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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Cratologia Brasileira. O que é ser um país em nada soberano.

Segunda, 21 de junho de 2021

Por
Pedro Augusto Pinho* 

Para todos nós, colonizados por ideologias europeias, é muito difícil conseguir seccionar a composição dos poderes que nos governam. Até porque uma das estratégias de ação do poder é exatamente atuar nas sombras, agir por trás das cortinas, deixar visível somente seus executantes, seus operadores.

Assombra que não haja nas escolas militares, na preparação para carreira diplomática e em cursos superiores como de administração, direito, sociologia, história, a disciplina “cratologia”. Mesmo quando se estudam as instituições, os conflitos, as hierarquias sociais, o estudo do poder está implícito, nunca pormenorizado, detalhado. Assim, as formas, origens e tipificação das expressões do poder raramente constituem um segmento específico do conhecimento. E sempre nos atingirá, a todos.

A cratologia é esta ciência que estuda o poder, suas formas, expressões e manifestações como ação consciente do ser humano.

Hoje, o estudo do poder se torna ainda mais relevante pois o que constituía um instrumento para ação, nas expressões do poder, tornou-se, ele próprio, um poder. Referimo-nos às mensagens, à informação.

A mensagem sempre transporta um grau de surpresa, por mínimo que seja. Sem surpresa a mensagem é redundante. Quanto mais inesperada, mais efeito ela causa. Detenhamo-nos um pouco na sua compreensão. Porém já sabemos que a mensagem redundante também pode influenciar, como a música que, mesmo desagradável, é tocada dia e noite até que você, a detestando, cantarole inconscientemente. Isto ocorrerá também com ideias.

A relação primal do homem com o meio exterior, o ambiente, se dá pelos sentidos. O olfato, a audição, o sabor, as sensações epidérmicas, a visão são os receptores das mensagens que o meio que nos envolve nos emite. Temos então completo o modelo comunicacional: emissor – codificador – canal – decodificador – receptor que constituem o fluxo das mensagens. Estas mensagens nos trazem as sensações que constituirão a base do nosso conhecimento.

Podemos, desde logo, distinguir dois elementos em qualquer mensagem: o suporte e a semântica a ele associada. Um odor putrefato vai nos indicar um local desagradável, senão hostil.

Mas o processo de conhecimento vai sendo aperfeiçoado e logo passaremos a saber que um mesmo suporte (o odor) pode nos trazer mais do que uma semântica. O odor putrefato pode ser um revitalizador da própria existência, um fertilizante para o solo continuar produzindo alimentos.

O domínio da informação, de qualquer forma de gestão das mensagens, independente de seu conteúdo, já é uma expressão de poder. Atualmente há empresas em vários países, distribuídos por todos continentes, que são distribuidoras de mensagens por sistemas eletrônicos, os “robôs” de comunicação. Elas atuam com redundância e com diversificadas mensagens que confundem os receptores.

Discute-se a razão dos retrocessos históricos. Não cairemos na armadilha de apresentar uma explicação, mas colocaremos a mensagem e seu controle como uma das formas de reverter, por novas e nem sempre corretas compreensões, suas semânticas.

Após a II Grande Guerra, o mundo entrou num processo acelerado de industrialização e logo percebeu que se estava criando uma dependência por recursos finitos: quer para produção de energia (elemento vital, qualquer que seja a origem, para toda sociedade humana) quer para fabricação de novos produtos que, rapidamente, se tornariam indispensáveis para a qualidade, por menos exigente que fosse, da vida social.

É óbvio que se inicia um esforço científico para substituição daqueles recursos finitos por recursos renováveis, mas, mesmo estes, encontravam condições adversas de produção ou custos extraordinariamente elevados, reduzindo a disponibilidade ampla de consumo.

Também é evidente que diferentes motivações buscavam estas novas opções para sobrevivência de um tipo de sociedade e de seu modo de vida.

Juntando estas condições ao interesse de dominação colonial, fruto das ações dos poderes europeus, desde o século XV, e dos Estados Unidos da América (EUA), após conquistar o oeste norte-americano, passamos a ter novas formas de atuação com rompimentos (e reversões) de avanços civilizatórios.

O estágio da evolução capitalista e o medo da pressão demográfica levam à construção de nova teoria liberal, o neoliberalismo, com base malthusiana, que emite mensagens de conteúdo libertário e de preservação ambiental para que a sua ação concentradora de renda seja vista como um dos males da industrialização e da ineficiência dos Estados Nacionais.

