Quinta, 27 de setenbro de 2012
Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Relatório apresentado ontem (26) pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) identifica 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988, período indicado pela Lei nº 9.140/1995 – a primeira lei a reconhecer que pessoas foram assassinadas pela ditadura militar (1964-1985).
Brasília – Relatório apresentado ontem (26) pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) identifica 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988, período indicado pela Lei nº 9.140/1995 – a primeira lei a reconhecer que pessoas foram assassinadas pela ditadura militar (1964-1985).
Apesar do número expressivo (3,5 vezes acima do total de
reconhecidos oficialmente como mortos por perseguição política) apenas
51 casos foram analisados pela CEMDP e desses 29 tiveram a causa da
morte relacionada à questão política. “Ficando excluídos 1.145 casos de
camponeses e seus apoiadores mortos ou desaparecidos”, grande parte
porque não teve “acesso nem reconhecimento aos direitos da Justiça de
Transição”, descreve o relatório.
Na opinião de Gilney Viana, assessor da ministra-chefe da SDH, Maria
do Rosário, a desproporção mostra que “os camponeses foram excluídos em
vida e continuam sendo excluídos na morte”. Segundo ele, o volume de
mortes impressiona e contraria a tese de que a ditadura militar no
Brasil foi “branda” na comparação com os países vizinhos. “Aqui morreu
mais gente que no Uruguai”, estima.
De acordo com o estudo, há mortes durante o regime militar e também
durante o regime civil. Quatro pessoas foram assassinadas antes do golpe
de abril de 1964; 756 foram mortas durante a ditadura (sendo 432 na
abertura política após 1979); e 436 após março de 1985, já na transição
civil (governo Sarney). Segundo o documento, o aumento da violência no
campo a partir da distensão e ao longo da chamada Nova República tem a
ver com a organização política dos trabalhadores rurais.
“Neste período já se tinha observado redução da repressão policial
militar nas cidades quando o movimento popular, sindical e de oposição
política conquistou progressiva abertura política; porém, no campo se
promoveu e se tolerou uma vasta onda repressiva contra organizações e
lutas camponesas produzindo centenas de assassinatos de duas
lideranças”, descreve o texto que soma 602 mortes de lideranças (mais da
metade dos assassinados).
Segundo a contagem, 463 pessoas mortas ou desaparecidas eram
“lideranças de lutas coletivas”. Além desses, 75 eram sindicalistas; 43,
sem militância informada; 14, advogados; e sete, religiosos. O
documento mostra que apenas um em cada grupo de quatro casos teve
inquérito policial e apenas 5% registraram desfecho judicial
(condenatório ou não). O texto recomenda que esses casos sejam
“examinados, esclarecidos e reconhecidos pela Comissão Nacional da
Verdade, como manda a Lei 12.528/2011”. Por lei, está fora do prazo para
exame na CEMDP.
Os estados que acumulam o maior número de pessoas assassinadas
(lideranças ou não) são o Pará (342 mortes); o Maranhão (149 mortes); a
Bahia (126 mortes); Pernambuco (86) e Mato Grosso (82 mortes). Mais de
96% dos assassinados eram homens.
Outra peculiaridade dessas mortes é que grande parte não ocorreu
pelas mãos dos “agentes do Estado” (policiais e militares), 15% do total
(177 casos); mas por “agentes privados” (milícias e pistoleiros
contratados). Apesar desse perfil, os autores do estudo opinam que “não
há que se alegar que não houve motivação política na repressão policial e
militar aos camponeses; e, menos ainda negar, a participação direta de
agentes do Estado, em alguns caos, e indireta em outros, por
cumplicidade, omissão, acobertamento e apoio a ações de poder ilegítimo
de polícia de agentes privados”.
Para Gilney Viana, há diferenças e conexões entre as mortes que
ocorriam na ditadura e as que ocorriam (e ocorrem) no regime civil. “É
espantoso que ainda haja crimes no campo diante do Estado de Direito
Democrático. O que revela uma certa sequela da época da ditadura. As
autoridades locais são coniventes com milícias privadas e pistoleiros. A
impunidade ainda campeia”, disse ao salientar que com a facilidade da
comunicação nos dias atuais é mais difícil ocorrer casos de morte sem
repercussão.
Além dos camponeses, a SDH prepara estudo sobre a situação dos
indígenas – que tiveram direitos afetados principalmente por causa de
projetos de infraestrutura, como abertura de estradas. Segundo Viana,
houve casos documentados em que indígenas que resistiam às obras eram
tratados como guerrilheiros. O relatório deve ficar pronto em dezembro.
Ontem (26) a Agência Brasil revelou que a Comissão da Verdade usará documentos históricos e depoimentos para apurar crimes contra indígenas.