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(Millôr Fernandes)

domingo, 6 de dezembro de 2020

A vacina contra o coronavírus é urgente e necessária

 Domingo, 6 de dezembro de 2020

Por

Professora Fátima Sousa*

Um bem público e universal, assim como é o SUS.

Desde o primeiro caso da Covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo, que o Ministério da Saúde tem dificuldades em apresentar um plano coordenado e integrado com os gestores estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS), que pudesse evitar as 175.307 mortes e prevenir os 6.487.507 casos registrados até o encerramento deste artigo.

Trata-se de um cenário de insegurança, medo e desalento junto à população, quanto à capacidade do governo em organizar, em todo o território nacional, a campanha de vacinação anticovid. E mais, que seja ágil na aquisição dos insumos estratégicos, desde seringas, agulhas, vidraria, até os aparelhos que garantam a cadeia de frio e outros itens necessários a massificação da vacina como um direito de todos.

Mas em matéria de logística, temos um ministro especialista, ou melhor, um grande gestor da área que, certamente, não há de esquecer que muitos desses insumos não são produzidos no pais, o que exige demanda, planejamento e programação assertiva para evitar que os mesmos percam sua validade nos almoxarifados do Ministério, e/ou porões dos aeroportos.

A instituição que deve promover a saúde, não pode mais perder tempo com debates medíocres, autocratas e desmedidos quanto à importância e urgência da liberação da vacina. Fato esse que põe em dúvida a integridade ético-técnico-científico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que nasceu para cuidar da saúde da nação brasileira, portanto, órgão do Estado e não a serviço de governos anticientíficos, que apostam perversamente no banimento da vacina Coronavac/Butantan, e não comunica de forma transparente seu plano de vacinação.

Ao contrário, tumultua, quando deixa vago o interesse por outras vacinas e omite a decisão do Senado em liberar quase R$ 2 bilhões para viabilizar a compra e o processamento final pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da vacina em desenvolvimento pela Universidade de Oxford, e comercializada pela empresa farmacêutica AstraZeneca.

Os atuais dirigentes do Ministério da Saúde, ao que pese os grandes quadros formados ao longo de quase cinco décadas de implantação do maior Programa Nacional de Imunizações (PNI) e do seu reconhecimento internacional, ignoram esse patrimônio em construção, na medida em que não respeitam a cultura institucional, expressa na produção técnico-científica da rede de parcerias entre as Instituições de Ensino Superior, pesquisadores, especialistas e os gestores estaduais e municipais de saúde, tomando decisões desagregadoras.

Desagrega, quando abre mão do seu papel de condutor do PNI,  para deixar que os Estados com maiores condições orçamentárias e financeiras vacinem, seletivamente, sua população, criando ambientes incertos e frágeis quanto a real situação da cobertura vacinal, além de quebrar os pactos federativos que o SUS vem construindo a duras penas na Comissão Intergestora Tripartite, e desconsiderando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), assessorada pelo Grupo Consultivo de Experts em Imunizações (SAGE), que estabelece prioridades e metas, segundo a gravidade da pandemia, para o acesso da população ao imunizante.

Não há mais tempo para ampliar a coleção de erros cometidos pelo governo, muito menos esperar que mais vidas sejam perdidas por falta de decisão política de iniciar a campanha nacional de vacinação, de fazer fileira aos outros chefes de Estado que lutam para que as vacinas contra o novo coronavírus se tornem um bem público mundial, conforme afirmou o presidente Xi Jinping durante a 73ª Assembleia Mundial da Saúde da OMS. E nós não podemos abrir mão desse bem universal, para que toda a população tenha seu acesso garantido, em especial nossas comunidades mais vulneráveis, como os quilombolas, as pessoas que vivem em situação de rua, além de todos/as trabalhadores/as do setor saúde que estejam na linha de frente do cuidado à saúde da população, da rede básica aos hospitais.

E para tanto, faz-se necessário falar claramente com a população. Inverter a ordem da informação e buscarmos falar a língua que o povo entende. Eis uma das razões apontadas ultimamente pelo fato de as coberturas vacinais estejam aquém das metas previstas para várias vacinas: a falta de uma estratégia de comunicação social para as campanhas. Mesmo reconhecendo que a população está aguardando a campanha anticovid com enorme expectativa, deve-se planejar uma forte disseminação de informação confiável sobre como e onde vacinar-se, bem como para neutralizar notícias falsas que, certamente, ocorrerão. Sem uma publicidade intensa e qualificada, a campanha de vacinação poderá ser profundamente atingida.

O Ministério não pode prescindir da atuação dos 5570 municípios brasileiros, afinal, é lá que tem o SUS e é lá que estão os quase 300 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS), trabalhando nas 42.488 Unidades Básicas de Saúde nas quais estão vinculadas as 43.369 mil equipes da Estratégia Saúde da Família. Com toda a capilaridade dessa rede o governo não pode mais errar, não pode mais superpor a economia às vidas humanas. Caso contrário, enquanto os vírus circularem pelo pais, a conjugação de esforços para salvar vidas serão em vão. E as condições de pensarmos em um novo tempo ficam ainda mais distantes.

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*Fátima Sousa
Paraibana, 57 anos de vida, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.