Quarta, 18
de março de2015
Por Alberto
Dines em 17/03/2015 na edição 842
Quatro circunstâncias foram decisivas para convencer a
equipe do programa de TV do Observatório da Imprensa a pautar o Caso
SwissLeaks na edição levada ao ar na terça-feira (10/3, remissão abaixo):
1. O enorme
interesse suscitado pelo megavazamento na imprensa internacional, sobretudo
europeia, e a decisão do Comitê de Redação do prestigioso Le Monde de
publicar a lista de todos os correntistas, a despeito do veto simbólico dos
acionistas majoritários.
2. A visível
hesitação da grande mídia brasileira em entrar com vontade no assunto apesar de
sua evidente importância.
3. O
ineditismo dos procedimentos adotados pelos detentores da lista (Le Monde)
entregando-a ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na
sigla em inglês), entidade formada por 185 repórteres investigativos em 65
países, desde que cada nome fosse previamente investigado pelas seções
nacionais a fim de evitar equívocos e injustiças. A decisão contrariava frontalmente
a práxis vigente em nossos jornais de reproduzir integralmente – sem qualquer
averiguação preliminar – as denúncias secretas que chegavam às redações com
dossiês, vídeos, cassetes e fitas. O fenômeno levou este observador, em fins
dos anos 1990, a batizá-lo como “jornalismo fiteiro” – em que o repórter é
apenas um intermediário passivo.
4. Ao saber
que o jornalista Fernando Rodrigues, ex-colunista da Folha de S.Paulo,
responsável por um blog no portal UOL e um dos mais empenhados criadores da
Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) fora escolhido pelo
ICIJ para coordenar a operação brasileira, a produção do programa prontamente
assegurou a sua participação e, logo em seguida, a da ombudsman da Folha,
Vera Guimarães Martins, que já tratara do assunto em coluna recente (em 1/3,
ver “Teoria conspiratória nº 8.667”). Garantidas as
participações em Brasília (FR) e São Paulo (VGM), faltava ao time um debatedor
carioca, vaga logo preenchida quando a produção foi informada que o repórter
investigativo do Globo Chico Otávio, profissional premiado e
participante habitual do programa, acabara de ser convidado pelo ICIJ para
participar da rede de investigadores.
Primado da independência
O programa foi exibido na terça-feira (10/3) e tratou
principalmente das questões centrais: o prudente procedimento adotado pelo
consórcio detentor da megalista, contrariando a velha rotina do “jornalismo
fiteiro” adotada arbitrariamente pelos porteiros de nossas redações ao publicar
denúncias sem um mínimo de investigação prévia.
A outra questão atendia às insistentes reclamações de outros
profissionais independentes, principalmente blogueiros, que consideravam injusta
a exclusividade concedida aos dois conhecidos jornalistas. Queriam a
socialização do “furo”.
>>
Avalie o conteúdo e a apresentação do programa: clique aqui
para assistir à íntegra.
Quatro dias depois (sábado, 14/3), o Globo publicou
com grande destaque na capa e página inteira do primeiro caderno a lista dos 22
empresários de mídia, herdeiros e cônjuges que mantêm ou mantiveram contas
numeradas no HSBC suíço, além de sete jornalistas. Entre estes, e apresentados
como “Família Dines”, os quatro filhos deste observador residentes no exterior
há três décadas (menos um), sem contas bancárias no país, sem rendimentos
locais. Classificados honrosamente como “jornalistas independentes”, apenas
dois são formados em jornalismo, porém afastados da profissão há pelo menos 15
anos. [Veja abaixo a íntegra da contestação deste observador publicada neste
OIna noite do mesmo sábado.]
Até o momento o Globo não se retratou, achou
perfeitamente válido o seu aberrante código de ética e seus critérios
editoriais exibidos com tanta desfaçatez. No entanto, passada uma semana do
programa, seu editor-responsável e apresentador assume um grave erro: escapou
do debate um dado crucial – o quadro de associados do ICIJ é restrito a
JORNALISTAS, não está aberto a JORNAIS, empresas com seus interesses nem sempre
os mais nobres.
