Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Chegada de Morais Moreira no Céu

Quarta, 15 de abril de 2020
Cordel do baiano Elton Magalhães*

CHEGADA DE MORAES MOREIRA NO CÉU

Em tempos de pandemia
O mundo respira o mal
Mas os grandes da Bahia
Vão de morte natural
Pr’um outro plano fazer
Um bonito Carnaval.

Assim foi com Riachão
Que abriu as portas do céu
Dizendo: saaaaamba, São Pedro
Com seu lencinho e chapéu
Ganhando dos seus amigos
Um merecido troféu.

Com o samba comendo solto
A multidão foi chegando:
Batatinha deu o tom
Ederaldo foi somando
E o clã baiano no céu
Logo foi se amontoando.

Raulzito, inebriado,
Sentou-se pra observar
Ao lado de Dorival
A baianada chegar
Acompanhada do trio
De Dodô e de Osmar.

A festa estava montada
Santa Dulce abençoando
E ao som da guitarra elétrica
Com os mestres no comando
A chegada de outro mito
O trio ia anunciando.


São Pedro saiu da roda 
Pra deixar a porta aberta
E nesse exato momento
A todos fez um alerta:
“Abram alas pra Moraes
Que pr’este plano desperta!”

Tímido, ele foi chegando
E no trio já foi subindo
Foi pegando o microfone
E pro seus mestres sorrindo
Disse a todos “salve salve!
Veja só que dia lindo!”

Pra manter o ritual,
Puxou o Pombo Correio
Dizendo: “sempre sonhei
Em ver esse bloco cheio
Mas cadê meu grande mestre?
Por que será que não veio?”

Certamente ele falava
Do bruxo João Gilberto
Que até mesmo lá no céu
Mantinha o hábito certo
De ficar enclausurado
Com seu pijama coberto.

Mas a comoção foi grande
E logo João chegou
Pois Caymmi, seu amigo,
Da mesa se levantou
Puxou João pelo braço
E este de pronto aceitou.

João Gilberto que estava
Calado até o momento
Disse: “Moraes você é
Sim o meu maior rebento
O grande orgulho da raça:
Receba o meu cumprimento!”

“Acabou chorare, gente!
Eu agora sou eterno
Fugi do triste Brasil
Que se tornou um inferno
Espero que o céu se mostre
Em tudo um lugar fraterno.

Deus me faça brasileiro
Criador e criatura
Nessa terra que é de todos
Distante dessa amargura
E que os meus que lá ficaram
Tenham jogo de cintura.

Nasci em Ituaçu
Lá no Sertão da Bahia 
Terra de todo o encanto
Terra de força e magia
Sou filho de Dona Nita
Que sempre foi minha guia.

Com um baiano aprendi
A arte do violão
Tom Zé, o primeiro mestre,
Deu grande contribuição
Pois pra mim a Tropicália
Foi de grande inspiração.

Com os amigos Pepeu,
Baby, Paulinho e Galvão
Tracei uma linda história
Que levo no coração
Os Novos Baianos foram
Pra mim a grande lição.

Segui dando o meu melhor
Para o carnaval baiano
E aos poucos do trio elétrico
A história eu fui mudando
À fobica eu dei a voz
E segui me alumbrando.

Com o meu irmão mais velho, 
Zé Walter, o menestrel,
Aprendi métrica e rima
Peguei caneta, papel
E logo fui descobrindo
O universo do Cordel.

Assim, fiz minha passagem
De cantor pra cantador
Exaltando o meu sertão
E esse povo de valor
Homenageei os mestres
Que em vida eu dei valor.

O grande artista do século
É o nosso Rei do Baião
Nesses versos de carinho
Exaltei nossa nação
Através do maioral:
O eterno Gonzagão”.

Foi assim que num rompante
Mestre Lua apareceu
Com seu fole de cem baixos
E a todos ali deu
Um presente: a Asa Branca
O céu todo comoveu.

Moraes Moreira chorando
Diante da emoção
Foi cantando “chame gente”
E assim uma multidão
Foi pelas nuvens pulando
Em grande celebração.

Tocaram Frevo Mulher
Depois Cara e coração
Desabafo e desafio
E Pedaço de canção
Mas o que veio depois 
Explodiu a multidão:

Carnaval em cada esquina
Só não foi mais badalada
Do que a épica Vassourinha
Que deixou embriagada
Toda uma multidão
Que estava ali deslumbrada.

Riachão também subiu
No trio causando um rebu
Carregava cachacinha
Meladinha no caju
E pegando o microfone
Foi puxando Besta é tu.

Raul, chegado ao “caju”
Sendo de pouca etiqueta
Também chegou na fobica
E tirou duma maleta
Sua gaita pra tocar
O Mistério do Planeta.

Caymmi também subiu
Preparado para a guerra
Levando João no braço
(Esse é certo: nunca erra)
Com Moraes então fizeram
O Samba da minha terra.

Depois dessa grande festa
E justa recepção
O mestre Moraes, sereno,
Iniciou um sermão
Pra todos ali presentes
Eis sua declaração:

“Sigo sendo como posso 
E mostrando como sou
Morri dormindo, e assim
Sei que Deus me abençoou.
Pela vida que vivi
Orgulhoso aqui estou.

Na minha velha Bahia
Quando era bem menino
E eu ainda digo mais:
Menino e beduíno
Com jeito de mercador
Preparei singelo hino!

Peço a Deus que nesse instante
Se compadeça do povo
Que na terra, isolado,
Quer viver livre de novo
E que essa pandemia
Deixe de ser um estorvo.

Para o povo lá da Terra
Eu só queria escrever
‘Tudo passa e em breve
Todos poderão dizer:
Abra a porta e a janela
E vem ver o sol nascer’”

*Elton Magalhães, 13/04/2020

Elton Magalhães

Cordelista
Elton Magalhães nasceu em Castro Alves – Bahia, em novembro de 1985. É mestre em Literatura pela UFBA e professor de Literatura da Universidade Católica do Salvador. Tem publicados 2014: O Ano da Copa no País do Futebol (Ed. Mondrongo, 2014), O Português na Língua do Cordel (ORG. Ed. Mondrongo, 2015), além de diversos folhetos em Cordel. Participou de duas antologias de poesia nacional: Prêmio Nacional de Poesia Jovem, 5º lugar com o poema À memória de JCMN (Ed. LiteraCidade) e Concurso Nacional Nova Poesia, 4º lugar com o poema Soneto (Ed. Vivara). Realiza oficinas e palestras sobre Literatura de Cordel em várias escolas, universidades e espaços públicos. Colabora com o jornal Correio* escrevendo textos em cordel sobre as festas populares da Bahia.

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Veja abaixo plêiade de artistas que recepcionou no Céu o grande Moraes Moreira. E a recepção foi abençoada por uma santa. A Santa Dulce dos Pobres, a minha Doce Irmã da Bahia.
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Observem as feras que dividem o palco com Moraes Moreira.

Vídeo publicado no Youtube pelo Canal
MPB :: As Melhores!

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Riachão, morto em 30 de março de 2020, aos 98 anos. Ele dizia que esperava chegar aos 100. Mas teve que apressar para receber no Céu seu amigo Moraes Moreira. Para organizar o conjunto dos baianos lá em cima. 
Riachão da Bahia. Este certamente mesmo lá no Céu deve ter recebido Moraes Moreira com 'um cachacinha"

Parabéns pra você ["pra tomar um cachacinha']
Vídeo postado no Youtube pelo canal jnscam

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Batatinha
'Batatinha (compositor) Oscar da Penha (Salvador, 5 de agosto de 1924 — Salvador, 3 de janeiro de 1997), mais conhecido como Batatinha, foi um compositor e cantor brasileiro, considerado um dos maiores nomes do samba da Bahia.'


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Ederaldo Gentil, (1947—2012)

O ouro e a madeira
Vídeo postado no Youtube pelo canal Caue Procopio

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Raulzito, o Raul Seixas, grande Maluco Beleza, (1945-1989)

Metamorfose ambulante

Vídeo postado no Youtube pelo canal   lehbianchi2010

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Dorival Caymmi (1914-2008)


Dorival Caymmi - O Vento - Heineken Concerts - 1996

Vídeo postado no Youtube pelo canal   Annecysavoie

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Armandinho, Dodô (1920—2018) e Osmar (1923—1997)

Vídeo postado no Youtube pelo canal da 


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Luiz Gonzaga (1912-1989)

Luiz Gonzaga e Carmélia Alves (1923 — 2012)) - Os Reis do Baião


Postado no Youtube pelo canal   Canal Memória

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João Gilberto (1931—2019)

Especial João Gilberto Infinito | TVE Bahia

Vídeo postado no Youtube pelo canal da TVE Bahia.
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Bem-vinda Santa Irmã Dulce


Vídeo postado no Youtube pelo canal da TVE Bahia.
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Viram aí a plêiade de artistas que recepcionou no Céu o grande Moraes Moreira? Se não viu, não ouviu, veja e ouça. Não precisa ser tudo visto de uma vez. E até a Santa Dulce dos Pobre, a minha Doce Irmã da Bahia, abençoando a chegada do Moraes Moreira aos Céus.