Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

ÁGUA EM EXCESSO PODE MATAR. E OS OUTROS EXCESSOS?

Sexta, 24 de novembro de 2023

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 24 de novembro de 2023

Circulou, no início do mês de novembro de 2023, a notícia da internação da atriz Brooke Shields, famosa pelo filme “A Lagoa Azul”, em função da ingestão excessiva de água. A celebridade americana, com 58 anos, foi internada em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) depois de episódios de desmaio e convulsão em um restaurante em Nova Iorque.

A atriz relatou ao Daily Mail, um tabloide britânico, que bebeu água em excesso, teve uma baixa na concentração de sódio no corpo e um desmaio. Por conta do desmaio, bateu com a cabeça em uma parede e teve uma convulsão.

“Brooke sofreu uma hiponatremia, uma intoxicação por excesso de água que leva as células a não conseguirem funcionar normalmente por falta de sódio. Sem o nutriente, as células incham e isso ocorre também no cérebro, o que gera pressão e leva aos desmaios e convulsões. Sem atendimento médico, o quadro pode ser fatal./Embora a atriz não tenha revelado quanta água bebeu, a recomendação é que não se consuma mais do que 1,4 litro de água por hora para não sobrecarregar os rins./É raro que a condição se manifeste de forma tão grave. No geral, o quadro acontece em idosos, mas com sintomas mais leves. ‘Esse tipo de convulsão é muito raro e nunca vi acontecer’, afirma o médico Stuart Fischer, em entrevista ao tabloide britânico./Em geral, o tratamento é feito com suplementação de sódio e uso de diuréticos até que o corpo volte ao seu equilíbrio químico” (fonte: metropoles.com).

Outra notícia recente foi veiculada com a seguinte manchete: “Mulher para em UTI após exagerar em exercício; médica explica riscos”. Consta que uma mulher de 25 anos foi hospitalizada, com sinais de rabdomiólise, após exagerar nas atividades físicas em uma aula de spinning.

A rabdomiólise “é uma doença causada por lesão de fibras musculares. A lesão da musculatura gera liberação de grande quantidade de uma proteína chamada mioglobina no sangue que pode levar à disfunção renal”. A explicação foi dada por Isabela Carballal, endocrinologista do Hospital Brasília Unidade Águas Claras, da rede Dasa (fonte: metropoles.com).

Segundo o relato de Kamila Rigobeli, a vítima referida na notícia, “… o caso ocorreu depois que ela foi fazer a aula de bike indoor pela primeira vez com uma amiga. Relata, ainda, que começou a sentir desconforto ainda durante o treino e que, três dias depois, não conseguia mais ficar em pé e começou a urinar um líquido preto. Ao procurar ajuda médica, precisou ser hospitalizada na UTI porque os níveis de toxina liberada pela lesão muscular eram altíssimos” (fonte: metropoles.com).

Também foi veiculada a notícia de que a “… atriz Thaina Chagas, de 24 anos, se apaixonou pela corrida, e o desejo de ir cada vez mais longe a fez se dedicar ao extremo. Treinando sem ajuda profissional e todos os dias, ela acabou ignorando as dores, se lesionou e ficou uma temporada na cadeira de rodas. ‘Achei que era uma dorzinha e fraturei as duas pernas’. Recuperada, ela usa as redes sociais para sensibilizar outras pessoas sobre a importância de reconhecer seus limites” (fonte: uol.com.br).

Conclui-se, portanto, que mesmo a água em excesso pode matar. Em outras palavras, algo aparentemente inofensivo, dependendo da quantidade consumida, pode levar ao evento extremo, com ocorrência de morte. O mesmo pode ser dito em relação aos exercícios físicos extremos.

O uso excessivo de água e a prática exagerada de atividades físicas suscitam a importante questão dos abusos em todas as áreas do convívio humano, notadamente em relação àqueles itens amplamente considerados inofensivos ou saudáveis.

O "caminho do meio" é uma conhecida abordagem filosófica que busca equilíbrio e ponderação em várias áreas da vida. Consiste, basicamente, em evitar excessos, exageros ou extremos. As vantagens das soluções intermediárias são destacadas sob vários ângulos diferentes.

O equilíbrio nos pensamentos e ações: a) afasta perigos de diversas naturezas; b) reduz a ocorrência de conflitos; c) aprimora as virtudes da compreensão e da tolerância; d) contribui para a estabilidade emocional, reduzindo oscilações significativas de humor; e) contribui para a tomada de decisões mais ajustadas às circunstâncias vivenciadas; f) permite identificar e avaliar os aspectos positivos e negativos de cada situação ou problema; g) beneficia a saúde mental e física e h) facilita o processo de evolução ou progresso pessoal, notadamente quanto ao autocontrole e à autocrítica.

O estoicismo, uma das mais ricas escolas filosóficas da Grécia antiga, notadamente por suas importantes contribuições para o enfrentamento das dificuldades práticas da vida, sustentava a existência de quatro grandes virtudes: a) sabedoria; b) coragem; c) justiça e d) temperança ou moderação. Essa última, a moderação, é justamente a qualidade que nos protege contra os extremos. É o “meio-termo” de Aristóteles. A virtude que está no meio, entre o excesso e a deficiência.

Para os estoicos, o verdadeiro caminho para a felicidade consiste em compreender que ninguém controla o mundo exterior. O que está sob controle é somente a forma de reagir ao que acontece no mundo. Os ingredientes fundamentais da resposta a cada desafio da vida externa são justamente as virtudes da sabedoria, coragem, justiça e moderação.

Portanto, o “caminho do meio” é intuitivamente o mais adequado. Esse acerto é reforçado quando reflexões racionais são realizadas e uma quantidade considerável de “vantagens” é constatada. Não custa lembrar o alerta da sabedoria popular: “Quem caminha pela beira flerta com o abismo”.