E o que aconteceu naquele sábado foi uma clara intervenção
da direção do jornal O Globo no trabalho do seu veterano repórter Chico
Otávio. Ele, sim, jornalista independente, sem aspas. A matéria foi editada e
manipulada por ordem do “aquário”. Isto salta à vista quando se compara o
estilo narrativo do repórter – incisivo, factual, claro – com a montagem
infanto-juvenil no estilo de infográfico publicada no sábado.
Chico Otávio é professor de jornalismo na PUC-Rio, repórter
puro-sangue, seus chefes/editores não têm o direito de macular seu currículo
utilizando um autêntico jornalismo marrom no estilo da revista Escândalo,
denunciada pelo falecido Diário da Noite (Rio) e fechada pela polícia em
1963.
Além da desobediência à cláusula pétrea do Consórcio
Internacional de JORNALISTAS Investigativos, configura-se outra transgressão: o
sistema de pool empresarial é antijornalístico, inconfundivelmente monopolista
e corporativista. Os jornalistas associados ao ICIJ têm o direito de
compartilhar informações, as empresas nas quais trabalham (ou das quais são
parceiros), não podem fazer jogadas combinadas. Isso é lobismo.
Prova: na sexta-feira (13/3), véspera da patifaria, o Globo
revelou em manchete que o crime organizado e a contravenção tinham dinheiro na
Suíça (págs. 3 e 4). A matéria é vintage Chico Otávio. A Folha
não a reproduziu. Mas reproduziu secamente, à sua maneira, no dia seguinte, as
informações sobre contas de empresários, cônjuges, herdeiros de grupos de
comunicação e jornalistas (sem citá-los, caderno “Mercado”).
Está evidente que houve uma combinação entre os jornais para
explorar o mesmo tema simultaneamente. Embora Fernando Rodrigues tenha nomeado
em seu blog os mesmos não-jornalistas, evitou inferências infames a respeito
dos sobrenomes.
O Brasil tem o dom de avacalhar tudo. Inclusive um magnifico
exemplo de cooperação jornalística internacional. O ICIJ vai ser informado.
Jornalismo investigativo deve ser obrigatoriamente independente. Se não é
independente não pode ser plenamente investigativo.
***
Vazamentos suíços, canalhices
brasileiras
A.D.
[Publicado originalmente em 14/3/2015]
Para mostrar-se isento, imparcial, impecável e imaginando que
fazia história, a edição de sábado (14/3) de O Globo resolveu escancarar
suas culpas e revelar os nomes dos empresários de mídia, herdeiros, cônjuges e
jornalistas que mantinham contas secretas na Suíça.
Entre os sete profissionais vivos estão os quatro filhos
deste observador agrupados como “Família Dines”. Embora classificados como
“jornalistas independentes”, adultos e efetivamente independentes, aparecem
identificados pelo nome do pai que apenas se prontificou a prestar
esclarecimentos ao repórter já que três deles vivem no exterior há cerca de 30
anos, não têm conta bancária nem declaram rendimentos no Brasil.
O mesmo e perverso sistema que consiste em identificar as
proles pelo nome dos pais não foi usado ao mencionar a conta secreta da
falecida Lily de Carvalho, viúva do também falecido Roberto Marinho, cujos três
filhos comandam o mais poderoso grupo de mídia da América Latina.
Seguindo a infame lógica que levou o jornal a colocar este
observador no meio de supostos infratores, também os filhos de Roberto Marinho
– o primogênito Roberto Irineu Marinho, o filho do meio João Roberto Marinho e
o caçula José Roberto Marinho (ou um deles em nome dos demais) – deveriam ter
sido nomeados e feito declarações para explicar os negócios da madrasta.
O certo seria dar voz a João Roberto Marinho (que fala em
nome da empresa e dos acionistas majoritários além de comandar o segmento da
mídia impressa) para dar as explicações que o Globo generosamente
preferiu encampar no próprio texto da matéria para não macular a imagem do
grande chefe.
