Segunda, 2 de dezembro de 2013
Paulo Passarinho*
O Banco Central voltou a elevar a taxa Selic, a taxa básica de juros,
dando sequência a um processo iniciado em abril desse ano. Na ocasião, a
Selic estava em 7,25% ao ano e foi elevada para 7,5%. Agora, esta taxa
chega a 10%, após seis consecutivas elevações.
Com essas medidas, somos o país que mais elevou a sua taxa básica de
juros ao longo de 2013 e nos mantemos como o país com a mais elevada
taxa real de juros, do mundo. Uma brutal contradição, para um país que,
segundo o próprio governo, necessita “acelerar o seu crescimento
econômico”. Afinal, o custo do dinheiro não é uma variável fundamental
para o maior, ou menor, incentivo a novos investimentos produtivos?
Mas, as contradições não se limitam a esse ponto. O processo de
elevação da taxa Selic foi iniciado sob o pretexto de se combater a
inflação. Contudo, esse tipo de “solução” para o problema inflacionário
está vinculado, tecnicamente, a problemas decorrentes da existência de
uma suposta pressão de demanda.
No caso brasileiro atual, não há indicadores que possam nos assegurar
que haja uma pressão das famílias, dos governos ou das próprias
empresas que não esteja sendo possível de ser atendida pela estrutura de
oferta que temos hoje.
Não fosse isso, como explicar, por exemplo, os níveis de ociosidade
da indústria ou o estoque de terras disponíveis para utilização
produtiva ou para um mais adequado aproveitamento econômico? As razões
da existência de pressões inflacionárias permanentes em nossa economia
estão vinculadas, de forma mais precisa, à dependência de produtos e
insumos importados (completamente sensíveis à taxa de câmbio), ao
heterogêneo e diversificado setor de serviços (muito sensível aos
reajustes reais do salário mínimo) e aos eternos desequilíbrios e
tensões de uma economia extremamente oligopolizada, pelo lado da oferta.
Com um elevado grau de concentração da renda e poder de mercado nas
mãos de uma minoria e uma massa de pequenos e médios produtores ao lado
de consumidores com níveis de renda muito baixos, o conflito
distributivo é permanente. Os agentes econômicos mais poderosos querendo
manter a ferro e fogo as suas privilegiadas posições de ganho no jogo
econômico, e um gigantesco universo de agentes econômicos buscando
ampliar a sua participação no bolo econômico, de acordo com as
oportunidades que vão se abrindo, mas sempre de forma ávida e rápida.
Afinal, para essa maioria, os níveis de remuneração e ganhos possíveis
são quase sempre instáveis e temporários, no contexto de uma economia
que se concentra cada vez mais.
Mas, a grande ou maior contradição dessa reiterada política de juros
altos – que, junto com a valorização do real frente ao dólar, é
característica do modelo econômico em curso no Brasil, desde o Plano
Real – é a nossa situação fiscal.
Estamos assistindo a uma enfadonha polêmica envolvendo o governo, a
oposição de direita e a mídia dominante sobre uma suposta leniência com
as chamadas metas de superávit fiscal. O vilão seria o governo. A
oposição de direita, em coro com os analistas econômicos da mídia e dos
bancos, acusa o governo de perdulário, de deixar as despesas correntes
do governo se elevarem, de não enfrentar – mais uma! – a reforma do
sistema previdenciário, além de outras baboseiras.
O raciocínio circular, que procura dar racionalidade a essa crítica
de natureza fiscal, e falsa, alega que na medida em que o governo mostra
fraqueza em cortar despesas – especialmente, despesas correntes – e, ao
invés de ampliar o superávit primário, diminuí-lo, os credores do
governo veem com cada vez maior desconfiança a elevação da dívida bruta
do Tesouro e passam, por isso, a cobrar taxas de juros cada vez mais
elevadas, para o refinanciamento desta própria dívida.
O sofisma desta argumentação é que o fator mais dinâmico do
endividamento público é justamente a despesa corrente com o pagamento de
juros! A contenção de todas as demais despesas correntes e de
investimentos é realizada justamente para – teoricamente – se pagar cada
vez mais parcelas da dívida em curso, “sem se gastar mais do que se
arrecada”, e assim, diminuir o endividamento do Estado. E é isso que,
intensivamente, estamos fazendo desde o acordo com o FMI, em vigor a
partir de 1999. Há 14 anos, portanto.
Entretanto, desde então, a dívida jamais deixou de crescer de forma
espetacular. Em valores nominais e levando-se em conta o volume de
títulos públicos nas mãos do Banco Central – para as operações de
curto-prazo – e dos credores da dívida pública, o valor desta dívida
saltou de R$ 344 bilhões para mais de R$ 2,8 trilhões, de acordo com os
dados disponíveis até o mês de setembro desse ano; em percentuais do
PIB, a evolução do endividamento foi de 35% para 64%. São dados,
portanto, que evidenciam que o motor do endividamento não está
relacionado ao fato de o governo gastar mais do que arrecada, com as
suas despesas com a manutenção da máquina pública, remuneração dos seus
servidores, investimentos ou pagamento de obrigações constitucionais,
como é o caso das aposentadorias e pensões do INSS.
Curiosamente, a despesa corrente que desequilibra as despesas
públicas é o pagamento dos juros, jamais questionado pelos economistas e
analistas vinculados à defesa do modelo macroeconômico defendido pelo
sistema financeiro. É como se este tipo de despesa fosse “natural”,
impossível de ser questionada. E o motor dessa despesa é a taxa de
administração da dívida pública, sempre igual ou superior à própria taxa
Selic. Desse modo, por mais que “economizemos” recursos para a formação
do superávit primário, vamos continuar a observar a elevação do
endividamento público, com todas as manipulações interpretativas que
temos visto ao longo de todos esses anos. Além, é importante frisar, das
inúmeras ilegalidades cometidas pelo Banco Central, conforme
demonstrado no relatório alternativo da CPI da Dívida Pública, elaborado
pelo deputado Ivan Valente, do PSOL-SP, e presidente desta importante
iniciativa parlamentar, concluída em 2010.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.