Quinta, 14 de março de 2012
De "Rumos do Brasil"Por Paulo Metri*
Recentemente, o
ex-ministro Delfim Netto escreveu em um artigo na Carta Capital de
29/2/12: “…, a mídia internacional já incluiu na pauta (da próxima
visita da presidente Dilma aos Estados Unidos) o interesse americano de
discutir parcerias na área energética, com destaque para as
oportunidades de exploração do petróleo e gás das jazidas do pré-sal…”.
Segundo notícia recente do jornal Valor, o BNDES irá financiar US$
1,8 bilhão para a Brittish Petroleum (BP) explorar petróleo no pré-sal.
Desta forma, tenho medo de que o interesse estadunidense em parcerias na
área do pré-sal, citado por Delfim Neto, consista de petróleo no
subsolo da nação brasileira, financiamento do BNDES, renúncia fiscal do
governo brasileiro, tecnologia da Petrobras, plataformas de estaleiros
do exterior, petróleo produzido e lucro das empresas petrolíferas
estrangeiras, e migalhas de royalty ao país, estados e municípios.
A jornalista responsável pela matéria do Valor acrescentou
corajosamente o seguinte trecho: “O BP Group espera que os termos
definitivos do acordo relativo ao financiamento de 14 anos com o BNDES
sejam firmados no segundo trimestre. Todo esse petróleo será extraído
nas regras antigas do governo FHC, que cobram na média menos de 5% por
petróleo extraído (naquelas regras, se o poço tira menos de 90 mil
barris/dia não paga praticamente nada) e 90 mil barris/dia é um
mega-poço.”
A lei 9.478 da era FHC, dentre os inúmeros prejuízos causados a nossa
sociedade, além do já citado, permite a renúncia fiscal por parte do
governo brasileiro para as petrolíferas desenvolverem tecnologia. É de
se estranhar que o Brasil, com o alegado déficit na Previdência e as
enormes carências no atendimento da Saúde e da Educação para a
sociedade, por exemplo, venha a abrir mão destes recursos para ajudar
empresas bilionárias, com enormes centros de pesquisa nos seus países de
origem, a ter maiores lucros. O déficit da Previdência só existe na
hora dos cortes orçamentários?
O REPETRO, um regime especial de tributação para o setor de petróleo,
criado na mesma época e partindo dos mesmos princípios da lei 9.478,
acrescido de decisões erradas do CONFAZ (Conselho Nacional de Política
Fazendária), compõe o maior absurdo que se pode imaginar em política
industrial, qual seja, o produto nacional pagar mais imposto que o
produto estrangeiro. Assim, conseguiram que o Brasil fosse o único país
do mundo que penaliza sua produção e incentiva a importação. Desta
forma, o REPETRO e as específicas decisões do CONFAZ precisam ser
extintos.
Cabe ainda contar que o destino pregou uma peça nos arquitetos do
modelo neoliberal deste setor, introduzido nos anos 1990. Eles esperavam
que as petrolíferas estrangeiras arrematassem grande número de blocos
desde o primeiro leilão e, por isso, renúncias fiscais foram
providenciadas.
Acontece que quem arrematou muitos blocos, sozinha ou associada, foi a
Petrobras. Assim, esta empresa foi a maior beneficiária do REPETRO, em
um momento em que precisava de muitos recursos para poder participar dos
leilões com chance de vencer. Mas isso não pode ocorrer às custas das
empresas nacionais.
É grande o número de empréstimos do BNDES a empresas estrangeiras de
diversos setores, o que, só em situações específicas, pode ser
recomendável. Por exemplo, se certo produto indispensável para a
expansão de outros setores só pode ser fabricado por uma subsidiária
estrangeira, que detém a sua tecnologia de produção, e tal subsidiária
alega necessitar de financiamento, configura-se, assim, uma possível
exceção.
Não existe técnico ou dirigente dos diversos órgãos deste país que
não saiba o que é soberania nacional e a sua importância para um real
desenvolvimento do país. Falo do grande salto, não do aproveitamento de
fase passageira, quando produtos primários estão valorizados no mercado
internacional. O que é realmente relevante é não se ter uma visão errada
da nossa economia como sendo acessória das economias centrais. Quando o
BNDES empresta recursos para empresas estrangeiras, não operantes em
gargalos ou sem trazer o último avanço tecnológico, é porque está
sofrendo do complexo de yorkshire. Quem sofre desta doença apóia, sem
pestanejar, o que os países desenvolvidos mandam os em desenvolvimento
fazer.
Estranho ainda existirem adeptos da economia dependente como o
correto caminho para o desenvolvimento, apesar dos retumbantes fracassos
da tese no laboratório mundial, hoje e em passado recente. Por outro
lado, existem também os de mau caráter, que obtêm compensações
lucrativas ao recomendarem para a sociedade, representando o papel de
especialistas em economia ou de políticos bem intencionados, esta tese
tão prejudicial.
Após algumas décadas de domínio estrangeiro sobre nossa mídia, a
confusão nos cidadãos é compreensível. Um deles perguntou para mim,
usando os reflexos a que fora condicionado: “O fato de termos grande
participação de empresas estrangeiras na economia brasileira pode não
ser um erro. Elas investem aqui, pagam impostos, geram empregos etc.” Em
respeito ao seu desejo de entender com uso da racionalidade, fiz
algumas observações, mostradas a seguir, sobre esta afirmação.
Claro que é melhor uma subsidiária estrangeira produzir determinado
produto no Brasil do que o mercado interno ser suprido pela importação
do mesmo. Entretanto, melhor seria se existisse uma empresa de capital
nacional produzindo tal produto no Brasil, porque iria encomendar
engenharia e desenvolvimentos tecnológicos no país, comprar bens e
contratar serviços também no país. Ou seja, quem mais compra, contrata e
conseqüentemente emprega pessoas no Brasil são as empresas genuinamente
nacionais. Além disso, as empresas estrangeiras remetem seus lucros
obtidos no Brasil para o exterior, necessariamente.
Neste instante, o interlocutor retornou com nova argumentação:
“Então, o erro é das agências reguladoras que não cumprem o papel de
exigir que os interesses da nossa sociedade sejam atendidos. Elas
poderiam exigir compras e contratações locais etc.” Lembrei a ele que a
empresa genuinamente nacional tende a fazer tudo isso sem precisar de
coerção e as empresas estrangeiras são entidades politicamente mais
poderosas que as próprias agências, principalmente em países com baixo
índice de politização.
Deve-se lembrar que para ocupar cargos de direção das agências são
acolhidas em geral indicações feitas pelos próprios agentes econômicos a
serem regulados, seguindo acordos políticos de longa data. O poder
eleitoral de grupos econômicos não pode ser esquecido e,
conseqüentemente, sua influência junto ao governo eleito. Assim, as
agências reguladoras, com algumas exceções, são órgãos que visam mais
garantir a lucratividade dos agentes econômicos do que os interesses da
sociedade.
Hoje, não se consegue que as empresas de setores extremamente
lucrativos não mais usufruam renúncias fiscais ou benefícios de créditos
governamentais, o que diminuiria os seus lucros. Não se consegue
paralisar os leilões da ANP, apesar de serem extremamente danosos, por
todas as razões exaustivamente expostas neste fórum. O arcabouço legal
que permitiu a criação de déficits de soberania, a partir da década
neoliberal (anos 1990), não foi ainda desarticulado. Em um passo
seguinte, este déficit se transforma na piora da qualidade de vida do
brasileiro.
Aproveito para resgatar o prestígio do vira-lata, raça imprecisa, mas
inteligente e feliz, que tanta alegria traz para seu dono. O comumente
citado “complexo de vira-lata”, com todo respeito ao Nelson Rodrigues,
não condiz com a realidade, uma vez que esta raça não é inferior, se
considerarmos como critério de julgamento a felicidade do seu dono e a
sua própria. Contudo, o complexo de yorkshire, sim, nos inferioriza e
deprime.