Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 16 de janeiro de 2022

Nara, Dilma, o mar, mulheres que nunca foram Amélias

Domingo, 16 de janeiro de 202




Neste fim de semana de verão carioca que teve metade do janeiro de chuvas, eis que duas mulheres, surpreendem, como é seu feitio, se não a província, ex-capital mas, definitivamente, o país do carnaval, na cidade berço da bossa nova.

Nara Leão que estaria completando 80 anos, vem até nós numa produção perfeita e emocionante sobre sua brilhante carreira de cantora que desafiou padrões e seu comportamento livre de viver a vida e até enfrentar general.

Dilma surge nas águas do mar, o mesmo mar que inspirou os amigos de Nara, nos anos 60, e de onde o Brasil exportou a tal bossa Nova. É uma senhora com filha e netos a se banhar nas águas aparentemente mansas, mas já enfrentou torturas e quiçá repressão fardada em momentos de maré braba.

Nada disso é segredo. Dilma presidiu o Brasil e foi golpeada. Nara era a tal pobre menina rica e se aventurou até a cantar com os compositores do morro. Viveu as críticas mas nunca se intimidou. Pra completar, o cronista Joaquim Ferreira dos Santos publicou artigo maravilhoso sobre a musa Nara, dizendo o quanto ela era a mulher de verdade. Sim, aquela Amelia alardeada pela letra machista, em irônica gozação do comunista Mário Lago, a tal mulher de verdade, cujos méritos se limitavam ao labor doméstico e ao seu posto de serviçal que jamais reclamaria de seu companheiro e muito menos de um estado repressivo ou um movimento golpista fosse de origem militar ou não.

Pois não é que Dilma e Nara se encontraram no mar e fico imaginando o grau de cronologia que o destino feminino busca por estas plagas acometidas ultimamente por tantos revezes, justamente quando é dia de luz onde as trevas ameaçam imperar? Pra mim, é uma conspiração do universo fêmeo luminoso. A série que assisti ontem e hoje tem cinco capítulos e me emocionou muito. Quanto a figura da ex-presidente na praia me trouxe o inquieto estado de observação do quanto a coragem pode ser nossa aliada na exposição de corpos, vozes ou idéias. As verdadeiras Amélias se mostram e enfrentam generais. Apesar dos índices de feminicídios, nossas artistas e políticas, mães e filhas, avós e netas, escrevem histórias nos mares em que seguimos navegando. Um viva a cada brasileira que luta para sobreviver e proteger sua família. Cida Torneros

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Cida Torneros é jornalista aposentada e edita no Rio de Janeiro o Blog Vou de Bolinhas.