto, que precisa ser considerado por Janot, Temer, Grace, Zavascki & Companhia, é que não é possível evitar que os depoimentos sejam vazados, porque essas audiências de réus sem foro privilegiado são públicas.
Para saber se é possível conter vazamento, basta conferir a foto de um dos depoimentos de Marcelo Odebrecht. A sala é enorme. No ângulo da fotografia acima, aparecem 11 pessoas assistindo, e mais duas estão encobertas pela cabeça do depoente. Com o cinegrafista que filma a sessão e o operador que grava o áudio, passar a ser 15 pessoas. Mas deve haver, do outro lado da cena, mais uns dez participantes, perfazendo pelo menos 25 testemunhas do depoimento, que facilmente podem ter gravado usando seus celulares. Diante dessa realidade, como pretender que não exista vazamento?

NA SALA-COFRE – Todos os vídeos, as transcrições e os documentos estão hoje guardados numa sala cofre do Supremo, à qual somente têm acesso a presidente do Tribunal, Cármen Lúcia, o ministro Teori Zavascki e sua equipe, integrada por dois juízes assessores e mais de dez assessores.

Tudo isso demonstra que, comprovadamente, cerca de 40 pessoas têm ou tiveram acesso a esse material supostamente sigiloso. Portanto, como as autoridades podem ser tão imbecis a ponto de imaginar que alguém possa evitar que ocorra vazamento? Pelo jeito, deve se tratar de pegadinha ou mais uma candidatura à Piada do Ano, na reta final do concurso. Mas não tem a menor graça.