Há milhares de absurdos que as mensagens distorcem; fiquemos com exemplo de um deles: o corte no orçamento da saúde pública. As instalações e equipamentos para saúde ficam sem manutenção e deterioram, o pessoal da saúde passa a ser mal pago e logo se reduz, ficando os menos habilitados, os materiais e fármacos não são repostos e falta assistência adequada, mas a mensagem não é a do corte do orçamento, promovido pelo interesse financeiro, mas da ineficácia intrínseca da ação estatal.

Tratemos da situação do Brasil de hoje, sob a presidência do Capitão Bolsonaro. Ele é o poder? Claro que não. Tem um pequeno espaço de ação desde que não colida com quaisquer dos poderes dominantes.

Há homogeneidade nos poderes dominantes no Brasil? Outra redundante negativa. E para que possamos entender melhor esta complexidade vamos separar um poder, dos mais importantes em atuação: o sistema financeiro internacional que denominamos banca.

Ao se formar, no século XX, a nova estruturação da banca, esta buscava maior liberdade de ação e maior facilidade de fuga às tributações. A enorme soma de recursos advindos das crises do petróleo, nos anos 1970, inundara seus cofres com os “petrodólares”. E assim foram obtidas as desregulações em dois dos maiores centros financeiros: Nova Iorque e Londres. Os principais agentes destas facilidades foram a Primeira Ministra do Reino Unido (UK), Margaret Hilda Thatcher (1979-1990), e o Presidente dos Estados Unidos da América, Ronald Wilson Reagan (1981-1989).

Mas a banca foi surpreendida com o ingresso dos capitais ilícitos: o dinheiro das drogas e dos contrabandos. Na década 1990, estes testaram o sistema de paraísos fiscais e livres movimentações com a modesta soma de 4 trilhões de dólares estadunidenses (USD). Ficaram satisfeitos e partiram para a dominar, utilizando empresas de gestão de ativos, neste século XXI.

Temos a convicção que a denominada “crise de 2008/2010” foi parte da luta dos capitais tradicionais com o capital ilícito. Ambos atuam no Brasil e tem suas representações no Estado brasileiro.

Para se ter uma ideia do poder destas “gestoras de ativos”, a BlackRock, que tem o patrimônio atual na ordem de USD 7 trilhões (quase quatro vezes o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro) faturou, em 2017, US$ 12,5 bilhões. O Vanguard Group dispõe de US$ 5,6 trilhões em ativos sob sua gestão. A europeia Allianz Global Investors faturou no ano passado pouco mais de 2 bilhões de euros. As quatro maiores destas empresas tem patrimônio na mesma ordem do PIB estadunidense. Há, atualmente, cerca de uma centenas de gestoras de ativos com patrimônios superiores ao bilhão de dólares, cada.

A questão agora é: quem representa e quais são os interesses imediatos dessa banca? Como mencionamos a banca está com um segmento tradicional e outro ilícito. Como é óbvio não há um único representante.

Os capitais tradicionais querem, como todos rentistas, o maior e mais rápido resultado financeiro. Mas estes capitais estão também investindo em empresas produtivas e alterando seus objetivos, até então voltados para produção e conquista de mercados. Assim, ao lado da minimização de gastos representada pelas “reformas” trabalhistas, previdenciárias, redução dos orçamentos nas áreas sociais, de saúde e de educação, esta facção da banca quer a “privatização”, ou seja, a mudança de controle de empresas brasileiras para suas representantes estadunidenses ou europeias. Quem atua para estes interesses são, evidentemente, as instituições e gestores da área econômica, financeira e de empresas estatais. Este é um segmento do poder atual no Brasil.

Ainda na área da banca, há o interesse do capital ilícito. Este está associado ao esquema do tráfico internacional de drogas e contrabando de armas, pessoas e órgãos humanos no Brasil. As organizações criminosas brasileiras se articulam com suas correspondentes europeias (Ndrangheta) e israelenses (Clã Abergil), além de contar com a colaboração de parcela dos serviços secretos dos EUA (CIA) e de Israel (Mossad). Também estão envolvido neste esquema os sistemas policiais federal e estaduais, onde, dos últimos, os mais importantes são do Estado de São Paulo, onde atua o Primeiro Comando da Capital (PCC), e do Rio de Janeiro, com o Comando Vermelho (CV).

Na área institucional, o Ministério da Justiça, o Gabinete de Segurança Institucional e a Procuradoria Geral da República abrigam operadores das bancas.

Há igualmente o envolvimento de políticos que apoiam ou estão neste governo e também na oposição, sendo mais conhecidos pelos projetos de interesse da banca tradicional, projetos de privatizações e redução de direitos sociais e trabalhistas e pelos escândalos do tipo da “helicoca” e dos aviões apreendidos com drogas em fazendas paulistas e do Centro Oeste.

