Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

ARGENTINA NEOLIBERAL E O PETRÓLEO BRASILEIRO

Quarta, 22 de novembro de 2023

Pedro Augusto Pinho*

 

A notícia da venda da YPF — Yacimientos Petrolíferos Fiscales, empresa criada em 1922, por Hipólito Yrigoyen, quebrando a sucessão de governantes do poder agropecuário argentino, excitou os mercados financeiros.


Javier Milei, o recém-eleito presidente da Argentina, declaradamente neoliberal, pretende transformar a Argentina na terra dos outros, sem soberania, sem projeto nacional, onde tudo e todos estão à venda em nome da “liberdade” (sic).


As menções à Argentina do século XIX, como meta a ser alcançada, nos dois primeiros discursos de Milei, bem demonstram o que aguarda os argentinos.


Porém não trataremos desta eleição e dos seus eleitores. Cuidaremos das perspectivas futuras e naquelas do interesse nacional brasileiro.


Esta frase ensejaria colocar a Petrobrás no rol dos eventuais candidatos à compra da YPF. Pode agradar a muitos em nosso País. Certamente passaram pelas cabeças de patriotas brasileiros, defensores da Petrobrás, que a querem vê-la, novamente, a grande empresa integrada de petróleo que o presidente Ernesto Geisel nos deixou.


Mas o mundo está em transformações. Aquele mundo unipolar, aético, que coloca o lucro como objetivo supremo está perdendo força a olhos vistos.


Perde o poder militar para a Federação Russa, como se observa claramente na investida dos Estados Unidos da América (EUA), fantasiado de Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Ucrânia.


Esta força da OTAN-EUA será doravante designada Ocidental.


Perde também o Ocidente, dos controles econômico-financeiros constituídos após a II Grande Guerra pelos acordos de Bretton Woods (1944): Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (WB, na sigla em inglês). O mundo então constituído era assimétrico, e tinha o título de “livre”. A globalização se estabelecia com o sistema econômico liberal e a redução de barreiras ao comércio internacional, no pressuposto de um duradouro desenvolvimento econômico. Qualquer semelhança com o “Consenso” de Washington (1989), não é mera coincidência.


Mas como o mundo cresceu nestes “anos gloriosos”? Por que encontrou governantes nacionalistas, competentes, capazes de colocar seus recursos a serviço do país, como Getúlio Vargas e Ernesto Geisel, Perón, De Gaulle, Nasser, Mao Tse Tung, Boumédiène, Sukarno e outros, uns mais outros menos autoritários, mas todos incapazes de assinar o pacto colonial do “Consenso” de Washington.


Nesta terceira década do século XXI, este neoliberalismo mostra seu desespero. Perde na guerra, onde sempre se fez valer, perde na economia, mesmo dominando organismos internacionais, só não perde na comunicação.


Na comunicação o neoliberalismo detém o controle desde a edição dos livros de alfabetização até a mais especializada publicação de tecnologia, do jornal de bairro ao líder de vendas nos EUA, Reino Unido, França, e, sobretudo, em tudo que importa ao sistema digital de comunicação, a seu hardware (celular, notebook) e software.


Nas imagens da multidão que aplaudia Milei, todos ou a quase totalidade das pessoas exibiam celulares na mão. É o instrumento de anestesia, do estreitamento cognitivo, da formação de gado feliz caminhando para o matadouro.


Porém a resposta já está em avançado processo de construção: o mundo multipolar, com os princípios da antiga Rota da Seda.


O que foi a Rota da Seda?


O desenvolvimento da China é pouco conhecido no Ocidente. No entanto, está em sua avançada tecnologia a expansão da Europa pela África e a chegada dos europeus às Américas. A bússola, o papel, a impressão, a pólvora, o macarrão, o sorvete, o carrinho de mão são algumas das invenções chinesas que se espalharam pelo mundo.


Porém, é muito relevante se notar, que este saber e sua numerosa população não saíram das fronteiras chinesas para conquistar o mundo, como os europeus o fizeram. Quando se deu a expansão oriental foi sob o domínio mongol, que governou inclusive a China.


A Rota da Seda foi o caminho do comércio, com animais de carga, desde o século I antes da Era Cristã até, aproximadamente, o século XII depois de Cristo. Formaram diversas rotas, a partir de Cantão (Guangzhou) até Damasco, pelo norte, onde encontra a rota por Cochin (Munnar), na Índia, pelo sul, esta passando por Áden e Tiro. De Damasco chegam a Roma. E de Áden a Mombaça (Quênia).


E todos ganharam. O Presidente Xi Jin Ping, grande estadista deste século, reviveu a Rota da Seda com a denominação de Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, em inglês), que completa 10 anos, em 2023.


A Organização das Nações Unidas (ONU) tem 193 países-membros. A BRI envolve acordos com 150 países.


REFLEXÃO INDISPENSÁVEL


Lao Zi (571 a.C.) é dos mais antigos pensadores do mundo; contemporâneo de Pitágoras (580 a.C.). Dele extraímos a seguinte máxima: a água beneficia mil coisas sem jamais disputar com elas (“Tao Te Jing”, capítulo 8).


Assim pensa a China, o comércio. Atende a quem tem e a quem precisa, sem que nisso se estabeleça qualquer dependência ou subordinação. Parece difícil a nós, ocidentais, educados por quatro séculos no liberalismo, que haja este respeito humano. Porém a China, mesmo sofrendo o “século das humilhações”, manteve-se resiliente, seguindo os princípios de Confúcio, Lao Zi e Mêncio.


“Tao Te Jing” poderia ser traduzido por “Conhecimentos/Escritos sobre o Caminho e a Virtude”, ou “o saber que leva à verdade apenas terá valor se houver dignidade”.


O neoliberalismo é o antônimo, exatamente o contrário dessa reflexão, pois o importante é o lucro, não importa como obtê-lo, daí a incorporação dos capitais marginais, das drogas, do tráfico de pessoas, da prostituição, dos crimes, subornos e chantagens no capital globalizado dos “gestores de ativos”. Acaso um empregado do BlackRock, Vanguard, State Street, J.P. Morgan ou similar irá perguntar ao outro empregado que leva as malas de dinheiro para aplicar num fundo, cheio de buracos, a origem do dinheiro?


A PETROBRÁS DEVE COMPRAR A YPF?


O mundo em construção é o mundo multipolar, do comércio de bens, de serviços, de esforços conjuntos para superar obstáculos.


Não é um mundo possível de construir sem o respeito aos parceiros, aos vendedores e compradores, aos que detém e os que precisam de tecnologias. É um mundo das nacionalidades.


Este é o investimento exitoso que a República Popular da China vem construindo e agregando outros países.


A soberania é indispensável para que haja cidadania e capacidade de ser coerente e altivo nas relações internacionais.


O Brasil não pertence à Iniciativa do Cinturão e Rota porque, desde 1980, não teve um governante capaz de dar o novo grito de independência como o fez Vargas, em 1930.


Comprar a YPF poderia ser um ótimo negócio, mas trairia a construção do mundo multipolar, que os BRICS também pretendem com as inclusões aprovadas na última reunião e em análise para as próximas. Os BRICS+ com o BRI são a melhor aposta da humanidade no seu futuro com paz e prosperidade.

 

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.


*Transcrito do jornal Brasil Popular (21/11/2023).