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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 3 de agosto de 2021

MPF reitera posicionamento contrário à concessão de aposentadoria voluntária a desembargadora

Terça, 3 de agosto de 2021

Do MPF

Ilona Reis é investigada na Operação Faroeste por fazer parte de organização criminosa; magistrada é acusada de venda de sentenças


No recurso, a defesa da magistrada afirma, entre outros pontos, que a decisão do STJ viola a Constituição, no que se refere ao respeito ao direito adquirido. Argumenta, ainda, que a questão sobre a aposentadoria deve ser enfrentada exclusivamente pelo TJBA, e refuta a alegação apresentada pelo MPF de que o caso se insere na aplicação análoga do art. 27 da Resolução 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo fato deste comando normativo preservar a apuração em si da falta disciplinar e não “um eventual e remoto efeito secundário da condenação”.
O Ministério Público Federal (MPF) reiterou as razões pelas quais deve ser mantido suspenso o processo de aposentadoria voluntária da desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Ilona Reis. A manifestação do órgão foi em parecer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta segunda-feira (2), após a magistrada entrar com recurso buscando a cassação da medida cautelar deferida monocraticamente, depois de pedido do MPF. Reis integra a organização criminosa que está sendo investigada no âmbito da Operação Faroeste, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro por meio da compra de decisões judiciais no TJBA.

Na avaliação da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que assina o parecer ministerial, a decisão deve ser mantida, principalmente, em razão de comprometimento da possível sanção penal de perda do cargo público, caso seja aceita a aposentadoria voluntária. “Em que pese o deferimento de eventual pedido de aposentadoria se encontre no âmbito da competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, não se pode olvidar que sua concessão, neste momento da persecução penal, frustraria os efeitos futuros da medida de afastamento que se encontra em vigor, no caso de superveniência de sentença condenatória”, esclarece.

Segundo o MPF, o Código Penal não contempla a cassação de aposentadoria como efeito de sentença penal condenatória. Nos casos em que o benefício seja concedido no curso da ação, é impossível que uma sentença futura declare a perda do cargo público para efeito da condenação. Nesse sentido, Lindôra Araújo destaca que, segundo a própria jurisprudência reconhecida do STJ, a concessão de aposentadoria posteriormente à prática do crime de natureza funcional impede a perda do cargo público como sanção, “possibilitando, por consequência, que o servidor, mesmo definitivamente condenado pelo crime funcional, aufira os proventos previdenciários oriundos do cargo por meio do qual a infração penal fora praticada”.

A subprocuradora-geral também reiterou que o caso concreto tem, sim, incidência analógica ao disposto no art. 27 da Resolução 135/2011 do CNJ, de forma que não se deve conceder aposentadoria voluntária a magistrado afastado cautelarmente de suas funções, por decisão proferida em procedimento criminal. “Nesse ponto, conforme bem consignou a decisão agravada que seria juridicamente incoerente vedar a aposentadoria voluntária ao magistrado que responde a processo administrativo disciplinar (a minori), mas permiti-la àquele que responde a processo criminal (ad maius)”, afirma.

Poder de cautela – No agravo, a defesa da desembargadora investigada sustentou, ainda, ser inadmissível a aplicação do poder geral de cautela do magistrado no âmbito processual penal, sob pena de violação do princípio da legalidade. Contrário a essa hipótese, o parecer do MPF esclarece que “os argumentos estão destituídos de amparo fático e legal”, sendo que tal poder para a decretação de medidas cautelares consideradas atípicas está de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

Ao analisar o disposto na Constituição Federal, o MPF entende que a concessão ao magistrado dos poderes necessários para evitar que o provimento jurisdicional final perca sua utilidade está fundamentada no art. 5º inciso XXXV, o qual determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. “Não faria sentido que a Constituição, por um lado, conferisse ao acesso à via judicial status de direito fundamental e, por outro, permitisse que a solução oferecida pelo provimento jurisdicional fosse inócua dada a impossibilidade de assegurá-la com medidas cautelares”, salienta Lindôra Araújo.

A subprocuradora-geral ainda esclarece que o poder geral de cautela em matéria penal está alicerçado no princípio da vedação à proteção estatal insuficiente de direitos fundamentais, sendo “dever do Estado restaurar a ordem jurídica violada pela prática de crimes” e tendo o Poder Judiciário que fazê-lo por meios adequados e suficientes. Segundo Lindôra Araújo, este é o mesmo entendimento dos tribunais superiores.

Íntegra das contrarrazões em agravo regimental na AP 986/DF