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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Uma proposta inteligente

Terça, 11 de setembro de 2012
Por Ivan de Carvalho
De onde menos se espera às vezes é que vem.
            
Temos um Ministério da Saúde, 26 secretarias de saúde estaduais e a secretaria de saúde do Distrito Federal, centenas de secretarias e serviços de saúde municipais, escolas de medicina em muitas universidades federais, estaduais e municipais e centenas de hospitais públicos e privados. Muitas dessas instituições lidam com pesquisas médicas. Além disso, há um Conselho Nacional de Medicina e conselhos regionais de medicina.

            Pois bem, não vem de nenhum desses lugares, mas do deputado estadual baiano Deraldo Damasceno, do PSL, uma proposta – em forma de indicação dirigida ao governador Jaques Wagner – para que a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia adote “a auto-hemoterapia nas unidades hospitalares do Estado”. Ele explica que o tratamento é “antigo e simples”. Foi usado pela primeira vez em 1911, mas sua utilização foi mais intensa na década de 1940, quando passou a ser usado para combater doenças infecciosas.

            Foi a década de 40, no entanto, mais exatamente o ano de 1941, que introduziu na medicina a inovação que levaria ao abandono quase absoluto da auto-hemoterapia – o uso da penicilina no tratamento de seres humanos. Descoberta “por acaso” em 1928, a partir de um fungo, pelo escocês Alexander Fleming, a penicilina foi pela primeira vez utilizada em um ser humano, em 1941, para tratar um caso de septicemia (infecção generalizada a partir da infestação do sangue por bactéria). Salvou muitas pessoas durante a Segunda Guerra Mundial e abriu a porta para a criação e uso da ampla gama de antibióticos hoje disponível e em expansão.

            Ora, se passaram a existir os antibióticos, pesquisados, inventados, produzidos e vendidos a bom preço, dando grandes lucros a tantos, para que mais serviria a auto-hemoterapia, humilde tratamento que só custa uma seringa com agulha e só exige uma pessoa habilitada a tirar 10 ml de sangue de uma veia do paciente e injetar esse sangue nos músculos bíceps ou glúteo (neste, de preferência, pois no bíceps seria necessário dividir a dose pelos dois braços). Como lugar de sangue é artéria, veia e coração, o sangue vazado no músculo será reconhecido como corpo estranho e o sistema imunitário imediatamente (em oito horas) multiplicará suas defesas (entre outros elementos, os macrófagos – que combatem bactérias, vírus, células cancerosas – quadruplicam) para combater o suposto intruso. E estará disponível, assim, para combater também o intruso verdadeiro, a bactéria responsável por infecção existente ou provável (se a pessoa está em um hospital, o risco de infecção hospitalar é grande, bom que esteja com o sistema imunitário funcionando a mil).

            Ocorre que o abandono da auto-hemoterapia por causa do surgimento dos antibióticos foi uma estupidez. As duas terapias não são iguais no efeito – o antibiótico enfraquece a bactéria, dificulta sua reprodução ou a mata, enquanto a ação da auto-hemoterapia reforça extraordinariamente o sistema imunitário, o que os antibióticos não fazem. Se, portanto, o sistema imunitário de uma pessoa com infecção ou risco de ser contagiada estiver enfraquecido, por idade ou outros fatores, a auto-hemoterapia vai eliminar essa fraqueza e unir-se ao antibiótico no combate.

            Além disso, há casos inacessíveis para o tratamento com antibióticos e que a auto-hemoterapia, se aplicada continuadamente, pode resolver, a exemplo da elininação gradual de coágulos, segundo explica o Dr. Luiz Moura, que pratica a auto-hemoterapia e é citado na indicação dirigida ao governador Jaques Wagner, apresentada na Assembléia Legislativa pelo deputado Deraldo Damasceno.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.