Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

MPF processa rádio e radialistas de Belém (PA) por discurso de ódio e xenofobia contra indígenas Warao

Quarta, 23 de dezembro de 2020

Ação pede que Justiça determine veiculação de conteúdo proposto por indígenas, além de pagamento de indenização aos Warao

(Imagem ilustrativa por Tommy Lopez, em licença livre, via pexels.com)


O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública contra a emissora de rádio Marajoara, responsável pela rádio Mix FM, em Belém (PA), e contra os radialistas Raimundo Nonato da Silva Pereira e Hailton Pantoja Ferreira pela veiculação de discurso de ódio, preconceito, discriminação e xenofobia contra os indígenas da etnia Warao, originários de onde hoje é a Venezuela.

O programa citado na ação foi ao ar em agosto de 2018. Em alguns minutos de conversa entre o locutor Nonato Pereira e o repórter Hailton Ferreira, o Jimmy Night, diversas vezes os indígenas foram chamados de "vagabundos", entre outros preconceitos e ofensas.

O MPF pediu à Justiça que seja determinada a veiculação pela rádio, por pelo menos um ano, de conteúdos propostos pelos próprios Warao, além do pagamento, pela empresa e pelos radialistas, de R$ 300 mil em indenização por danos morais coletivos aos indígenas.

O procurador da República Felipe de Moura Palha pede, na ação, que os comunicados de rádio – os chamados spots – sejam financiados pelos acusados, e que sejam exibidos no mesmo programa em que o discurso de ódio foi proferido e em todos os horários de maior audiência da emissora.

spots devem contar material que apresente e valorize a cultura e a história do povo indígena Warao, e informações verdadeiras sobre sua condição migratória e de vida no Brasil e na Venezuela.

A indenização por danos morais coletivos aos Warao, de acordo com o pedido do MPF, deverá ser revertida em projetos de acolhimento humanitário na capital paraense, elaborados com a participação direta dos próprios indígenas, mediante consulta prévia livre e informada.

Violência que gera violência – Para o MPF, o discurso dos radialistas extrapolou o direito à liberdade de expressão e recaiu no discurso de ódio, discriminatório e xenofóbico, sendo uma verdadeira incitação ao ódio e à violência contra o grupo indígena, com o agravante de ter sido proferido por meio de uma emissora de rádio, concessão pública que deveria ser um instrumento de disseminação e respeito às especificidades da cultura indígena.

“Esse tipo de discurso não se restringe apenas nas palavras proferidas contra os indígenas, mas avança para o plano concreto podendo produzir efeitos nas atitudes da própria população quando tem contato com os indígenas nas ruas”, alerta o MPF. “Se a pessoa (que absorveu tal discurso) já vai com o pensamento de que aquele migrante/refugiado é ‘vagabundo’ (como afirmado pelo radialista Nonato Pereira), isso se torna um potencial vetor para a prática de violência física e moral contra o referido povo”, exemplifica o procurador da República na ação.

O conteúdo da mensagem veiculada pela rádio Mix FM violou uma série de normas internacionais das quais o Brasil é signatário, e Constituição, e normas internas de defesa de direitos dos migrantes e dos povos indígenas, aponta o MPF, que citou o artigo 5º da Constituição, o Estatuto da Igualdade Racial, a Convenção Internacional para a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação Racial, entre outras normas, e jurisprudência sobre o tema.

“A discriminação racial viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à vida, à liberdade e à igualdade”, frisou o procurador da República Felipe de Moura Palha. “A naturalização de ideias preconceituosas ou atos discriminatórios constitui terreno fértil para sua reprodução simbólica, levando à disseminação e/ou perpetuação destes mesmos atos e ideias em nosso meio social”, voltou a alertar.

Processo nº 1033257-70.2020.4.01.3900 – 1ª Vara da Justiça Federal em Belém (PA)

Íntegra da ação

Consulta processual

Fonte: MPF