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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Justiça garante permanência dos Guarani de Peguaoty em unidade de conservação no Vale do Ribeira (SP)

Segunda, 20 de agosto de 2018
Do MPF
MPF defendia o direito da comunidade; terra indígena no interior do Parque Estadual de Intervales foi reconhecida pela Funai
Foto mostra quatro mulheres indígenas em roupas típicas, de mãos dadas
http://arteguarani-valedoribeira.blogspot.com
O caso vinha tramitando na Justiça desde 2001, ano em que a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do estado de São Paulo solicitou a reintegração de posse de área do parque que, segundo alegava, teria sido invadida pelos Guarani de Peguaoty. A ação requeria ainda a destruição de habitações erguidas pela comunidade e a recuperação ambiental da área supostamente degradada. Em 2010, o estado de São Paulo ajuizou nova ação para que a Funai e a União retirassem o grupo indígena da unidade de conservação e recuperassem os possíveis danos ocasionados à Mata Atlântica.A Justiça Federal de Registro (SP) garantiu a permanência dos Guarani no Parque Estadual de Intervales, unidade de conservação de proteção integral na região do Vale do Ribeira, ao sul do estado de São Paulo. A decisão, que acolhe as manifestações do Ministério Público Federal no caso, põe fim a duas ações movidas pela administração paulista para a retirada da comunidade indígena da unidade de proteção ambiental. O território disputado foi reconhecido em 2016 pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como a Terra Indígena Peguaoty. A população é de aproximadamente 110 habitantes.

O MPF atuou nos dois processos na condição de fiscal da lei (custos legis). O procurador da República Antônio José Donizetti Molina Daloia desempenhou o trabalho em Santos (SP) até a transferência dos autos para a Justiça Federal em Registro no ano de 2013. Mais recentemente, o procurador da República Yuri Corrêa da Luz passou a atuar no caso e comemorou as decisões. “No aparente conflito entre, de um lado, o direito dos índios a seu território e, de outro, a tutela exclusiva do meio ambiente local, o Judiciário, corretamente, acolhendo as manifestações do MPF ao longo dos feitos, deu prevalência ao primeiro – algo de especial importância para a região do Vale do Ribeira, onde os órgãos ambientais, não raro, com certas posturas acabam sendo autores de violações de direitos territoriais das comunidades tradicionais”, destacou.
Ausência de danos - Ainda que as ações movidas pela administração paulista acusassem os Guarani de Peguaoty de degradarem o meio ambiente, as perícias realizadas para averiguar a extensão dos prejuízos no Parque Estadual Intervales não constataram a existência de danos ou impactos ambientais causados pelos indígenas. Ao contrário, demonstrou-se que os índios encontrados na região buscam o equilíbrio ambiental e preocupam-se em recuperar as áreas de vegetação degradadas pela ação de palmiteiros e caçadores, que, clandestinamente, invadem a unidade.
Um parecer elaborado pelo setor pericial do MPF ao longo dos processos, por exemplo, destaca que as populações tradicionais utilizam técnicas ambientais de baixo impacto e desenvolvem práticas sustentáveis para o manejo de recursos naturais, eis que interessadas em sua conservação. A represa construída no parque para abastecer de água a população indígena era outro motivo de conflito. Contudo, a obra, cuja demolição era requerida pelo estado de São Paulo, também não causou dano ambiental.
Terra indígena - As ações para retirada da comunidade Guarani de Peguaoty alegavam, ainda, que a área havia sido invadida pelo grupo. Porém, ao longo dos processos, foram constatados indícios robustos de ocupação tradicional Guarani no Parque Estadual Intervales muito antes da criação desta unidade de conservação. Não por outro motivo, em 2016, a ocupação tradicional indígena deste território foi reconhecida por grupo técnico da Funai. Tendo isso em conta, a Justiça Federal, acolhendo as manifestações do MPF, destacou em suas decisões que, embora a conclusão do procedimento de demarcação da terra indígena ainda dependa da chancela do Ministério da Justiça, o direito dos índios à terra já pode ser reconhecido, pois o estudo técnico multidisciplinar coordenado pelos antropólogos serve como meio de prova suficiente da ocupação tradicional dos indígenas na região do parque.
“Cabe esclarecer que o reconhecimento da posse indígena independe da demarcação propriamente dita, que meramente representa a demarcação física dos limites da terra indígena. A caracterização de uma terra indígena mediante a declaração dos seus limites não é condição necessária para determinar a posse de uma comunidade indígena, pois esta é congênita, originária, ou seja, o procedimento administrativo de demarcação reconhece direito já existente”, afirmou o juiz federal João Batista Machado, autor das decisões.
Para os procuradores da República que atuaram no caso, este é um importante precedente, pois reafirma o direito das comunidades tradicionais de ocuparem e manejarem sustentavelmente seus territórios, mesmo quando inseridos em áreas protegidas. Trata-se, destacam eles, do reconhecimento da compatibilidade da presença indígena com a conservação do meio ambiente.
Para mais informações, leia a íntegra das sentenças, clicando no número das ações:
Para consultar a tramitação, acesse o site da Justiça Federal.