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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Meio ambiente e patrimônio cultural: Justiça Federal condena Iphan a atualizar o cadastro nacional de sítios arqueológicos

Sexta, 17 de abril de 2020
A sentença abrange o cadastro dos sítios arqueológicos terrestres e subaquáticos de todo o país

Sítio subaquático identificado na FPI/SE e ainda não cadastrado no CNSA. Crédito: Ascom FPI/SE


Atendendo a ação do Ministério Público Federal ajuizada em Sergipe em 2019, a Justiça Federal condenou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a alimentar, atualizar e modernizar o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) e a disponibilizar as informações atualizadas na internet. A sentença, assinada em 10 de abril de 2020, abrange o cadastro dos sítios arqueológicos terrestres e subaquáticos de todo o país.

Na decisão, a Justiça Federal também determina que sejam inseridos, no CNSA, os dados de localização e georreferenciamento dos sítios arqueológicos terrestres e subaquáticos já identificados no país e comunicados ao Iphan. E, ainda, que sejam atualizados todos os dados necessários à completa caracterização dos sítios arqueológicos conhecidos e já registrados, com correção de incongruências e omissões nas fichas dos cadastros.

A pedido do MPF, a Justiça também obrigou o Iphan a inserir no sistema os sítios arqueológicos subaquáticos identificados e informados ao Instituto. O sistema deve permitir a pesquisa dos sítios subaquáticos por unidade federativa, município, bacia hidrográfica e por trechos da costa brasileira.

Entenda - A falta de atualização do CNSA tem causado problemas em todo Brasil no que se refere à proteção dos sítios arqueológicos no momento de concessão de licenças ambientais. Pela inconsistência dos dados apresentados no sistema, os órgãos federais e estaduais não têm feito consultas regulares à plataforma nacional para verificar se as áreas de interesse arqueológico coincidem com a área das atividades de empreendimentos a serem licenciados por eles.

“A consulta prévia ao Iphan como condição para expedição de licença ambiental é exigida pela legislação, a fim de assegurar a proteção dos sítios arqueológicos. Porém, a atualização e o amplo acesso ao cadastro nacional contribuiriam para uma maior segurança jurídica dos empreendedores, que já saberiam antes se a área que pretendem explorar possui incidência de sítios arqueológicos, bem como contribuiriam para o trabalho de pesquisadores e para a proteção dos sítios, a partir da ciência da população em geral sobre sua existência ”, explica a procuradora da República Lívia Tinôco.  “A desatualização e a insuficiência dos dados inseridos no CNSA colocam em xeque a boa produção de estudos ambientais que dão suporte aos licenciamentos ambientais”, completa a procuradora.

O Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos foi instituído pela Lei nº 3.924 de 1961. “Verifica-se que, decorridos 60 anos da edição da norma que determinou a criação de um cadastro nacional para os sítios arqueológicos, pouco se avançou. A atuação do Iphan não atende ao princípio da eficiência da administração pública”, destaca o MPF em trecho da ação civil pública.

Além da falta de atualização, o MPF também destaca inconsistências nos dados registrados no sistema. “Não há sequer precisão no registro da última inclusão de sítio arqueológico do Estado de Sergipe no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos, constando até mesmo o ano de 2021 como data do último registro, o que demonstra a inconsistência de dados”, ressalta a procuradora da República Lívia Tinôco.

Consequências - Os órgãos licenciadores dependem da diligência do Iphan em manter os dados cadastrais dos sítios arqueológicos atualizados e consistentes. Pela ineficiência do Instituto e consequente desconhecimento prévio das áreas com presença de sítios, aqueles órgãos têm dificuldade em cobrar dos empreendedores o atendimento às exigências de salvaguarda dos bens arqueológicos. Por outro lado, os empreendedores também não conseguem identificar com precisão se existem sítios arqueológicos previamente identificados nos locais onde pretendem realizar atividades potencialmente poluidoras. “Neste sentido, a ineficiência do Iphan dificulta a proposição de medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias”, explica Lívia Tinôco.

“O acesso à informação pode fazer com que o empreendedor desista de antemão da obra ou que siga em frente já ciente das necessidades que a presença desses sítios vai apresentar, dimensionando, por exemplo, os custos que terá com estudos e atividades de resgate ou de preservação in situ”, acrescenta a procuradora. 

O coordenador Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4CCR), Nívio de Freitas, ressalta que o tema foi amplamente discutido no âmbito do Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural, instituído pela pela 4CCR. “No GT foram estabelecidos parâmetros e objetivos relacionados à instrumentalização de uma adequada proteção aos bens culturais, definindo estratégias de atuação em parceria com as Procuradorias da República nos Estados para a conservação e a proteção dos recursos ambientais e culturais”, pontuou. No GT ficou decidido que a ação civil pública seria ajuizada em Sergipe, pela preexistência de inquérito civil já em curso, mas com efeito nacional, o qual, com o advento da sentença, será fiscalizado em todo o país. “A ação tem relevância e importância ímpares, e é necessário o efetivo acompanhamento dos seus efeitos em todo o território nacional”, finaliza o subprocurador-geral da República.

Sergipe - O estado de subnotificação dos sítios fica claro com o exemplo de Sergipe. No site do Iphan, constam apenas 237 sítios arqueológicos cadastrados nos diversos municípios do estado. Nenhum deles se refere a sítios subaquáticos. No entanto, somente durante três edições da Fiscalização Preventiva Integrada em Sergipe, foram identificados e informados ao Iphan mais de 20 sítios subaquáticos no Rio São Francisco, mas nenhum deles ainda foi incluído no CNSA. O baixo número de sítios cadastrados coloca o Estado de Sergipe na quinta pior posição, atrás apenas dos seguintes Estados: Paraíba, Maranhão, Roraima e Distrito Federal. 

“A informação apresentada no site do Iphan demonstra que o número de sítios cadastrados está defasado frente à quantidade de sítios efetivamente existentes”, enfatiza a procuradora Lívia Tinôco. “Esse quadro se repete por todo o território nacional, com a insuficiência de informações constantes das fichas de caracterização, desconsideração dos bens arqueológicos submersos, falta de informações precisas quanto ao georreferenciamento dos sítios, ausência de datas de registro, dentre outras inconsistências e omissões”, finaliza.

Número para pesquisa processual: 0800709-70.2019.4.05.8500.