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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 6 de abril de 2022

DIREITOS DO CIDADÃO —STJ acolhe parecer do MPF e assegura medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha a mulher transexual

Quarta, 6 abril de 202
                                             Arte- Secom/MPF

     
Segundo Sexta Turma, proteção garantida na norma refere-se às violências sofridas em razão do gênero, o que ultrapassa aspecto biológico

Em decisão unânime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, nesta terça-feira (5), que os mecanismos de proteção contra a violência doméstica e familiar previstos na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) são igualmente assegurados às mulheres transgêneros e transexuais, independentemente da cirurgia de transgenitalização. O entendimento seguiu parecer do Ministério Público Federal (MPF) no Recurso Especial (Resp) 1.977.124. Para o órgão ministerial, a proteção trazida pela norma ultrapassa o aspecto biológico e refere-se, essencialmente, à identidade de gênero.

A decisão do colegiado foi tomada em recurso especial apresentado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) contra acórdão do Tribunal de Justiça paulista (TJSP), que negou a concessão de medidas protetivas requeridas por uma mulher transexual agredida pelo pai. Segundo o TJSP, a Lei Maria da Penha somente poderia ser aplicada em casos de violência contra pessoas do sexo feminino, levando-se em consideração exclusivamente o aspecto biológico e sexual. Para o MPF, tal interpretação viola direitos fundamentais e contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em sustentação oral, a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge reiterou que a própria lei estabelece, no seu artigo 5º, que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Citando parecer da subprocuradora-geral Mônica Nicida, que atuou no autos do processo, Dodge explicou que, enquanto o conceito de sexo se restringe a aspectos biológicos, o termo gênero, utilizado na lei, diz respeito a um conjunto de características e construções sociais, relacionadas aos papéis atribuídos a cada grupo.

Ainda reforçando o parecer do MPF, Dodge defendeu que, ao analisar o recurso especial, a Sexta Turma do STJ adotasse como referência o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, aprovado como recomendação para todo o Judiciário brasileiro pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A subprocuradora-geral esclareceu que, conforme o documento, questões como essa devem ser interpretadas levando-se em consideração o fator cultural, como propõe a manifestação do MPF. A compreensão baseia-se na jurisprudência do próprio STF, que já determinou que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero.

Vulnerabilidade – Raquel Dodge acrescentou que, ao examinar a origem da Lei Maria da Penha, percebe-se que a norma veio em socorro de pessoas agredidas no ambiente doméstico em razão do gênero, historicamente submetido a tratamento discriminatório e violento. Segundo ela, não há razão nenhuma para excluir as transexuais femininas do acesso à proteção das medidas garantidas pela legislação. “O transexual feminino ou a mulher transexual, independentemente de ter sido submetido a cirurgia de transgenitalização, deve estar sob a proteção da Lei Maria da Penha se a ação ou omissão que ela sofreu decorre dessa sua condição social”, frisou.

A subprocuradora-geral lembrou ainda que, frequentemente, as violações de direitos humanos decorrentes de orientação sexual ou identidade de gênero são agravadas por outras formas de violência, ódio, discriminação e exclusão. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), 175 pessoas trans foram mortas no Brasil somente em 2020, sendo todas travestis e mulheres transexuais. O número corresponde ao assassinato de uma pessoa trans a cada 48 horas. O parecer do MPF foi integralmente acolhido pelo relator do recurso especial, ministro Rogério Schietti, e pelos demais ministros da Sexta Turma do STJ.

Fonte: STJ