Neste fim de semana de verão carioca que teve metade do janeiro de chuvas, eis que duas mulheres, surpreendem, como é seu feitio, se não a província, ex-capital mas, definitivamente, o país do carnaval, na cidade berço da bossa nova.
Nara Leão que estaria completando 80 anos, vem até nós numa produção perfeita e emocionante sobre sua brilhante carreira de cantora que desafiou padrões e seu comportamento livre de viver a vida e até enfrentar general.
Dilma surge nas águas do mar, o mesmo mar que inspirou os amigos de Nara, nos anos 60, e de onde o Brasil exportou a tal bossa Nova. É uma senhora com filha e netos a se banhar nas águas aparentemente mansas, mas já enfrentou torturas e quiçá repressão fardada em momentos de maré braba.
Nada disso é segredo. Dilma presidiu o Brasil e foi golpeada. Nara era a tal pobre menina rica e se aventurou até a cantar com os compositores do morro. Viveu as críticas mas nunca se intimidou. Pra completar, o cronista Joaquim Ferreira dos Santos publicou artigo maravilhoso sobre a musa Nara, dizendo o quanto ela era a mulher de verdade. Sim, aquela Amelia alardeada pela letra machista, em irônica gozação do comunista Mário Lago, a tal mulher de verdade, cujos méritos se limitavam ao labor doméstico e ao seu posto de serviçal que jamais reclamaria de seu companheiro e muito menos de um estado repressivo ou um movimento golpista fosse de origem militar ou não.
Pois não é que Dilma e Nara se encontraram no mar e fico imaginando o grau de cronologia que o destino feminino busca por estas plagas acometidas ultimamente por tantos revezes, justamente quando é dia de luz onde as trevas ameaçam imperar? Pra mim, é uma conspiração do universo fêmeo luminoso. A série que assisti ontem e hoje tem cinco capítulos e me emocionou muito. Quanto a figura da ex-presidente na praia me trouxe o inquieto estado de observação do quanto a coragem pode ser nossa aliada na exposição de corpos, vozes ou idéias. As verdadeiras Amélias se mostram e enfrentam generais. Apesar dos índices de feminicídios, nossas artistas e políticas, mães e filhas, avós e netas, escrevem histórias nos mares em que seguimos navegando. Um viva a cada brasileira que luta para sobreviver e proteger sua família. Cida Torneros
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Cida Torneros é jornalista aposentada e edita no Rio de Janeiro o Blog Vou de Bolinhas.