Quinta, 8 de dezembro de 2016
Do Correio da Cidadania
www.correiocidadania.com.br
Escrito por Gabriel Brito e Raphael Sanz, da Redação
Após mais um domingo de manifestações tingidas de verde e amarelo,
sob o mote de combate à corrupção, o Brasil vive autêntica balbúrdia, em
uma semana que ficará marcada pelo desacato à decisão do STF de tirar
Renan Calheiros da presidência no Senado, seguida de decisão que o
mantém, ainda que proibido de constar da linha sucessória presidencial.
Sobre esses temas, e os projetos que o governo tenta aprovar, o Correio
da Cidadania conversou com o deputado federal Ivan Valente, um dos
responsáveis pelo veto à anistia ao caixa 2, na semana passada.
“Esse caso é um retrato profundo da crise institucional vivida no
país. O STF pode afastá-lo definitivamente. E, sem dúvida, Renan é
figura marcada para morrer politicamente. Agora, Temer tenta influir na
decisão do Supremo, para não deixar de votar a PEC 55, mantendo por isso
Renan na Presidência e com ele a podridão deste governo”, afirmou.
Sobre a corrupção, Ivan lamenta o afastamento da esquerda de uma
pauta tradicionalmente importante para suas fileiras e destaca a
importância de associar projetos como a Reforma da Previdência e a PEC
do Teto de Gastos à corrupção e cultura de privilégios aos grandes
sócios dos grupos políticos dominantes.
“Estão no poder para desmontar o Estado Brasileiro em nome do mercado
financeiro. As suas principais medidas visam institucionalizar o ajuste
fiscal. A PEC 55 (do teto dos gastos), a reforma da previdência, a
reforma trabalhista, o enxugamento do papel do Estado como indutor da
democracia, a entrega do patrimônio nacional”, enumerou.
A entrevista completa pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como você avalia as manifestações de domingo contra um pacote anticorrupção votado no Congresso?
Ivan Valente: A manifestação de domingo em favor do
pacote anticorrupção foi muito contraditória. Por um lado, grupos de
direita e extrema-direita convocaram o ato para denunciar a corrupção
somente de alguns. Optaram por blindar o governo Temer, profundamente
chafurdado na lama da corrupção. Isso demonstra uma grande incoerência.
Muitas manifestações de ódio e intolerância foram vistas, inclusive o
pedido de intervenção militar – algo assombroso.
Por outro lado, muitas pessoas realmente interessadas no combate à
corrupção foram levadas às ruas. Passaram a defender intransigentemente o
pacote de medidas apresentado pelo MP. Esse sentimento é legítimo,
embora muitas vezes venha sendo canalizado para um radicalismo estéril
capaz de aceitar violações ao Estado Democrático e de Direito.
O PSOL tem sido vanguarda na luta contra a corrupção como no caso
Cunha, na anistia ao caixa 2 e tentativas de impedir investigações. Mas
não cederá a medidas arbitrárias e autoritárias que eliminem o direito
da defesa e a justa produção de provas contra os acusados. Além disso, é
preciso ir às ruas contra a retirada de diretos, como na PEC 55 e na
Reforma da Previdência, e associá-la à corrupção sistêmica no Brasil.
Correio da Cidadania: Acredita que a Operação Lava Jato está prestes a ser estancada?
Ivan Valente: Não podemos dizer isso. A operação foi
longe demais para parar de repente. Muitos políticos dos grandes
partidos estão assustados com o potencial aterrador das investigações.
Não à toa, buscaram anistiar o caixa dois, tentativa que foi frustrada
pelo PSOL e outros parlamentares. Ao mesmo tempo, temos visto um viés
seletivo da Lava Jato, que concentra atrações em alguns e alivia para
outros. Ainda há muita água para rolar e esperamos que todos os
envolvidos em esquemas criminosos sejam responsabilizados pelos seus
atos, sem nenhum tipo de seletividade ou parcialidade.
Partidos como o PSDB, o PMDB e base aliada que sustenta o governo
Temer não podem ser protegidos. Esperamos, e o povo também, que a
operação vá fundo nesta direção para não ser desmoralizada e acusada de
proteger quem quer que seja.
Correio da Cidadania: Como avalia a saída de Renan Calheiros
da presidência do Senado em meio a este contexto, para depois voltar em
manobra que o mantém no posto, mas o tira da linha sucessória
presidencial?
Ivan Valente: Esse caso é um retrato profundo da
crise institucional vivida no país, crise esta que é um desenrolar do
golpe institucional que levou Michel Temer ilegalmente ao Planalto. Não
temos como afirmar qual será o seu resultado. Renan Calheiros não
aceitou a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio de afastá-lo.
O STF pode afastá-lo definitivamente. E, sem dúvida, Renan é figura
marcada para morrer politicamente. Agora, Temer tenta influir na decisão
do Supremo, para não deixar de votar a PEC 55, mantendo por isso Renan
na Presidência e com ele a podridão deste governo.
Correio da Cidadania: Acredita que as esquerdas perderam o rumo da pauta da corrupção?
Ivan Valente: A esquerda sempre vestiu a camisa do
combate à corrupção. A ética para nós não é uma virtude, mas, sim, uma
obrigação. O PT, infelizmente, ao aceitar a lógica do presidencialismo
de coalizão, reproduziu mecanismos corruptos para a manutenção do poder.
A direita aproveitou para associar a corrupção cometida por membros do
PT a toda a esquerda, algo que teve consequências terríveis.
Nosso papel é politizar o debate e esclarecer a raiz da corrupção,
que durante décadas teve no financiamento privado de campanha sua base.
Para além disso, precisamos de uma reforma política que restitua a
democracia, conceda poder real à população e impeça a influência
deletéria do poder econômico nos rumos do Estado. Esse esforço faz parte
da reconstrução da própria esquerda.
Correio da Cidadania: O que você pode falar da atuação do Congresso nos últimos meses, dentro deste contexto?
Ivan Valente: A votação do impeachment mostrou como o
Congresso está distante dos anseios do povo. O conservadorismo tem dado
a tônica dos debates e decisões que Câmara e Senado assumem. Medidas
altamente impopulares como a PEC do teto dos gastos e a reforma da
previdência estão em tramitação. Por essas e por muitas outras,
percebe-se uma crise enorme de representatividade.
Correio da Cidadania: Considerando que Michel Temer virou
presidente em abril, que avaliação você faz desses 7 meses de sua
presidência e suas tentativas de tirar o país da crise?
Ivan Valente: O governo Temer é ilegal, ilegítimo e
golpista. Estão no poder para desmontar o Estado Brasileiro em nome do
mercado financeiro. As suas principais medidas visam institucionalizar o
ajuste fiscal. A PEC 55 (do teto dos gastos), a reforma da previdência,
a reforma trabalhista, o enxugamento do papel do Estado como indutor da
democracia, a entrega do patrimônio nacional, especialmente o petróleo,
pautam os interesses dos golpistas. Além do aspecto econômico, existe o
político. Eles querem fazer com que a democracia brasileira seja cada
vez mais de menor intensidade e para impor esta agenda atacam toda a
esquerda e os defensores da democracia. Por essas razões, não
reconhecemos esse desgoverno de Michel Temer.
Leia também:
Gabriel Brito e Raphael Sanz são jornalistas do Correio da Cidadania.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania