Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 27 de abril de 2020

VIDA LONGA AOS BANQUEIROS!

Segunda, 27 de abril de 2020

Por
*Pedro Augusto Pinho e Felipe Maruf Quintas


Para iniciarmos nossas reflexões, leiamos um trecho do artigo de Thierry Meyssan, “Trump adapta a estratégia energética dos EUA”, de 17/04/2020, no Voltairenet: “Estas três realidades (a estratégia econômica do Presidente Trump, a rebelião saudita e a epidemia do coronavírus) chocam entre si. Para analisá-las, vamos dissociá-las arbitrariamente, mantendo em mente que a lógica de cada uma delas pode ver-se subitamente perturbada pela das outras duas”.

Habitualmente procuramos entender os fenômenos sociais sob a ótica da pretensa racionalidade econômica da acumulação de capital. Mas esta lógica pode entrar em confronto com situações de natureza imprevisível - catástrofes naturais geológicas ou da saúde - e objetivos antissociais, como as guerras.

Estamos diante de que mundo? Quem está efetivamente no controle do poder mundial?

Esta pergunta, em meados do século XIX, teria resposta indubitável: vivíamos no mundo dos Impérios Coloniais e o controle estava majoritariamente nas mãos do Império Britânico, cuja moeda - libra esterlina (pound) - era a referência de valor.  O samba do imortal Noel Rosa (1910-1937), “Positivismo” (1933, com Orestes Barbosa), afiança esta verdade:

“No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração” e
“Vai, coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante”.

Conheçamos, com o referido artigo do Thierry Meyssan, a inominável agressão dos inconformados Impérios, ao quais se acrescentaram, no século XX, os Estados Unidos da América (EUA). Transcrição da versão em português.

“Face ao colapso dos preços do petróleo, o Presidente Trump considerou que não tinha outra solução senão tomar em mãos as principais reservas mundiais, as da Venezuela. Desde há vários anos, a CIA e a SouthCom desestabilizam este país em preparação do plano Rumsfeld/Cebrowski de destruição das estruturas estatais na Bacia das Caraíbas. O país chegou a um ponto onde uma possível eliminação do Presidente Nicolás Maduro não suscitaria maior reação do que a do Chefe do exército panamenho Manuel Noriega, em 1989.

Assim, os Estados Unidos convenceram a União Europeia a juntar-se a uma operação de tipo «Just Cause» («invasão do Panamá»): o sequestro do Presidente Maduro e do homem forte do país, Diosdado Cabello. O Reino Unido, a França, a Espanha, Portugal e a Holanda — quer dizer, as antigas potências coloniais da América do Sul— dispuseram-se a participar”.

O poder maior do mundo atual está no sistema financeiro, a banca. Os Impérios coloniais ou se submeteram a ele ou, como os EUA, disputam reter uma parte.

Já no final dos anos 1970, a Companhia Cervejaria Brahma (1888-1989) passou a ter nas receitas financeiras maior ganho do que nas operações que eram sua razão estatutária: a produção e comercialização de bebidas. A conclusão deste desvirtuamento de objetivo levou à extinção da Brahma, absorvida pela Ambev, que tem um financista, dos homens mais ricos do mundo - Jorge Paulo Lemann - como principal acionista e diversas empresas “gestoras de ativos” neste controle acionário: EPS, holding luxembuerguesa (7,80%), Norges Bank (1,38%), Vanguard (1,38%), Capital R&M (0,96%), Altria Group (0,73%) entre outras.

A banca tem lógica simples: transformar qualquer resultado positivo (lucro, aluguel, salário, tributo) em renda financeira e promover a permanente e crescente concentração desta renda. Os métodos, além da conquista dos Estados e orientação de suas economias, também são simples: gerar dívidas e especular com títulos de crédito. Objetivos simples mas instrumentos altamente sofisticados para sua consecução, envolvendo o domínio da comunicação de massa, a direção de reações psicossociais, a formação de consensos globais e numerosos investimentos em pesquisas, onde se incluem teses acadêmicas.

As crises da banca são muitas vezes provocadas, porém tem por base as inadimplências dos prestamistas e o acúmulo de resíduos depreciados (títulos podres). Por conseguinte, também faz parte da atuação da banca promover a destruição de capitais, quando estes se valorizam excessivamente, e manter em limites controlados a mão de obra, com processos neomalthusianos. Os vírus são pesquisados e aperfeiçoados neste sentido.

As dezenas de trilhões de USD que a banca carreou dos Tesouros Nacionais para seus cofres, com a “crise 2008/2010”, permitiram quase uma década de especulações financeiras, recessão, desemprego, que fatalmente conduziria a nova crise. Esta não ocorreu devido ao Covid 19, nem exclusivamente à disputa sobre a remuneração do barril de petróleo; ocorreria pelos mecanismos do próprio sistema financeiro concentrador: ações supervalorizadas, papéis de crédito sem lastro, dívidas impagáveis, desemprego e Estados economicamente inoperantes, meros transferidores de recursos públicos e privados para a banca.

Conforme Meyssan, “muitos Estados optaram por dilatar no tempo a propagação da doença, em vez de combatê-la, correndo o risco de sacrificar a sua própria economia. Assim sendo, segue-se um aumento desmesurado do seu endividamento e uma recessão mundial. Nos EUA, uma parte dos oficiais superiores, que haviam tentado derrubar o Presidente Trump com o “Russiagate” e depois o “Ucraniagate”, imaginaram instaurar uma lei marcial para lutar, a nível federal, contra a epidemia, o que é constitucionalmente da responsabilidade dos Estados Federados. Assim, eles recusaram envolver as suas tropas na Venezuela; uma insubmissão sem precedentes nos EUA”.

Porém, nem todas as soluções foram propostas, nem todas as decisões foram adotadas, sob a fria análise dos fatos e dos interesses de grupos dominantes nos poderes estatais. A muito do que se convencionou chamar “terraplanismo”, surgido de surtos religiosos neopentecostais, e de ideologias e compreensões alucinantes, tais como o vírus seria transmitido por máscaras contaminadas produzidas na China ou seria mais uma agressão do comunismo internacional ou chinês às famílias brasileiras.

Assim vemos que a crise anunciada desde 2010 da economia financeira, agora catalisada pelo Covid 19, ganha dimensões ainda maiores às quais buscaremos analisar.

A verdadeira situação da economia mundial, após a crise de 2008/2010, pode ser examinada nos preços das importantes commodities de insumos industriais que seguem.

Valores sucessivamente nos primeiros trimestres de 2010, 2015 e 2020, em unidade de dólar estadunidense (1USD). Fontes: Bolsas de Mercadoria (Londres e Chicago), OPEC, World Bank, Bloomberg International.

Alumínio: 2.175,20; 1.660,77 e 1.452,46;

Carvão Sul-africano: 82,96; 59,82 e 67,89;

Chumbo: 2.151,65; 1.783,57 e 1.672,38;

Cobre: 7.553,62; 5.494,50 e 4.995,67;

Estanho: 20.473,61; 16.070,16 e 14.925,25;

Níquel: 21.831,43; 11.807,27 e 11.518,75;

Petróleo Brent: 76,37; 59,39 e 21,74;

Zinco: 2.163,99; 1.928,39 e 1.893,54.

As commodities elencadas, que poderíamos alongar, mostram que não houve demanda, pois à banca interessa menos a produção do que a especulação. E sem produção, o trabalho também fica menos procurado e consequentemente menos valorizado. O ápice desta situação ficou evidenciado nos governos Temer e Bolsonaro, com as restrições de investimentos governamentais nas áreas da cidadania — saúde, educação, habitação, deslocamento urbano — e com a aberrante extinção do Ministério do Trabalho e a inqualificável contrarreforma da previdência, dirigida contra o trabalhador e o funcionário público civil.

Analisemos o caso do petróleo. A jogada geopolítica dos EUA com a produção de folhelhos, como era esperado, gerou um déficit nas contas estadunidenses, consequentemente dívidas públicas e privadas. E esta produção adicionada em período de recessão gerou uma demanda por estoques que são hoje a principal causa, junto à especulação financeira, deste aparente caos no mercado do petróleo. Quem ganha com esta situação? Ora, caro leitor, quem mais ganha com estoque, com bens imobilizados, senão aquele que o financia, ou seja, um viva aos banqueiros de alguns bilhões de dólares.
Transcrevamos mais um trecho do artigo de Thierry Meyssan:

“O presidente Trump encara agora modificar a política energética de seu país em dois pontos:

- Romperia com a do Presidente Richard Nixon (a conselho do seu especialista eleitoral Kevin Philipps), que privilegiava os consumidores em vez dos empregos. Assim, ele decretaria elevadas tarifas aduaneiras às importações de petróleo barato para salvar a indústria de petróleo de xisto (dos folhelhos).

- Romperia também com a do Presidente Gerald Ford (a conselho do seu Secretário de Estado Henry Kissinger), que defendia o livre mercado ao mesmo tempo em que autorizava a OPEP a formar um cartel em detrimento exclusivo dos Europeus. E com a mesma penada, o Congresso adotaria a proposta de lei datada de 2007, condenando os Estados membros da OPEP pela prática de limitar a livre concorrência (No Oil Producing and Exporting Cartels Act –NOPEC) («Lei de Produção e Exportação de Petróleo sem Cartelização)“.

Deixamos para o fim a mais dolorosa e indesejável consequência. Para compreendê-la é preciso entender o neomalthusianismo existente no neoliberalismo.

A concentração de renda é um processo contínuo no qual os produtos vão ganhando cada vez mais em qualidade e sofisticação e cada vez menos em quantidade. Ou seja, mais reduzidas produções. Menores produções, menor necessidade de insumos e de quantidade de mão de obra. A mão de obra é um fator tão desprezado pela banca que nem mesmo dele saiu um título de crédito.

Não há especulação de mercado com valor futuro da mão de obra pois se sabe de antemão (desculpem o involuntário trocadilho) que será sempre descendente.

Eliminar mão de obra é enfrentar a demografia. O aumento populacional, assim como os nacionalismos, são grandes inimigos da banca. E é sob esta ótica que devemos enxergar o funcionamento dos sistemas de saúde, o surgimento das guerras localizadas, das pandemias, das campanhas contra natalidade etc.

Há analistas que especulam ter a banca como população máxima para Terra — hoje 7, 7 bilhões de pessoas — um único bilhão de habitantes.

A proposta mais adotada na “crise do corona vírus” foi dos confinamentos, com variados graus de rigidez. Como podemos entender esta prática, no lugar de ações propositivas dos sistema de saúde?

Primeiro pela incapacidade do sistema privado, o definido como ideal pela banca, de enfrentar problemas mais amplos e gerais de saúde. Os Estados Mínimos mostraram suas inadequações, mesmo em países de pequena população como Luxemburgo e Bélgica.

Segundo ser um passo no sentido de conter populações miseráveis, famintas, desempregadas, em sucessivos processos migratórios, dentro de limites físicos.

Há pouco mais de um século, terminava a I Grande Guerra (IGG) com o surto de gripe espanhola. Esta gripe, do vírus H1N1, matou mais do que a IGG. E foi o mesmo de outras gripes ocorridas entre a de 1918 e hoje: do vírus Influenza tipo A ou gripe suína e suas mutações. A grande diferença foi a disponibilidade de recursos médicos e conhecimento científico nestes 102 anos.

Mas as recomendações da época também foram de confinamentos, quarentenas. A consequência, após a espanhola ter feito sua coleta, foi o mundo europeu, onde se travou a guerra (historiadores chineses a denominam Guerra Civil Europeia), cair sob o domínio de governos ditatoriais: fascistas, nazistas e comunistas. Personalidades como Stalin, Hitler, Primo de Rivera, Mussolini e Salazar surgiram nesta época.

Não excluímos as condições econômicas — a guerra já foi consequência da luta colonial — nem condições psicossociais, militares e, principalmente, políticas. Mas estas condições latentes precisam do detonador. Nos 1920 foram a IGG e a gripe espanhola. Agora temos o corona vírus. Mas a efetiva solução impõe aos Estados Nacionais, como encargo intransferível de sua ação governamental, a saúde integral da população. Não se limitando a construção de hospitais, mas evitando a sua necessidade com a pesquisa e produção de vacinas, acompanhamento de deficiências natais, clínicas de família, medicina social, alimentação orientada, saneamento urbano associado à construção habitacional ecologicamente orientada. E tudo isso custa uma fração do que é transferido por fraudes, legalizadas pelos parlamentares eleitos pelo sistema financeiro, à banca roubando os recursos da cidadania.

Mais medicina e menos arbítrio. Mais recursos para cidadania e menos para especulação financeira.

Alguns efeitos danosos da ação da banca estão ficando visíveis. Será que a consciência crítica superará a doutrinação colonizadora? Ou a banca terá sobrevida às catástrofes humanitárias?

*Felipe Maruf Quintas, doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense

*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado