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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 15 de março de 2018

Negra, favelada e feminista: quem é a vereadora do PSOL morta no RJ

Quinta, 15 de março de 2018

Militante dos direitos humanos, Marielle Franco foi a quinta vereadora mais votada do Rio; relatora da Comissão da Intervenção na Câmara, ela denunciava violência policial




Foto: Arquivo pessoal
Da Ponte — Direitos Humanos, Justiça, Segurança Pública
Por Leonardo Coelho e Maria Teresa Cruz
A vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Pedro Gomes foram assassinados a tiros na noite desta quarta-feira (15/3), no Estácio, no centro do Rio de Janeiro.  Marielle tinha saído do evento “Jovens negras movendo a estrutura” e quando estava passando perto da prefeitura, um carro emparelhou com o veículo, atirou inúmeras vezes e acelerou em fuga. Uma assessora de imprensa que estava no carro se feriu sem gravidade. No vidro do banco de trás do carro, onde estava Marielle, é possível ver marcas de muitos disparos.  A polícia do Rio de Janeiro ainda investiga o caso, mas trabalha com a hipótese de execução. A polícia identificou pelo menos 9 tiros na lataria e vidros do carro. A assessora da vereadora, que sobreviveu ao ataque, é única testemunha e prestou depoimento nesta madrugada na Delegacia de Homicídios do RJ.
O deputado pelo PSOL, Marcelo Freixo, esteve no local do crime e, abalado, afirmou que acredita em execução. “A gente tem que esperar as apurações, mas diante da cena e dos fatos, é o que está parecendo [que foi execução]”.
foto: divulgação

O caso repercutiu imediatamente porque Marielle, além de figura pública, tem tido grande participação no acompanhamento da intervenção federal, através de uma comissão na Câmara dos Vereadores, e tem um histórico de denunciar violência policial, especialmente nas favelas do Rio. No último sábado (10/3), por exemplo, Marielle fez duras críticas à atuação da PM em Acari, onde, durante uma operação nas primeiras horas da manhã, policiais atiraram a esmo, revistaram casas sem mandado e fotografaram moradores. A Ponte mostrou que ativistas e moradores de Acari que têm denunciado os abusos do 41º batalhão, assim como fez Marielle, estão sofrendo ameaças.
Socióloga de formação, Marielle Franco, de 38 anos, era moradora da Maré e foi eleita para vereadora com cerca de 46 mil votos. Seu perfil era inédito para a vaga, ainda mais levando em conta que, segundo o Ibope e o Instituto Patrícia Galvão, em 2013, o Brasil ocupava o 121° lugar no ranking mundial que mede a participação política das mulheres. Presente em rodas de conversas na área de direitos humanos de uma forma geral, tinha grande ascendência entre mulheres mães – por ser uma – e no movimento feminista negro. Marielle ingressou na universidade através do cursinho comunitário da Maré, graduou-se em sociologia pela PUC-RJ e seguiu os estudos, tendo seu trabalho de mestrado o seguinte tema: “UPP – a redução da favela em três letras”.
Além de denunciar a violência em Acari, Marielle protestou no início desta semana, também nas redes sociais, por causa de outra morte, a de Matheus Melo de Castro, de 23 anos, no Jacarezinho. No evento que participou nesta quarta-feira, horas antes de ser executada, Marielle falou de ancestralidade e, em determinado momento, ao responder uma pergunta, voltou a falar da violência policial em favelas no Rio de Janeiro.



Foto: arquivo pessoal

A Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência afirmou, em postagem nas redes sociais, que Marielle nasceu no conjunto de favelas da Maré e desde muito cedo se engajou nas lutas das comunidades locais e de outras da cidade na luta contra o extermínio da população pobre e negra. “Sua luta a levou a atuar na Comissão de Direitos Humanos da Alerj, onde lidava diariamente com violações de direitos humanos provocadas por forças estatais ou não. Recentemente, Marielle denunciou a atuação do 41° Batalhão em Acari, que levou a morte de moradores.Até quando a barbárie retirará de nós militantes e defensores dos direitos humanos como a Marielle? Qual é o limite que ainda precisamos ultrapassar para dar um basta nisso?”, diz o texto.



Em campanha contra o assédio no último carnaval | Foto: arquivo pessoal

O partido do qual fazia parte, o PSOL, manifestou pesar diante do assassinato e, em nota, disse estar “ao lado dos familiares, amigos, assessores e dirigentes partidários do PSOL/RJ nesse momento de dor e indignação. A atuação de Marielle como vereadora e ativista dos direitos humanos orgulha toda a militância do PSOL e será honrada na continuidade de sua luta. Exigimos apuração imediata e rigorosa desse crime hediondo. Não nos calaremos!”. Além disso, o partido convocou um ato para esta quinta-feira (15/3), às 11h, na Câmara dos Deputados.
Até o início desta quinta-feira, no Facebook, grupos de vários locais do país marcavam protestos pedindo justiça no caso Marielle. Em São Paulo o ato deve acontecer na Avenida Paulista, a partir das 17h. Em Minas Gerais, Belo Horizonte e Juiz de Fora receberão protestos. Em Natal, Brasília e Florianópolis também há previsão de atos de repúdio à mortes. Nas redes sociais, a hashtag #JustiçaParaMarielle e #Mariellepresente estão circulando desde a noite de ontem. Nesta manhã, “Marielle Franco” é o nome mais citado nos chamados trending topics do Twitter Brasil.
Ainda na noite de ontem, o governo federal, em nota, se comprometeu a investigar o caso e o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, falou com o interventor federal no estado, general Walter Braga Netto, e colocou a Polícia Federal à disposição para auxiliar em toda investigação.
Entidades de defesa dos direitos humanos também manifestaram pesar. A Anistia Internacional exigiu celeridade nas investigações através de nota: “O Estado, através dos diversos órgãos competentes, deve garantir uma investigação imediata e rigorosa do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro e defensora dos direitos humanos Marielle Franco. Marielle foi morta a tiros na noite desta quarta feira, 14 de março, no bairro do Estácio na cidade do Rio de Janeiro. Marielle Franco é reconhecida por sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da violência policial. Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação e autoria do assassinato de Marielle Franco”.

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