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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Líder comunitário histórico do Gama viu a cidade nascer

Segunda, 24 de janeiro de 2022


Por Juan Ricthelly

Feliz a comunidade que tem Antônio Gomes Formiga como uma de suas lideranças, felizmente o Gama é essa comunidade!

Seu Formiga é inegavelmente parte da história de Brasília e especialmente do Gama... Em 1958, um jovem paraibano de 20 anos chegava no que viria ser a futura capital do país, para trabalhar em sua construção, encantado com a promessa do Eldorado do Planalto Central, que promoveu um dos maiores deslocamentos de pessoas na história do Brasil.

Chegou só, vindo da cidade de Nazaré-PB, deixando tudo o que havia vivido para trás, sem imaginar o que viria pela frente, é o segundo filho de uma prole de 14, que depois de um tempo também vieram morar em Brasília, trazidos com a sua ajuda.

Tinha intimidade com o serviço público, tendo em vista que aos 12 já trabalhava no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), ao chegar em Brasília, não demorou muito para se destacar e virar fiscal da NOVACAP, chegou a morar em Sobradinho onde teve uma casa, morou na Vila Planalto, onde conheceu sua esposa em 1960, com quem teve 3 filhos, 6 netos, 1 bisneto e 62 anos de casamento.

Da Vila Planalto veio para o Gama no fatídico ano de 1964, tendo trabalhado na construção da cidade 4 anos antes. Em 66 se estabeleceu na Quadra 30 do Setor Oeste, onde está até hoje, lembrando com um brilho no olhar de tudo o que viveu por aqui.

“Eu me apaixonei pelo Gama, aqui era tudo muito bonito, brotava água por todo canto, um horizonte lindo, o Gama era uma mata verde, era tudo mato...”

Seu Formiga viu nossa cidade nascer, ajudou no parto e acompanhou com carinho todas as mudanças e transformações que aconteceram desde então, lembra de detalhes que muitos de nós que chegamos depois não fazemos a mínima ideia. Sabe de onde saímos e as dificuldades que passamos para chegar onde estamos, conheceu pessoalmente o arquiteto Paulo Hungria, que desenhou a proposta urbanística da nossa cidade, frequentou o primeiro hospital que tivemos, que era de madeira e localizado na Quadra 15 do Setor Oeste.

“Onde hoje é aquele parquinho do Setor Leste, era uma rodoviária de madeira e tínhamos que sair a pé daqui pra lá, pra pegar ônibus.

No começo, o Setor Sul era chamado de Vila São João ou Vila Sarrafo, e ajudei a estabelecer as famílias que vieram da Vila Planalto lá. Como eu trabalhava na Novacap conhecia bem o pessoal das empresas, e conseguia muita doação de madeira para ajudar na construção das casas.

O Setor Oeste era conhecido como Gaminha e a quadra 15 do Leste foi uma das primeiras a serem construídas, lembro que o nome da construtora era Costa Leite.”

Essas foram algumas de suas memórias compartilhadas conosco, e acho importante registrar, pois é parte da nossa história.

Outro aspecto que me encantou profundamente em nossa conversa, foi a força do senso de comunidade presente nesse senhor de 83 anos, onde pude captar alguns elementos importantes que podem se interpretados como lições essenciais da política comunitária, sendo eles: a solidariedade que deve existir entre os atores comunitários; a união em busca dos interesses comuns e do bem comum; a iniciativa da comunidade em se assumir como protagonista de suas lutas, soluções e problemas; e principalmente a capacidade de sonhar e se mover em busca desses mesmos sonhos.

“Eu lembro que um dia, antes de vir pra Brasília, estava debaixo de um pé de Juazeiro descansando na sombra com outros rapazes, e eu disse que ia vir pra cá, e que eu ia trabalhar com o Presidente da República, todo mundo riu da minha cara, e alguns até disseram que eu estava doido... Eu vim! E trabalhei não com um, mas com quatro presidentes da república. Eu sonhei e vim atrás do meu sonho, e ele foi maior do que eu sonhei.”

Não parou por aí, ainda lembrou da luta e de toda a mobilização que fez com figuras políticas de nível nacional e com a comunidade, para garantir o direito ao voto à população do Distrito Federal.

Não sei se vocês sabem, mas até 1986 o DF não tinha representantes no Congresso Nacional, a nossa primeira legislatura da CLDF é de 1990 e somente em 1991 pudemos eleger o nosso primeiro governador, que antes era indicação do Presidente da República.

E Seu Formiga, nosso querido e amado líder comunitário esteve na linha de frente dessa luta, chegando a receber o reconhecimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em razão disso, o conjunto de todo o seu trabalho incansável o elevou à condição de ser reconhecido como Cidadão Honorário de Brasília.

A quadra onde ele mora é reconhecida como a mais bela de nossa cidade, e obviamente, ele é um dos responsáveis por esse feito, junto com o Seu João Porcino, também morador da Quadra 30, que é um exemplo do que toda a nossa cidade poderia e deveria ser, arborizada, verde, com paisagismo, os becos urbanizados com calçadas, iluminação e trânsito livre para pedestres, atendendo à proposta urbanística original, que sofreu uma de suas maiores violações no Governo Arruda, em nome de interesses corporativistas, quando diversos becos foram fechados e convertidos em lotes para policiais militares, enquanto a ausência de política habitacional é desde sempre uma problema de toda a sociedade.

Me considero um amigo e um grande admirador desse grande homem, que é uma das minhas referências de líder e político comunitário, que durante a conversa que originou esse artigo, mais uma vez me deu uma verdadeira aula de história, política e vida.

É um pedaço vivo e poderoso da história da nossa cidade, que muito lhe deve por tudo o que fez ao longo de sua vida.

Obrigado Seu Formiga!