Na área da banca de capitais ilícitos há a participação de igrejas, principalmente as neopentecostais, que atuam em presídios e usam as facilidades tributárias e ausência de fiscalização financeira do Estado para “lavarem” o dinheiro das drogas.

Em ambas vertentes da banca, como é óbvio, há a participação do sistema bancário e financeiro nacional, protegido pelo Banco Central do Brasil.

Não menos importante, como poder no Brasil, está o interesse econômico e geopolítico dos EUA. Podemos inferir que no Ministério da Justiça, na Procuradoria Geral da República e em diversos setores do Judiciário, treinados pelo Departamento de Estado (US Department of State), que constantemente viajam para os EUA e frequentam seus órgãos de espionagem e de organização de golpes e insurreições em todo mundo, haja operadores deste interesse estrangeiro.

Pelo que podemos consolidar das informações existentes, o Poder no Brasil está repartido majoritariamente entre os dois grupamentos que constituem a banca e os EUA, quer pelo seu poder formal, pelo “deep state” estadunidense, quer por setores econômicos privados e suas fundações e centros de pesquisa.

E as Forças Armadas, perguntaria o leitor? E os controladores das mensagens?

É necessário saber que os representantes da banca, os ocupantes dos altos cargos da República, daqui e de muitos outros países, precisam ter algum comportamento ou ação passada que os deixem reféns destes poderes. Cabe colocar aqui nossa crença que o General Antônio Hamilton Martins Mourão, atual vice-presidente do Brasil, dificilmente ocupará a Presidência em caráter permanente. Porque todos estes órgãos de informação, nacionais e internacionais, nada encontraram que pudesse ser usado como chantagem, quer na vida pessoal quer profissional. Não tem o General Mourão esqueletos no armário, o que o difere da maioria dos ocupantes dos altos cargos do executivo, do legislativo e do judiciário.

Antes mesmo do golpe da banca, que definiu a sucessão do Presidente Ernesto Geisel (Geisel e o Golpe da Banca, Duplo Expresso, 18 e 25/05 e 01/06/2019), o pensamento colonizador do neoliberalismo se infiltrara na formação dos militares, a partir das Escolas de Comando e Estado Maior, em todas as armas.

As burlas da Nova República e da Constituição Cidadã de 1988 vieram reforçar os instrumentos para que a banca se apoderasse do Brasil e destruísse todo esforço científico, econômico, intelectual e cultural do povo nos 50 anos que vão da Revolução de 1930 ao fim do Governo do General Geisel.

Hoje, final de 2019, vemos a derrocada das últimas construções para o Estado Nacional Soberano.

Nas condições existentes desde meados do século XX, nenhum pais poderia ser soberano se não tivesse armas nucleares e dominasse e controlasse as comunicações virtuais e a fabricação de equipamentos de comunicação. Getúlio Vargas já propunha a bomba atômica brasileira, mas foi Geisel quem criou a Nuclebrás e celebrou o Acordo Nuclear com a Alemanha. Também foi o Presidente Geisel que fundou, em 18/06/1974, a Cobra – Computadores e Sistemas Brasileiros.

A tecnologia aeroespacial, outro importante instrumento para soberania, iniciada em 16/01/1950 com a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), completada com a fundação da Embraer, chegava a dispor, desde 01/03/1983, do Centro de Lançamento de foguetes, em Alcântara (MA). Ao lado da Eletrobrás, de Itaipu, da Petrobrás, da Embrapa, o Brasil lançava suas bases para que o poder nacional residisse em território brasileiro.

E as Forças Armadas (FA)? Não é simples para o civil entender o processo de formação militar. A disciplina e a obediência tem um valor maior do que o próprio preparo técnico. Pedimos ao caro leitor que imagine um cenário de combate onde um major ou um capitão resolva analisar ou se interrogar sobre a qualidade ou efetividade da ordem recebida do coronel. A batalha já estará perdida. Ou, inversamente, um general que não confie que sua diretriz será adotada pelo coronel ou pelo major. Estará estabelecido o caos naquela unidade militar.

Temos, na história do Brasil, dois momentos em que um Presidente Militar preferiu adotar as soluções do interesse da maioria de seu estamento do que o seu individual, e foi muito desastroso para o País.

Marechal Floriano Peixoto deixou que os interesses da agricultura de exportação, na época a cafeicultura majoritariamente paulista, impusessem os rumos da iniciante República. Tivemos, no mínimo, 30 anos de atraso no processo de industrialização e desenvolvimento cultural brasileiro.

