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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 28 de abril de 2020

MPF apresenta Ação Direta de Inconstitucionalidade para suspender lei que elimina voto de qualidade no Carf

Terça, 28 de abril de 2020
Do MPF
Alteração feita por emenda parlamentar apresenta inconstitucionalidade formal e ofende princípios democráticos
Arte retangular sobre fotos da deusa da Justiça, Temis, da balança, símbolo da justiça e da capa da Constituição brasileira. Está escrito constitucional
Arte: Secom/PGR
O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (28), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, para suspender imediatamente o artigo 28 da Lei 13.988/2020. A norma elimina o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (Carf). O órgão, que integra a estrutura do Ministério da Economia, é responsável por julgar administrativamente, em segunda instância, os litígios tributários entre os estados e a União. A mudança legislativa deu-se no Senado, em 24 de março, quando houve a conversão em lei da Medida Provisória 899/2020, editada pelo Executivo, para renegociar dívidas com as Unidades da Federação.

O voto de qualidade no Carf é dado pelo presidente do colegiado, em casos de empate. Ocorre que, pela nova lei – que incluiu o artigo 19-E na Lei 10.522/2002 –, havendo o empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a decisão passa a ser automaticamente favorável ao contribuinte. Como consequência, estima o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), a medida acarretará perda de créditos tributários de aproximadamente R$ 60 bilhões anuais.
Na ação encaminhada ao Supremo, Aras aponta a existência de inconstitucionalidade formal, por vício no processo legislativo. O motivo é a inserção, em lei de conversão de medida provisória, de matéria de iniciativa reservada e sem pertinência temática com o texto originário, por meio de emenda parlamentar. Por não guardar afinidade com a matéria inicialmente tratada na MP 899/2020, prossegue o procurador-geral, há violação do princípio democrático e do devido processo legislativo.
O chefe do Ministério Público da União chama a atenção para a discrepância entre a proposição da MP 899 e a lei aprovada pelo Congresso. Enquanto a primeira tratava da negociação extrajudicial de créditos tributários existentes e constituídos, o artigo 28 da Lei 13.988/2020 disciplinou aspecto procedimental do julgamento de processo administrativo, ou seja, tratou de um tema alheio ao objeto original da medida provisória.
Essa prática, conforme lembrou o PGR, passou a não mais ser admitida pelo Supremo desde o julgamento da ADI 5.127/DF, em maio de 2016, quando o STF entendeu não ser possível o que ficou conhecido como “contrabando legislativo”. Acrescenta Aras que, ao excluir o voto de qualidade, “o art. 19-E, incluído na Lei 10.522/2002 pela Lei 13.988/2020, interferiu indevidamente no desempenho de competências institucionais e na forma de atuação do Carf, órgão da administração pública direta federal”. O PGR destaca que o artigo 28 da Lei 13.988/2020 viola os artigos 1º, caput e parágrafo único; 2º, caput; 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “e”; e 84, inciso VI, da Constituição Federal.
Pedidos – O PGR requer ao Supremo Tribunal Federal a concessão, monocrática e sem a intimação dos interessados, de medida cautelar determinando a suspensão da eficácia da norma impugnada, a ser oportunamente submetida a referendo do Plenário. Em seguida, pede que se colham informações do Congresso Nacional e do presidente da República, e que se ouça a Advocacia-Geral da União (AGU). Ao final, postula que se julgue procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 13.988/2020.
Tramitação – Em 24 de março deste ano, por procedimento de deliberação remota, o Senado aprovou o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 2/2020, originário da MP 899. Em sua versão original, a MP disciplinava as circunstâncias em que o Fisco poderia negociar extrajudicialmente com seus devedores ou partes adversas, de forma a encerrar processos ou a evitar o ajuizamento de ações relativas a créditos públicos já existentes.
No entanto, durante o trâmite legislativo de conversão da MP 899 na Lei 13.988/2020, foi inserida matéria estranha ao texto original daquela proposição, com o escopo de estabelecer o fim do voto de qualidade no caso de empate nos julgamentos administrativos fiscais do Carf.
Para Augusto Aras, a discrepância temática entre o conteúdo original da MP 899/2020 e a disciplina inserida ao Projeto de Lei de Conversão 2/2020 por meio de emenda parlamentar configura, portanto, violação da separação de poderes, do devido processo legislativo e do princípio democrático.