João Roberto Marinho é uma figura decente, este observador
assim se considera igualmente. João Roberto Marinho foi poupado pelos
subordinados; já este observador foi incluído numa relação precária, suspeita,
e que, além disso, diz respeito apenas a correntistas e/ou beneficiários.
História suja
Onde está a equidade, a isonomia? Ficou no aquário da
redação alimentando a hipocrisia e a onipotência dos que se sentem senhores do
mundo e da verdade. Ao jornalista profissional, crítico da mídia, persona
non grata para os barões da imprensa e seus apaniguados, o rigor deste
insólito código que se serve de um sobrenome para avacalhar todos os que também
o usam. Nas contas deste observador há no Brasil outros oito membros da honrada
família Dines que nada têm a ver com o caso HSBC. Ao falar de Roberto Marinho
ou Octavio Frias de Oliveira, suas respectivas proles – por cavalheirismo –
foram poupadas.
Este observador vive do seu salário de jornalista há 63
anos. Numa idade em que outros vivem dos direitos autorais, poupança ou
investimentos, este profissional vive dos rendimentos de um PJ (pessoa
jurídica) sem direito a férias, plano de saúde e outras regalias dos celetistas.
Há 17 anos consecutivos é obrigado a passar dois dias por semana no Rio e nos
demais trabalhando dez ou doze horas diárias para obter o suficiente para viver
com algum conforto.
Se os meus filhos fossem “laranjas” como alguns idiotas das
redes sociais tuitaram, as obras de sua casa no Rio – único bem que possuo –,
paradas há mais de um ano, já estariam terminadas e o estresse das viagens,
eliminado. Meus filhos são adultos, com mais de 50 anos, solteiros,
independentes. Nunca perguntei quanto herdaram, quanto guardavam, nem onde. Não
tenho conta na Suíça, não tenho poupança, CBDs, ações, investimentos nem no
Brasil nem em lugar algum.
Meus filhos têm mais de 50 anos, vivem no exterior há cerca
de 30 anos (exceto o caçula, no Rio, beneficiário dos irmãos). Os valores foram
herdados da mãe, com quem fui casado em regime de total separação de bens, e de
quem me separei em 1975. Eles estão pagando por causa das trapalhadas dos
parentes maternos (a família Bloch) e o pai, que deles se orgulha, envolvido numa
história suja armada por empresas jornalísticas que, para limpar o seu nome,
não se importam em macular a vida, carreira, escrúpulos e sacrifícios de
outros.
Pretendo continuar a viver da minha profissão, renda ela o
que render, porque para mim jornalismo não é apenas sobrevivência. É opção de
vida limpa, digna, honesta.
Em Tempo – O que significa ‘jornalista
independente’?
Na relação das “contas secretas” no HSBC suíço divulgadas no
sábado (14/3) pelo Globo e pelo blog de Fernando Rodrigues no UOL há 22 empresários
de mídia e sete jornalistas: quatro deles classificados como “jornalistas
independentes” e com o sobrenome Dines. Qual o critério que norteou esta
classificação profissional se apenas dois deles têm diploma de jornalismo, mas
deixaram o seu exercício há pelo menos 15 anos?
A explicação é simples: se arrolados em outra relação, a
lista dos profissionais sairia ainda mais mirrada e a dos empresários ganharia
ainda mais relevância.
Para equilibrar e mostrar que empresários e jornalistas são
farinha do mesmo saco foi preciso forçar uma qualificação profissional enganosa
só porque com o mesmo sobrenome há um conhecido jornalista na ativa.
Vale tudo.
Leia também
22 empresários de mídia e 7 jornalistas estão na lista do
HSBC– Fernando Rodrigues
Lista do HSBC tem empresários de mídia– Chico
Otávio, Cristina Tardaguila e Ruben Berta
Citados em lista do HSBC negam irregularidades–
C.O., C.T. e R.B.
O mapa da mina– Observatório da Imprensa
na TV (Caso HSBC)