O General Geisel, ao aceitar ser sucedido pelo General Figueiredo, deixou a banca se apossar do governo, como ficou demonstrado pela “reforma” da área de informática, um dos pilares da atual dominação estrangeira.

Passemos ao controle das mensagens.

Vivemos a denominada guerra híbrida que além do componente bélico é um novo modelo colonizador. Ao lado da potência militar, que se manifesta pela construção e uso de artefatos nucleares, temos a produção e controle das mensagens.

Na batalha das mensagens identificamos duas ações:

  a) a separação do suporte das semânticas, podendo estas últimas serem muitas e com compreensões até opostas; e

  b) a invasão de mensagens, tal proliferação que confunda o receptor e até, pelo conhecido efeito da redundância, o instrumentalize. Nesta ação são comuns o uso de robôs, espalhados pelo mundo e concentrados num só objetivo.

Caso muito conhecido é o da Cambridge Analytica (UK), propriedade da família Robert Mercer, que, após a falência, foi repartida em CA Political e CA Commercial. Nela atuou Stephen Kevin (Steve) Bannon, que ficou conhecido pela participação na eleição de Donald Trump e, se noticia, também ter atuado na eleição de Bolsonaro.

Na produção de mensagens há uma série de instituições envolvidas pela necessidade de conhecimentos técnicos de informática e eletrônica e de conhecimentos psicossociais, históricos e políticos. Também, por se tratar de manipulações probabilísticas, quanto maior for a disponibilidade e diversidade de dados, mais precisa será a mensagem em relação ao objetivo desejado.

O controlador das mensagens, ou é um organismo estatal, capaz de manter tantas e tais diversificadas atividades coordenadas para defesa nacional, ou um poderoso ente privado, com a fortuna de um gestor de ativos, que empregue estes recursos para dominação de países e instituições públicas.

Neste contexto não há que se tratar de democracia, entendida como processo de expressão popular, pois o controle das mensagens deturpa qualquer manifestação que busque conhecer a vontade do povo, em qualquer grupo social.

Ainda no campo das mensagens há um conhecido fator psicossocial que é modulador da cognição. Em inglês chama-se “pattern” que é uma espécie de invólucro que uma pessoa ou grupo restrito tem à mente diante de um estímulo – visual, sonoro, olfativo etc.

Certamente o caro leitor já disse ou ouviu falar que tal música lembra um doce, um evento, um lugar. Com este conhecimento, os produtores de mensagem podem ser ainda mais precisos para obterem uma reação de ódio, por exemplo. E este leitor virá certamente com a pergunta: como podem saber?

Ora, com a frequência aos sites de relacionamento e comunicação como o facebook, o twitter, o instagram e tantos outros; e até pelo uso de cartões de crédito as pessoas ficam cada vez mais vulneráveis. E não só individualmente, como em grupos, pertencendo a associações esportivas, profissionais e políticas.

Muitos artigos bem escritos, fundamentados e honestos, apontam o sistema financeiro internacional, a banca, como mal maior para a civilização e a democracia. Sem dúvida, é a fonte dos males neste século XXI. Mas é preciso entender que a banca não atua sozinha, ela age como um banco de fomento para a extinção do Estado e da própria raça humana.

Ela, como já vimos, inclui, por exemplo, o capital do tráfico de drogas. Este setor movimenta enormes quantias à vista; são bilhões de dólares que estão circulando em igrejas e meios de comunicação, com mensagens produzidas nestas centrais multidisciplinares.

É muita ingenuidade imaginar que qualquer partido político, nos hemisférios norte ou sul deste mundo ocidental, tenha mínima parcela de poder confrontado com o que uma BlackRock dispõe. E, assim, voltamos ao início destas reflexões: o poder atua nas sombras.

O caro leitor não pode mais se iludir. Nem é a esquerda nem é a direita as responsáveis e origem da vida miserável e insegura que se encontra nosso povo. A banca não tem este tipo de vinculação. Ela estava com o socialismo, na França, com o ecologismo nórdico, com o sistema industrial-militar estadunidense, com FHC, Lula e Bolsonaro.

É a banca, nas suas vertentes, e os controladores da mensagem que devemos combater. Ninguém que não seja um Estado Nacional Soberano terá condições econômicas e técnicas para enfrentá-los. Qualquer outra divergência jamais terá solução sem que se tenha, em primeiro lugar, a existência de um Estado Nacional Soberano, nem democracia, nem assistência social, nem o meio ambiente ou qualquer identitarismo sobreviverá num país onde o poder esteja com as bancas e os controladores de mensagens.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

Publicado no Duplo Expresso, em 14/12/2019.