Do Blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
Zuleika
Angel Jones morreu no dia 14 de abril de 1976, às 3 horas, em acidente
automobilístico na saída do túnel Dois Irmãos, na estrada da Gávea, no
Rio de Janeiro. Tendo em vista as várias ameaças anônimas recebidas pela
estilista, devido a sua insistente luta por informações do paradeiro de
seu filho Stuart, logo surgiu a desconfiança de que o acidente teria
sido provocado por agentes dos órgãos repressivos.
A versão divulgada à época foi a de que o carro de Zuleika Angel Jones,
um Karman Ghia, teria saído da pista, colidido com a proteção do viaduto
Mestre Manuel e capotado várias vezes em um barranco. A certidão de
óbito, assinada pelo médico Higino de Carvalho Hércules, confirmou a
versão do acidente e atestou como causa da morte uma 'fratura do crânio
com hemorragia subdural e laceração cervical'
Chegou-se a cogitar que a estilista tivesse ingerido bebida alcoólica e,
por isso, perdido o controle do veículo. Essa possibilidade foi logo
descartada após o exame toxicológico que atestou a ausência de álcool em
seu sangue. Noticiavam, também, a fadiga da motorista, que poderia ter
adormecido no volante, e problemas mecânicos, que poderiam ser a causa
do acidente. Fatos que não se comprovaram.
Em 1996, com o intuito de apresentar um pedido de indenização à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos,
a família de Zuleika Angel Jones solicitou o trabalho de Luís
Fondebrider, da Equipe Argentina de Antropologia Forense, para analisar
os restos mortais da estilista. O perito argentino apontou
inconsistências na versão divulgada à época do acidente. Da mesma forma,
a família apresentou declarações de Lourdes Lemos de Moraes, esposa do
empresário Wilson Lemos de Moraes, que garantiu que o carro de Zuleika
Angel Jones havia sido levado por seu marido, Wilson, para uma revisão
completa, uma semana antes do acidente.
Também foi apresentado o depoimento de Marcos Pires, que teria visto o
acidente da janela de seu apartamento, situação em que descreveu que
dois carros estavam emparelhados na saída do túnel Dois Irmãos quando um
dos automóveis chocou-se com outro, que seria o de Zuleika Angel Jones,
provocando a colisão contra a proteção do viaduto e, logo em seguida, o
carro despencou do barranco.
A mesma testemunha também declarou que, surpreendentemente, em menos de
cinco minutos do acidente, cinco carros da polícia já estariam presentes
no local. A partir dessas informações, a CEMDP decidiu solicitar um
parecer técnico dos peritos criminais do Instituto de Criminalística de
São Paulo. Os profissionais contribuíram para desmontar a versão falsa
da morte de Zuleika Angel Jones, da qual, inicialmente, descartaram a
possibilidade de Zuzu ter dormido ao volante, já que 'a fratura do
perônio (osso da perna) encontrada é típica de compressão transmitida
pelo pedal de freio no momento do impacto'.
Com relação ao primeiro exame do local de acidente, afirmam que a versão
apresentada para a dinâmica dos eventos é absolutamente inverossímil,
pelas seguintes razões:
Primeiro porque um veículo jamais mudaria de direção abruptamente única e
tão somente por conta do impacto de qualquer de suas rodagens contra o
meio-fio, qual seria galgado facilmente, projetando-se o veículo pelo
talude antes de chegar ao guarda-corpo do viaduto.
Segundo porque, sendo o meio-fio direito da autoestrada perfeita e
justamente alinhado como guarda-corpo do viaduto, mesmo que o veículo se
desviasse à esquerda, tal como o sugerido pelo laudo, desviar-se-ia do
guarda-corpo, podendo, se muito, chocar o extremo direito da dianteira.
Terceiro porque, mesmo que se admitisse a trajetória retilínea final,
nos nove metros consignados pelo laudo, tendo-se em conta que o veículo
chocou a dianteira esquerda e que não havia mais nada à direita, a não
ser a rampa inclinada da superfície do talude, teríamos que aceitar que
as rodas do lado direito ficariam no ar e o veículo perfeitamente em
nível até que batesse no guarda-corpo, o que, evidentemente, seria
impossível.
As pesquisas realizadas no âmbito da Comissão Nacional da Verdade no
acervo histórico do Arquivo Nacional revelaram inúmeros documentos sobre
o intenso monitoramento de Zuzu Angel e de suas atividades, por parte
dos órgãos de informações e repressão. Documento do Estado-Maior do
Exército, no qual o adido militar brasileiro nos Estados Unidos
recomenda que as viagens de Zuleika fossem monitoradas, para que
'elementos amigos pudessem acompanhar mais de perto os seus passos'.
Contudo, uma das principais informações recolhidas pela Comissão
Nacional da Verdade sobre o caso de Zuzu Angel está no depoimento do
ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo
(Dops-ES), Cláudio Guerra, no qual o agente identificou a presença, em
uma fotografia feita logo após o acidente, do coronel do Exército
Freddie Perdigão Pereira, e afirmou ter ouvido do próprio Perdigão que
ele havia participado do atentado que vitimou Zuleika Angel Jones.
Diante disso, a CNV solicitou ao Ministério da Defesa e ao Comando do
Exército uma fotografia do referido coronel, à época, para fins de
comparação e perícia, mas o Comando do Exército alegou que nos acervos
do Exército não existe qualquer tipo de registro fotográfico dos seus
agentes.
(transcrição literal e completa do tópico dedicado às circunstâncias
da morte de Zuleika Angel Jones no relatório final
da Comissão Nacional da Verdade)